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CAPÍTULO 2 – MARCO TEÓRICO

2.5 ANUNCIADORES DO MODERNISMO: ARTE, CIÊNCIA E INDÚSTRIA

2.5.1 EXPOSIÇÃO DE INEDITISMOS PARA O MUNDO

As alterações da percepção e o crescente avanço da industrialização e do consumo no século XIX ocasionaram o surgimento de relações mais intensas com os objetos, sejam eles artesanais ou industriais. Na medida em que as tensões criadas a partir das expectativas crescentes em atender necessidades humanas transformaram- se em realidades, um caminho de reflexão e observação se fazia percorrer. As relações objetualizadas19 do fim do século e as formas produtivas iriam despertar a curiosidade do grande público a partir das exposições universais. Verdadeiros retratos da produção de objetos e tecnologia da época. Para Barbuy (1999) as exposições além de apresentarem um vasto campo da produção industrial das nações tinham sentido de educação para o consumo.

Entendemos as exposições como modelos de mundo materialmente construídos e visualmente apreensíveis. Trata-se de um veículo para instruir (ou industriar) as massas sobre novos padrões da sociedade industrial (um dever de ordem social) [...] Vê-se que são extremamente planejadas e que se constroem como verdadeiras materializações de uma visão de mundo que se quer, conscientemente, difundir (BARBUY,1999, p. 17).

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Segundo o autor alemão Bernd Löbach,(2001) com obras voltadas para a formação de designers, relações objetualizadas são as relações que se vive com os objetos. Relações diretas e indiretas os quais os campos da psicologia, sociologia e da teoria da informação permitem um estudo mais aprofundado (2001).

Á partir da metade do século XIX as exposições trariam o despertar e maravilhamento da massa por um painel da técnica e tecnologia oriundas de uma ciência racional a voltada para as necessidades do homem. Iluminados pelas ideias viam-se deslindar de início um panorama vasto de invenções carregadas de técnicas artesanais, desenhos com forte influência do passado.

Assim, Forty (2007) descrevia a produção inicial da revolução industrial em relação ao maquinismo “[...] a manufatura de vários produtos baseou-se, durante muito tempo na habilidade manual e força dos trabalhadores” (FORTY, 2007, p. 63) e Pevsner (2002, p. 31) refere-se que das as artes aplicadas da forma medieval para moderna teria acontecido no fim do século XVIII, a partir de 1760, quando se aceleram vários processos técnicos.

As posições de abertura ao comércio externo, na Inglaterra acabam por refletir em exposições desta produção industrial. Na primeira metade do século XIX são de cunho nacional, porém em 1851, Londres é a na primeira nação a sediar uma exposição universal, promovida pelo príncipe consorte Alberto e a colaboração de Henry Cole (1808-1882).

Segundo Cole, a arte e indústria deveriam aproximar-se, melhorar o plano de organização e os artistas canalizarem suas obras no nascimento de uma nova relação entre criador e objeto criado. Desta forma se iniciava um relacionamento novo no meio industrial e, “o sucesso do capitalismo sempre dependeu da sua capacidade de inovar e vender novos produtos”. (FORTY, 2007, p. 20).

Não obstante o modo como a novidade se apresentava na indústria recém- constituída, dada a dimensão das produções em massa e o agravamento nas condições de trabalho e redução dos conhecimentos tácitos heranças de famílias até então produtoras, se estabeleceria uma relação que promoveu o surgimento do

industrial design.

Os fabricantes perceberam que para vender haveria a necessidade de aceitação tecnológica do produto pela sociedade. No século XVIII, os fabricantes confiavam mais nos modelos arcaicos e resistiam às inovações na forma de seus produtos. Entretanto a produção industrial voltada para o capitalismo deveria inovar para vender.

O desenhista industrial ou o profissional destinado à modelagem formal do produto surgia com a necessidade em satisfazer as necessidades na forma de produto frente um público consumidor. Para Löbach (2001) “o design é o emprego econômico de meios estéticos no desenvolvimento de produtos, de modo que estes atraiam a atenção dos possíveis compradores.” (p.12). O desenho ou a forma dos produtos industriais deveria atender a finalidade da venda através da satisfação estética e utilitária.

O olhar e a percepção na experiência visual ganham valor e atenção por parte do sistema industrial. As vivências visuais humanas sofrem as influências do meio de do tempo em que está inserido segundo Arnheim (1980)20.

Toda experiência visual é inserida num contexto de espaço e tempo. Da mesma maneira que a aparência dos objetos sofre influência dos objetos vizinhos no espaço, assim também recebe influência do que viu antes (ARNHEIM,1980, p. 41).

Segundo Benévolo (1976), em 1850, Cole consegue junto do príncipe Alberto, organizar a primeira exposição universal em que torna de fundamental importância sua participação, desde a escolha do terreno, projetos e a disposição dos produtos expostos. A oportunidade de traçar um panorama da produção industrial dos objetos propostos e as artes aplicadas no oriente e ocidente permitiu que a diversidade de formas e técnicas se revelasse em desordem material.

O liberalismo dominava tanto na filosofia quanto na indústria, e implicava a completa liberdade do fabricante para produzir todo gênero de objetos de mau gosto e de má qualidade desde que conseguisse vendê-los. E isto era fácil, pois o consumidor não tinha tradição, nem educação, nem tempo livre, e era tal como o produtor, uma vítima deste círculo vicioso (PEVSNER, 2002, p. 33).

Na medida em que o século XIX avançava podia-se observar a crença no progresso ilimitado em uma visão na qual o futuro era garantido pela excelência provinda da tecnologia. No mundo material, a expectativa de um triunfalismo do

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Rudolf Arnheim (1904-2007) foi pesquisador do departamento da Universidade de Harvard na Inglaterra, no departamento de Estudos Visuais e Ambientais, escreveu varias obras do campo da percepção. Acreditava que “toda percepção é também pensamento, todo processo de raciocínio é também intuitivo, toda observação é também, intuição”. Seus temas tratam de assuntos da psicologia moderna ao estudo da arte como o processo visual que se desenvolve quando as pessoas criam ou observam obras nos diferentes campos da arte (2008).

progresso face o domínio do homem sobre a natureza fazia acreditar que “[...] o homem médio considerasse algo fantástico o crescimento infinito do poder humano sobre a natureza, ao mesmo tempo em que sua mente penetrava os segredos desta” (BURY, apud PESAVENTO,1997, p. 46).

Para a exposição em Londres (1851), um concurso foi realizado para definir a construção do pavilhão. Segundo Benévolo (1976) foram 245 competidores, sendo 25 franceses, porém as soluções, inclusive do projeto vencedor do concurso, foram consideradas inexequíveis no critério de desmontagem e reutilização do pavilhão. Joseph Paxton (1803-1865) conhecido construtor de estufas após análises do comitê organizador obteve a permissão para a construção do palácio que ficou conhecido mundialmente por “Palácio de Cristal”. Para Benévolo (1976) as características técnicas da construção foram argumentos convincentes para a viabilidade da obra. A pré- fabricação, rapidez na montagem e a possibilidade de recuperação integral foi possível devido sua experiência nas estufas (BENEVOLO, 1976).

Uma estrutura de ferro e vedação em vidro, fruto de uma experiência prática profissional, reconhecida em vários países, com 550 metros de comprimento estende- se com 21,5 metros de largura e com estrutura da cobertura em treliças metálicas cobertas por vidro. Estas soluções técnicas fundamentadas nos estudos dos materiais posteriormente utilizadas como soluções nos edifícios industriais. Criticado pelo apelo ornamental da estrutura, expôs de forma inédita o sistema construtivo aplicado na dimensão do evento.

As Exposições Universais que sucederam a Londres 1851, Filadélfia 1876, Paris 1889, Chicago 1893, e em especial a de Paris 1900, apresentaram a ideia de olimpíada dos avanços industriais. O sublime, como a obra da Torre Eiffel e os sistemas técnicos apresentados na forma de exposição no caso da Galerie des Machines, os objetos expostos, além de criticarem problemas nacionais apresentavam a força bélica e davam o sentido de poder constituído. O Brasil participou das exposições universais desde 1862.

Ao recuperar as questões históricas na produção técnica das peças artesanais percebe-se que a mecanização proposta pela Revolução Industrial enfraqueceu a perpetuação do conhecimento das técnicas. Os conhecimentos tácitos não são

suficientes para a simples melhoria formal do produto manufaturado. Vale destacar que o contato com as técnicas e as formas oriundas do imaginário da arquitetura, na concepção dos objetos, pode contribuir para a reflexão formal e consequente melhoria do desenho do produto final.

Assim Foot Hardman (2005) observa que o período histórico delimitado compreende o regime do Segundo Império de Napoleão III, em que o luxo traduz o status e promove as fantasmagorias dos produtos expostos na época, desde o “mobiliário rebuscado, objetos esdrúxulos até o design do detalhe” (FOOT HARDMAN, 2005, p. 73). O rebuscamento formal sobrepunha à modernidade das técnicas e da tecnologia. Havia uma manobra a favor do rebuscamento formal em detrimento das posições acadêmicas tradicionais. Até a metade do século XIX os objetos de uso21 tinham sua fabricação artesanal.

Se de um lado os produtos tinham funções específicas relativas à função que exerciam e assim denominadas de objetos funcionais, de outro a função prática não passava de simbólica e refletia status social do cliente, pois atendiam as expectativas e particularidades desejadas. A esta produção aplicava-se o conceito de exclusividade em que o artesão com liberdade de criação para sua atuação revelava o seu imaginário na construção e manipulação da peça artesanal. Contudo a baixa produtividade refletia- se no alto preço. Muito além deste fator, atribuir valor agregado ao trabalho artesanal estabelecia níveis de excelência ao produto. Na arte da manufatura, “o acabamento bem feito, a uniformidade da forma bem como o equilíbrio correto” distinguiu o produto europeu das nações orientais. (FORTY, 2007, p.62).

Os argumentos discutidos por reformadores do design no século XIX partiam da premissa de que as máquinas haviam mudado a prática do design ao separar a responsabilidade pela aparência do objeto da tarefa de fabricação. Forty (2007, p. 63) destaca que Henry Cole, em 1851 em Londres, soube “exibir os produtos feitos à máquina ao lado dos artigos feitos à mão da Índia e do Oriente”. Com esta proposta aguçou-se a visão crítica de cada visitante. Importante ressaltar que nesta época era

21 Segundo o pesquisador Alemão Bernd Löbach (2001) os chamados “objetos de uso” seriam ideias

materializadas com a finalidade de eliminar as tensões provocadas pelas necessidades. A eliminação das tensões ocorre quando o usuário desfruta das funções do objeto.

pequeno o grau de mecanização das indústrias e o trabalho manual perdurou ainda por décadas.

As Exposições Universais além do caráter didático e doutrinário para o consumo permitiram desenvolver uma estratégia conjunta, composta de pluralidade de habilidades no campo das representações. Além dos produtos outros meios de representação auxiliavam a organização dos eventos. Segundo Barbuy (1999) documentos oficiais, plantas, crônicas e abundante iconografia, cartões postais, cartazes enfim um campo de atuação para artistas e jornalistas. Alguns obtinham destaque pela escrita, por exemplo, “escritores como é o caso de Louis Figuier e G. Lenôtre ou do gravurista Bellenger” (p. 27). A técnica da gravura, devido seu poder de repetição predominava nas representações de apoio às exposições, a técnica da fotografia recém-descoberta ainda precisaria melhorias para a reprodução em grande escala. A litografia 22 se destacava nos cartazes e postais (BARBUY, 1999).

Enfim as exposições acabaram tendo caráter de “representação de representação” segundo Barbuy (1999) o olhar aliado à percepção sinestésica23

compõem o aparelho didático das exposições.

[...] ver reduzido, ver ampliado, ver a imaginação realizada. O ver que desencadeia uma sinestesia. O ver científico; o ver imaginativo, ou os dois associados, como na Exposição retrospectiva do trabalho [...] a Exposição produzia um inexistente invisível, que, mais do que representação de realidades, ou ilusões no sentido de inverdades, significava projetar, provar e experimentar diferentes possibilidades de mundo a partir da dominação da matéria e do controle tecnológico da natureza (BARBUY, 1999, p. 131).

No que se refere à construção deste texto, é importante observar que predomina a preocupação com a forma das peças e é relevante colocar este assunto na visão histórica para se compreender o problema de pesquisa. Assim, em função das restrições teóricas, as quais se valem de recursos que melhor expressem os propósitos

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A técnica da litografia foi inventada na Alemanha, em Munique em 1796, por Alois Senefelder. O processo inicialmente consistia em desenhar com um giz gorduroso sobre o calcário poroso, após umedecido era possível , com tinta de impressão obter reproduções. O processo foi aperfeiçoado e os artistas descobriram a técnica, tendo se destacado Géricault,Goya e Delacroix (GOMBRICH, 1999).

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O pesquisador Rudolf Arnheim, (2008) descreve que qualquer movimento feito pelos olhos, pela cabeça ou pelo corpo é transmitido para o centro sensorial motor do cérebro, e, de fato o mero impulso para se mover é um acontecimento cerebral. O feedback a partir destes processos motores influencia a percepção visual (2008).

deste texto, aplicaram-se os mecanismos para incorporar inovações, respeitando os sistemas de crenças e valores dos artesãos, de modo a aumentar seus espaços profissionais de atuação.

As melhorias formais em peças artesanais podem ser compreendidas a partir de um olhar histórico, seja por meio da transmissão de técnicas, idéias de abstração, ou por observação das artes e técnicas de desenho, escultura e pintura relevante. Outro modo de incorporar estas melhorias pode ser através da cópia baseada em descobertas arqueológicas. Neste processo podem entrar os conceitos de harmonia, equilíbrio, retomada de experiências, os estilos de arquitetura, os sistemas construtivos, e a formação artística. Não se perdeu de vista a importância do mestre enquanto instrutor.

Não se descaracterizaram os registros escritos das experiências como aqueles presentes em manuais de aprendizagem, na leitura do desenho técnico e da perspectiva. Ao longo do curso, foram sendo introduzidas noções de ciência na arte, os jogos entre a tradição e a empiria, as relações de consumo, o lúdico, o fetiche e a magia, as luzes da cidade, e a exposição de ineditismos, relações entre melhoria de forma e mercado consumidor.