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2 DELINEANDO O OLHAR: O RECORTE TEÓRICO-METODOLÓGICO

2.1 Explicitando as vozes teóricas

Neste primeiro momento, discutiremos acerca do desafio de uma escola que pretende ser inclusiva, ou seja, que se compromete com o respeito às diferenças de seus alunos. Desse modo, abordaremos o AEE como o principal serviço da Educação Especial, assegurado na legislação atual (BRASIL, 1988; 1996; 2008a; 2009a; 2011a; 2015a), com vista à promoção da igualdade de condições aos alunos considerados público-alvo da Educação Especial, contexto em que ocorrem as mediações inerentes à tecnologia assistiva.

Entretanto, pautando-se nas proposições teóricas de Passerino (2015), a tecnologia assistiva será contemplada a partir das relações que se estabelecem mediante seu uso no âmbito da escola, não se restringindo à SRM. Nessa perspectiva, a audiodescrição será abordada como tecnologia assistiva, em sua dimensão colaborativa, ou seja, envolvendo alunos com e sem deficiência; e multissensorial, articulada a outros meios perceptivos, como preconiza Alves (2012) e Motta (2016).

Nesse contexto, destacamos que o professor do AEE colabora com os processos formativos na esfera escolar, orientando os professores da sala de aula

12 Casado Alves (2016, p. 163) esclarece que o círculo de Bakhtin “[...] não era uma ‘escola’, no

sentido acadêmico, tampouco Bakhtin era o ‘líder’, o ‘mestre’. Trata-se, muito mais, de um grupo que produzia, em clima de colaboração e de amizade, pesquisas comuns a partir de interesses e competências diferentes”.

comum quanto ao uso da tecnologia assistiva, como disposto em suas atribuições (BRASIL, 2009a). Nessa direção, conforme Nóvoa (2013), a escola é vista como lugar da formação de professores, que deve partir da própria profissão docente, valorizando o conhecimento dos professores e garantindo que eles assumam um lugar na formação de seus pares, atuando de forma colaborativa e refletindo sobre sua própria prática.

2.1.1 O desafio de uma escola para todos e o Atendimento Educacional Especializado

A escola que se pretende inclusiva tem como um dos seus grandes desafios respeitar as diferenças de seus alunos. Isso porque, ao longo da história, muitos têm sido sistematicamente alijados do contexto educacional, e, ainda hoje, apesar de a educação ser considerada um direito fundamental de todo cidadão, a escola não tem sido o lugar de todos.

Nesse cenário, estão os alunos com deficiência, que, em razão dos padrões de normalidade instituídos socialmente, foram (e ainda são) estigmatizados, uma vez que seus corpos são considerados transgressores e/ou desviantes de tais padrões. Noutras palavras, eles apresentam diferenças que, segundo Magalhães e Cardoso (2010), significam desvantagens sociais e, por isso, tornam-se desacreditáveis.

Disso decorre o capacitismo, preconceito pautado em uma “[...] concepção presente no social que lê as pessoas com deficiência como não iguais, menos aptas ou não capazes para gerir [as] próprias vidas [...]” (DIAS, 2013, p. 2). Essa percepção, conforme a autora, produz suposições, que se manifestam de forma consciente ou não, e práticas que estimulam tratamento desigual em função da deficiência, seja ela real ou mesmo presumida. Com isso, Andrade (2015) ressalta que, comumente, essas pessoas são subestimadas em suas capacidades, tratadas como coitadas ou, por outro lado, como heroínas, quando conseguem ultrapassar os interditos sociais. No entanto, para o autor, ambas as formas de tratamento são prejudiciais por estimular o conformismo e/ou ajustamento das pessoas com deficiência ao padrão de normalidade estabelecido, deixando intactas as estruturas sociais que o determinam.

Se recuperarmos a história das pessoas com deficiência, veremos que a ideia de um corpo incapaz está presente desde as sociedades antigas, quando essas pessoas eram eliminadas ou abandonadas à própria sorte em função das marcas sociais de anormalidade, sendo consideradas improdutivas (MARTINS, 2015), e que tal ideia se constitui base de modelos explicativos da deficiência como o caritativo e o médico. Neles, a deficiência é hegemonicamente definida como incapacidade e, em decorrência, as pessoas com deficiência são consideradas merecedoras de pena ou, sob uma lógica médica, de cura (LANNA JÚNIOR, 2010).

Ressaltamos que na atualidade esses modos de explicar a deficiência ainda persistem, sobretudo o modelo médico, no qual, conforme França (2013), a deficiência é compreendida, naturalmente, como a consequência de um corpo lesionado. Dito de outro modo, “[...] a deficiência seria em si a incapacidade física, e tal condição levaria o indivíduo a uma série de desvantagens sociais” (FRANÇA, 2013, p. 60). Nesse enfoque,

[...] o olhar que recorta o corpo, torna-o objeto, passível de controle e ajustamento, visando à normalidade. Não questiona sobre as construções sociais de ordem estética ou funcional, não procura entender a raiz cultural em que constituímos um ideal de sujeito humano completo. Toma como imperativo e generalizado o desejo de conversão de cada corpo estranho em um corpo normal, conhecido e previsível (ANGELUCCI, 2015, p. 6).

Assim, no modelo médico, a incapacidade é alojada na pessoa e a deficiência é pensada apenas do ponto de vista biológico, em lugar de ser considerada como uma construção social (DIAS, 2013). Nesse sentido, Diniz, Barbosa e Santos (2009, p. 67) destacam que, sob essa lógica, os investimentos se concentram na reparação dos impedimentos de ordem biológica, os quais devem “[...] se submeter à metamorfose para a normalidade, seja pela reabilitação, pela genética ou por práticas educacionais”. Portanto, quando os alunos com deficiência não se adequam aos padrões de um corpo tipificado socialmente como normal, acabam sendo excluídos do contexto escolar – se não pela separação dos corpos em escolas ou turmas especiais – pela sua não permanência e aprendizagem, tendo em vista que, muitas vezes, as práticas docentes não contemplam as especificidades desses alunos, reverberando a principal ideia que norteou o princípio da normalização, segundo a qual

[...] toda pessoa com deficiência teria o direito inalienável de experienciar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal em sua cultura, e que a todos indistintamente deveriam ser fornecidas oportunidades iguais de participação em todas as mesmas atividades partilhadas por grupos de idades equivalentes (MENDES, 2006, p. 389).

Sob essa ótica, de base meritocrática, ao oferecer oportunidades iguais de participação para alunos com e sem deficiência, a escola acaba sendo injusta com aqueles que têm deficiência, justamente por não considerar as diferenças entre eles. Por essa razão, é preciso que a escola garanta a esses alunos igualdade de condições em relação aos demais, o que pressupõe a eliminação de barreiras. Quando isso não ocorre, os alunos com deficiência vivenciam práticas de discriminação e opressão instituídas pela cultura da normalidade, como alertam Diniz, Barbosa e Santos (2009).

Em oposição à abordagem médica, o modelo social ressignificou o conceito de deficiência, que passou a ser entendido “[...] como um fenômeno de natureza social” (FRANÇA, 2013, p. 62). Assim, no modelo social da deficiência, há uma recusa à ideia da incapacidade associada à pessoa com deficiência e uma afirmação contra-hegemônica de que a sociedade, frequentemente, impõe barreiras que, ao convergirem com um corpo que tem impedimentos, restringem ou impedem a participação dessas pessoas. Sob esse enfoque,

Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015a).

Essa conceituação, embasada na que é adotada pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2007) – documento normativo incorporado à legislação brasileira com equivalência constitucional, por meio de sua ratificação (BRASIL, 2008c) e promulgação (BRASIL, 2009c) –, a nosso ver, aponta a necessidade de redimensionamento da escola de modo a contemplar as especificidades dos alunos com deficiência por meio da eliminação de barreiras, o

que implica a garantia de acessibilidade13. Com isso, essa compreensão social da

deficiência alinha-se aos pressupostos da educação inclusiva, que

[...] significa um novo modelo de escola em que é possível o acesso e a permanência de todos os alunos, e onde os mecanismos de seleção e discriminação, até então utilizados, são substituídos por procedimentos de identificação e remoção das barreiras para a aprendizagem (GLAT; BLANCO, 2009, p. 16).

Sob esse viés, a escola regular deveria romper com práticas docentes homogeneizadoras e excludentes, questionando “[...] a fixação de modelos ideais, a normalização de perfis específicos de alunos e a seleção dos eleitos para frequentar as escolas [...]” (ROPOLI et al., 2010, p. 7). Noutras palavras, a escola, que historicamente tem demarcado identidades, classificando os alunos segundo um padrão determinado socialmente, provocando ao mesmo tempo a inclusão de alguns e a exclusão de outros do sistema educacional regular, deveria dar lugar a uma escola que é, ou pelo menos, deveria ser de todos, onde os alunos podem conviver e aprender juntos, constituindo-se como cidadãos.

A esse respeito, em consonância com os pressupostos de uma educação inclusiva, Karagiannis, Stainback e Stainback (1999a) ressaltam que não basta simplesmente possibilitar o acesso de alunos com deficiência à sala de aula do ensino regular, pois o acesso, por si só, não garante que eles tenham benefícios em relação à sua aprendizagem. Em contrapartida, pontuam que quando a escola dispõe de bons programas, “[...] a inclusão funciona para todos os alunos com e sem deficiência, em termos de atitudes positivas, mutuamente desenvolvidas, de ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais e de preparação para a vida na comunidade” (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999a, p. 22).

Nesse sentido, o AEE configura-se como um serviço da Educação Especial que, no contexto atual, assume centralidade na promoção da inclusão de alunos considerados público-alvo da Educação Especial na escola regular, constituindo-se, portanto, oferta obrigatória (BRASIL, 2008a; 2015a). Recuperando seu percurso de

13 A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015a), em seu art. 3º, define:

“I – acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”.

constituição, cumpre destacar que esse serviço foi previsto, anteriormente, em alguns dispositivos legais (BRASIL, 1988; 1996), devendo ser disponibilizado aos alunos com deficiência, “preferencialmente na rede regular de ensino”. Mas é a partir da implementação do Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais (BRASIL, 2007a) que se observa uma ampliação na oferta do AEE, uma vez que tal programa tem como objetivo apoiar os sistemas públicos de ensino quanto à organização e oferta desse serviço, contribuindo, assim, para fortalecer o processo de inclusão no contexto escolar regular.

De acordo com as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial (BRASIL, 2009a), a SRM consiste no espaço-tempo prioritário de realização do referido serviço, seja na própria escola em que o aluno está matriculado, seja em outra escola do ensino regular, embora possa ser realizado também em centros especializados. Nesse mesmo documento, é realçado, ainda:

Art. 2º O AEE tem como função complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem (BRASIL, 2009a).

Portanto, as atividades realizadas nesse atendimento se diferenciam daquelas desenvolvidas na sala de aula comum, embora elas devam estar articuladas, como preconiza a legislação (BRASIL, 2008a; 2009a; 2011a). Isso porque, como já salientamos neste estudo, o AEE deve ocorrer em articulação com a proposta pedagógica da escola de tal modo que a articulação está implicada nas atribuições do professor que atua nesse serviço (BRASIL, 2009a).

Essa ideia de trabalho docente, realizado de forma articulada entre o professor do AEE e aqueles que atuam na sala de aula comum, do nosso ponto de vista, está estritamente relacionada à perspectiva de colaboração, que, segundo Damiani (2008), frequentemente é utilizada como sinônimo de cooperação. Contudo, a autora esclarece que os termos colaboração e cooperação têm sentidos distintos, pois

[...] na cooperação, há ajuda mútua na execução de tarefas, embora suas finalidades geralmente não sejam fruto de negociação conjunta do grupo, podendo existir relações desiguais e hierárquicas entre os seus membros. Na colaboração, por outro lado, ao trabalharem juntos, os membros de um grupo se apóiam, visando atingir objetivos comuns negociados pelo coletivo, estabelecendo relações que tendem à não-hierarquização, liderança compartilhada, confiança mútua e co-responsabilidade pela condução das ações (DAMIANI, 2008, p. 215).

Desse modo, ao planejarem juntos, os professores – do AEE e da sala de aula comum – assumem a responsabilidade pelo processo de aprendizagem dos alunos, principalmente, daqueles que são público-alvo da Educação Especial, ou seja, trabalham de forma colaborativa. Com base nos pressupostos bakhtinianos, podemos considerar que, num trabalho docente pautado na colaboração, é estabelecida uma relação dialógica e alteritária entre os professores do AEE e o da sala de aula comum, em que, ao compartilharem experiências, conhecimentos e, por conseguinte, valores, ambos se constituem mutuamente, não havendo uma voz que se sobreponha à outra, pois, conforme Bakhtin (2016, p. 115), “o diálogo traz a marca não de uma, mas de várias individualidades”.

No entanto, em estudo realizado com foco na relação entre o currículo escolar e o AEE, Mendes, Silva e Pletsh (2011, p. 260) alertam que em lugar das esperadas trocas de experiências, o que tem ocorrido é “[...] o paralelismo de um ensino ministrado em locais diferenciados e mantidos por diferentes professores [...]”. Desse modo, as autoras verificaram que tal serviço não tem provocado mudanças no âmbito da sala de aula comum, tendo em vista que, se por um lado, a realização de um trabalho docente em colaboração é minada pelo próprio cotidiano escolar, não se efetivando, por outro lado, a estrutura rígida do currículo escolar faz com que as alternativas curriculares organizadas para esse atendimento reproduzam a “vertente uniformizadora e homogeneizadora das práticas curriculares das quais são oriundas” (MENDES; SILVA; PLETSH, 2011, p. 260).

As autoras ressaltam ainda que apesar do AEE ter sido muito associado à ideia de uma inovação, esse serviço segue a mesma lógica baseada em processos adaptativos, centrando-se no aluno público-alvo da Educação Especial, sobretudo em suas supostas incapacidades, excluindo do debate as práticas curriculares institucionalizadas culturalmente, de maneira que o AEE acaba por se constituir uma maneira de adaptar os alunos a tais práticas. Com isso, se mantém a “[...] ideia de

deficiência como uma característica do aluno e como algo que precisa ser reconstituído, corrigido, normalizado” (MENDES; SILVA; PLETSH, 2011, p. 262).

Nessa perspectiva, Mendes e Malheiro (2012) destacam que o AEE, como serviço de apoio à escolarização – no âmbito da sala de aula comum – dos alunos que são contemplados pela Educação Especial, mostra-se inadequado em relação aos princípios da educação inclusiva por se constituir um atendimento em separado, extraclasse, realizado na SRM, “[...] pois é nesse lócus que se acomoda a diferença enquanto que o resto todo da escola se mantém como está” (MENDES; MALHEIRO, 2012, p. 363). Para as autoras, tal serviço tem mantido e legitimado a emblemática separação que, historicamente, existe entre a Educação Especial e o ensino comum, não promovendo a inclusão escolar desses alunos. Por isso, consideram que os recursos e serviços de apoio, incluindo o próprio professor especializado na área de Educação Especial, devem atender às especificidades do aluno no próprio contexto da sala de aula comum que é, de fato, o lócus de escolarização desses alunos, e não se restringirem ao espaço da SRM, como vem ocorrendo.

Na perspectiva de ultrapassar a separação entre Educação Especial e ensino comum e, por conseguinte, garantir que os alunos contemplados pela Educação Especial obtenham melhores resultados na sala de aula comum, as autoras propõem o ensino colaborativo. De acordo com Ferreira et al. (2007, p. 1), o ensino colaborativo

[...] consiste em uma parceria entre os professores de Educação Regular e os professores de Educação Especial, na qual um educador comum e um educador especial dividem a responsabilidade de planejar, instruir e avaliar os procedimentos de ensino a um grupo heterogêneo de estudantes.

Dito de outro modo, os professores das duas áreas – Educação Especial e comum – compartilham seus saberes e atuam juntos e colaborativamente na mesma sala de aula comum. Por sua vez, o “trabalho docente articulado”, proposto por Honnef (2015), diferencia-se do ensino colaborativo, pois associa essa proposta pedagógica e o AEE, de modo que os professores que atuam nesse serviço e aqueles da sala de aula comum trabalham a partir de uma perspectiva colaborativa, mas não necessariamente juntos durante todo o processo pedagógico, como esclarece essa autora:

O trabalho docente articulado surge como uma alternativa que concilie ações do ensino colaborativo e do AEE em escolas comuns. Ele não prima pela presença do professor de educação especial e do professor de classe comum no desenvolvimento da aula, como no ensino colaborativo. Mas o planejamento e a avaliação são realizados em conjunto entre professores de educação especial e ensino comum (HONNEF, 2015, p. 6).

A nosso ver, a proposição de um “trabalho docente articulado” (HONNEF, 2015), alicerçado na colaboração, indica a possibilidade de se estabelecer a chamada articulação entre a Educação Especial e o ensino comum, contribuindo para o rompimento com práticas docentes pautadas na adaptação individual e, por conseguinte, para a inclusão escolar dos alunos, sobretudo daqueles que são considerados público-alvo da Educação Especial.

2.1.2 A audiodescrição na perspectiva da tecnologia assistiva e a necessária formação docente

Imersos em uma sociedade marcada pela multiplicidade de imagens, frequentemente, os alunos com deficiência visual enfrentam impedimentos quanto ao acesso às informações que são transmitidas visualmente, uma vez que, ainda hoje, a escola tem pautado suas práticas em uma cultura visuocêntrica, que, segundo Vilaronga (2010), caracteriza-se pela centralidade do uso da visão em detrimento dos demais sentidos.

Considerando o eixo da acessibilidade comunicacional, conforme já dito, a audiodescrição vem sendo agenciada no contexto escolar como tecnologia assistiva, constituindo-se uma das principais vias de acesso às imagens, especialmente para os alunos com deficiência visual, cegos ou com baixa visão. Isso porque – no processo de tradução intersemiótica14 – conforme Alves (2013 p.

121), a palavra media “[...] a transformação de imagens visuais em imagens mentais”, o que possibilita a esses alunos posicionarem-se de forma “ativamente responsiva” (BAKHTIN, 2016), isto é, construírem sentidos sobre o enunciado,

14 Conforme Araújo (2017), a audiodescrição é considerada um tipo de Tradução Audiovisual,

portanto, está inserida nos Estudos da Tradução, constituindo-se uma modalidade de tradução, a intersemiótica. Isso porque se trata de uma tradução “[...] entre meios semióticos diferentes [...]” (ARAÚJO, 2017, p. 33), ou seja, uma tradução do visual para o verbal.

assegurando-lhes, por conseguinte, igualdade de condições em relação aos demais alunos que enxergam. Noutras palavras,

[...] a audiodescrição compreende um olhar e uma palavra alheia cuja expressividade se dirige, principalmente, para pessoas com deficiência visual, a fim de que estas possam atribuir sentidos a artefatos, cenas e eventos visíveis e imagéticos que, na ausência do discurso verbal, não seriam compreendidos (ALVES, 2012, p. 88).

Posto isso, realçamos que, neste estudo, tomamos como base o conceito de audiodescrição de Alves (2012), que se fundamenta na concepção de linguagem de Bakhtin e do seu círculo. Ademais, assumimos uma abordagem de uso da audiodescrição com enfoque multissensorial e colaborativo, tal como proposta por Alves (2012), que considera a necessária articulação da audiodescrição a outros meios perceptivos, devendo ela ser incorporada às práticas docentes envolvendo alunos com e sem deficiência visual, portanto, associada às “[...] práticas enunciativas recorrentes na sala de aula que considerem as múltiplas vozes e os múltiplos pontos de vista que elas portam favorecedores de um ambiente responsivo de ensino-aprendizagem” (ALVES, 2012, p. 97).

Tal abordagem é a mesma que Motta (2016) assume quando aponta a relevância de ativar outros sentidos, fazendo uso de recursos táteis, olfativos e gustativos, além da audiodescrição, que, segundo a autora, tem caráter mediador no âmbito escolar, ao destacar que é pelo olhar do outro, colegas e professores, que as imagens chegam aos alunos com deficiência visual, tenham eles memória visual ou não. Assim, propõe que o professor mobilize os alunos sem deficiência visual para a leitura da imagem, fazendo uso das denominadas “[...] perguntas como instrumentos de mediação semiótica para conduzir o olhar dos alunos e, ao mesmo tempo, informar aqueles que não fazem a leitura da imagem com os olhos, mas pelos ouvidos” (MOTTA, 2016, p. 43).

Nesse processo de descrição da imagem, estática ou dinâmica, a autora destaca que os alunos sem deficiência visual vão respondendo às perguntas que são elaboradas pelo professor, priorizando os “elementos orientadores da audiodescrição”, a saber, “o que” ou “quem”, “onde”, “como”, “quando” e “de onde”. A descrição da imagem é completada com a sistematização e organização das

informações imagéticas pelo professor, que pode ser entendida como uma síntese de tais informações.

Nessa direção, em lugar de restringir-se ao âmbito da SRM, ou mesmo ser abordada na sala de aula comum sob a ótica da adaptação individual, isto é, como um recurso específico para o aluno com deficiência visual, Alves (2012) e Motta (2016) preconizam que a audiodescrição deve ser agenciada com todos os alunos,