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Socioeducativos

Os grupos socioeducativos ganham destaque atualmente na Política de Assistência Social que preconiza atividades grupais com as famílias referenciadas pelos CRAS através do PAIF. Fatalmente, os grupos são planejados e conduzidos por assistentes sociais em parceria com psicólogos e com estagiários de ambas as áreas. Todavia, o assistente social busca referencias em outras disciplinas para a condução dos grupos socioeducativos, mesmo com a profissão possuindo uma história marcada por este tipo de intervenção.

O Serviço Social tem um histórico de trabalho com grupos e as primeiras sistematizações apontam a metodologia ainda pautada no ―Diagnóstico Social‖ que, mesmo em grupo, caracterizava-se pelo olhar individual, na perspectiva dareforma moral e reintegração social do indivíduo.

“Natálio Kisnerman (1977), analisando a fase inicial do Serviço Social de Grupo, refere-se várias vezes à “tendência” individualista com que era utilizado o Serviço Social de Grupo e diz [que] nesta fase o

método centra-se no indivíduo e não no grupo como um todo”. (CAVALCANTE, 1979:61)

É realizado, neste período, um diagnóstico preliminar do ―cliente‖ na fase em que antecede a sua inserção no grupo. Após análise deste diagnóstico, o ―cliente‖ é encaminhado para um grupo de tratamento. O tratamento consiste no alcance pelo ―cliente‖ de metas estabelecidas pelo assistente social, com base em seu diagnóstico.

“Afirma que de acordo com a natureza do diagnóstico, o assistente social ao trabalhar com um grupo deve escolher um tratamento. Este requer um planejamento que implica na adoção de um certo tipo de grupo, seja este recreativo, de aprendizagem, de trabalho terapêutico, ou outro. Conseqüentemente adota uma estrutura para a ação: autocrática, paternalista, permissiva, participativa. Selecionará; técnicas de condução, de motivação, de entrevista, bem como a forma de determinação do momento oportuno para ataque do problema, tipo de ajuda que a instituição pode facilitar, etc.”

(RODRIGUES, 1979:18)

No entanto, esta forma interventiva com grupos passa a ser questionada pela profissão por considerá-la restritiva e isolada da realidade social. Abriu-se assim, espaço para concepções de grupo partindo de uma visão desenvolvimentista, onde o assistente social se distancia do aspecto terapêutico, assumindo o Desenvolvimento de Comunidade em sua atuação com grupos, como aponta Rodrigues:

“Falar em grupo de tratamento significa limitar e empobrecer a intervenção psico-social do Serviço Social, ou ainda, produzir uma teoria alienada da realidade concreta de atuação dos profissionais. Significa sonegar o Serviço Social toda uma área de atuação desenvolvimentista, que lhe é fundamental, isto é, atingir uma clientela já integrada para sua maior expansão e participação na construção da sociedade.” (RODRIGUES, 1979: 23)

O apelo posto pelos grupos no âmbito do Desenvolvimento de Comunidade – DC era o da participação. O ―cliente‖ era chamado à participação através dos grupos para assim construir compromisso e engajamento nas questões que atinge sua comunidade, buscando soluções.

“Em geral, para o desenvolvimento da participação, utiliza-se de sessões grupais contínuas, mas espaçadas. Não existe um tempo fixo de duração. O grupo se mantém junto enquanto perdura a necessidade de participação naquele programa ou atividade. Se extingue na medida em que o programa não exige mais a participação ou os membros do grupo amadurecem e desejam outros níveis de participação.” (RODRIGUES, 1979:33)

Neste momento, as técnicas de intervenções nos grupos não são claramente sistematizadas e explicitadas. Reforça-se a importância de atuação nas comunidades e os grupos ganham flexibilidade na sua formação, tempo e sistemática de encontros. O fundamental objetivo a ser perseguido pelo assistente social, bem como pelos membros do grupo é a participação.

Na década de 80, já há apontamentos sobre a crise de DC, devido a uma influência da educação popular.

“(...) nessa situação de crise de DC, parece estar emergindo uma tendência de apropriação de DC por Educação Popular, desde que ambos os processos fundamentam-se numa pedagogia centrada na participação de grupos, estratos sociais e comunidades, e visam contribuir à transformação da realidade social. (GONÇALVES, 1981:58)

Na educação popular, porém, os grupos se misturam as outras formas de atuação junto às classes subalternas, como a educação para adultos, e, são aglutinados aos movimentos sociais. Distancia-se cada vez mais de procedimentos teórico-metodológicos uma vez que estes, são considerados “destinados a preestabelecer ou induzir de cima para baixo os modos de atuar da população”

(GONÇALVES, 1981:66).

Aos poucos, a discussão teórico-metodológica sobre grupos vai se distanciando da atuação dos assistentes sociais e das universidades. A discussão é completamente esvaziada das universidades com o último currículo disciplinar do curso de Serviço Social.

“Na história do Serviço Social tinha sim um trabalho socioeducativo mas dentro de caixinhas, grupo, comunidade, assim. Não tinha o socioeducativo de grupo que nós temos hoje. Entretanto, na faculdade, nós estudamos os textos sobre grupo e trabalho com comunidade da década de 60, não tem nada atual. E buscamos fazer

uma leitura destes textos com o olhar de hoje, uma leitura crítica.” (participante Grupo Focal)

Este ―buraco‖ teórico-metodológico foi sendo preenchido pelos profissionais com ações pautadas em outras disciplinas, muitas vezes de caráter terapêutico e ahistórico, desconsiderando bases teóricas substanciais e coerentes com o projeto ético-politico profissional. O Movimento de Reconceituação do Serviço Social questionou as ações profissionais de ordem conservadora e tradicional ligadas a manutenção da ordem vigente. Com a crítica, as ações grupais se esvaziaram, engrossando os movimentos sociais das décadas de 70/80 e a profissão se distanciou de criar novas tecnologias, pautadas numa perspectiva emancipatória de intervenção coletiva, grupal.

O grupo focal ―esquenta‖ a discussão deste aspecto da profissão, no diálogo a seguir:

O Movimento de Reconceituação jogou a água da bacia com o bebê dentro, foi tudo embora, tinha coisas interessantes que você acabou perdendo. Então, a gente tem que pegar textos lá de trás e fazer uma releitura. Entender os instrumentos e em que perspectiva eles foram construídos para adequar hoje. A Yolanda Guerra diz que tudo que está ao nosso redor é instrumento, mas qual a nossa intencionalidade? Como é que eu intenciono o instrumento para que ele cumpra o fim que eu pré-estabeleci? Porque a gente não pode re- intencionalizar alguns instrumentos que são importantes para a nossa atuação? Porque a gente teve que jogar tudo fora? Muita coisa é o que a gente está fazendo hoje aqui. Não tem problema que foi a Mary Richmond que criou, um exemplo, só que eu estou utilizando com outra intencionalidade. “

Discordo. Tem coisas que não dá para a gente utilizar hoje. Essa coisa do diagnóstico, do tratamento, não dá. É muito funcionalista.” Tem coisas que são funcionalistas sim, mas, que a gente tem que usar. Às vezes é necessário fazer um diagnóstico, para implantar um projeto, entender um território, avaliar. E isso é funcionalista. Mas, nem tudo que é funcionalista é ruim.”

Discordo. Porque aí você coloca a questão social no saco e começa a individualizar tudo.”

Mas, e o SUAS, não foi construído com bases no SUS? Quer modelo mais funcionalista que este?”

OK! Uma coisa é fazer um diagnóstico de uma região, um projeto, outra coisa é pegar um indivíduo e fazer um diagnóstico dele para adequá-lo”.

Mas, eu não tô falando disso!!” Eu também não!!”

Agora eu não acho que só porque é funcionalista a gente tem que mudar as palavras, não é mais diagnóstico, é relatório agora.”

Mas, a Mary Richmond traz a questão do diagnóstico e tratamento no atendimento individual. Tem um viés terapêutico.”

Não é disso que eu estou falando. Eu estou falando de intencionar os instrumentos que você usa.”

Mas, este diagnóstico na Mary Richmond não tem nem como eu intencionar...”

Nem fiz esta defesa!”

Esquece a Mary, mas um projeto por exemplo é funcional. Você faz um diagnóstico, fala dos seus recursos, já prevê as suas metas. E a gente faz isso. A instituição é funcionalista, o departamento de Assistência é funcionalista e ponto final. E como nós, que somos dialéticos, agimos aqui? Esta é a contradição, como é a sua função educativa dentro de uma instituição fatalmente funcionalista? Esta é a grande contradição!”

Observa-se o quanto a discussão foi calorosa e embebida da polêmica ainda não resolvida no meio profissional. Os profissionais se perdem na busca de responder as questões profissionais cotidianas. Ou seja, em sua rotina, o assistente social, faz grupos socioeducativos, visitas domiciliares, relatórios, projetos, diagnóstico institucional, entre outras tarefas. E qual é o alicerce teórico destas atividades? Como isso se encaminha no meio profissional?

Fatalmente há um distanciamento da teoria à prática cotidiana, principalmente quando os profissionais insistem em intencionalizar algo profundamente tradicional como o ―Diagnóstico Social‖. Na verdade, a profissão tem se esquecido ao longo destes últimos anos de sistematizar o cotidiano e produzir

conhecimento acerca dos instrumentos e técnicas utilizados pelos assistentes sociais à luz de uma teoria crítica.

Encontrar um referencial teórico que tratasse do grupo em consonância com o referencial teórico trabalhado nesta pesquisa não foi tarefa simples visto que grande parte dos autores que discorrem sobre grupo o trata de forma terapêutica e ahistórica. Matín-Baró, psicólogo social de El Salvador, usou referenciais marxistas para escrever sobre grupos, explicitando a sua experiência de luta política junto à população mais pobre de seu país. Martins (2006) faz uma síntese do pensamento de Baró, para ele grupo é:

“uma estrutura de vínculos e relações entre pessoas que canaliza em cada circunstância suas necessidades individuais e/ou interesses coletivos. Ressalta ainda que um grupo é uma estrutura social: uma realidade total, um conjunto que não pode ser reduzido à soma de seus membros. A totalidade do grupo supõe alguns vínculos entre os indivíduos, uma relação de interdependência que é a que estabelece o caráter de estrutura e faz das pessoas membros. Assim, segundo o autor, um grupo constitui um canal de necessidades e interesses em uma situação e circunstância específica, afirmando com isso o caráter concreto, histórico de cada grupo.” (MARTINS, 2006:03)

Para que haja grupo é necessária a construção do vínculo entre as pessoas que se agrupam. As pessoas são atraídas para um grupo por interesses individuais ou coletivos ou a soma destes dois. O grupo deve ser enxergado em sua totalidade: a expressão subjetiva dos membros e a sua estrutura social que, está diretamente relacionada à estrutura maior de nossa sociedade. Possuí dimensão histórica, que é a concretude do grupo que se constituí no território ao qual pertence, além de uma dimensão ideológica objetiva, criada por uma realidade social e que tem peso na organização da vida das pessoas.

“Un grupo es, en primer lugar, una estructura social. El grupo es uma realidad total, un conjunto que no puede ser reducido a la suma de sus constitutivos. Una família és más que un hombre, una mujer y um niño; um batallón es más que un centenar de hombres armados; esse más viene dado em ambos casos por los conjuntos que formam, las totalidades que contituyen. La totalidade del grupo supone unos vínculos entre los individuos , uma relación de interdependência que es la que estabelece el carácter de estrutura y hace de las personas miembros. Se habla de uma estructura social primeiro porque, como ya se ha indicado, condición essencial para la

existencia de um grupo és la participacion de vários individuos ; pero el carácter social de la estructura grupal radica precisamente em que surge como produto de la referencia mutua y necessitante de sus miembros y/o de sus acciones.” (Martín-Baró, 1999:206)

O grupo constitui-se como uma manifestação da realidade total na qual está inserido. No grupo as manifestações da questão social que atingem seus membros emergem em suas múltiplas expressões. É entendido também como um espaço eminentemente contraditório e sofre as determinações econômicas, institucionais e ideológicas da sociedade qual está inserido. Ao mesmo tempo, observando o poder que o grupo dispõe diante de outros grupos sociais, ele pode construir estratégias de resistência a estes determinantes sociais, numa ação contra-hegemônica.

“Esta concepción del grupo nos lleva a examinar los fenómenos grupales al interir de la historia de una forma dialéctica. De ahí que los principales parâmetros para el análisis de un sean tres: (1) la identidad del grupo, es decir, la definiciín de lo que es y lê caracteriza como tal frente a outros grupos; (2) el poder que se dispone el grupo em sus relaciones com los demás grupos más la significacion social de lo que produce esa actividad grupal.” (Martín-Baró, 1999: 208)

Identidade, poder e atividade grupal são os três aspectos apontados por Martín-Baró para a análise de grupos. São aspectos imbricados entre si na relação concreta dos grupos e que podem identificar o tipo de grupo constituído (primários, funcionais ou estruturais22).

Esta concepção de grupo, por suas bases teóricas, está em consonância com o movimento de construção de uma pedagogia emancipatória e mais do que isto, em consonância com o projeto político profissional.

Vale relevar que o trabalho com grupos é eminentemente indisciplinar, entretanto, para se construir a interdisciplinaridade é fundamental que o profissional assistente social tenha domínio e competência em sua disciplina de atuação.

“A interdisciplinaridade é construída através de discussão e diálogo entre as disciplinas que compõem o trabalho. É necessário observar as

22 Resumidamente, para Martín-Baró o grupo primário refere-se ao pequeno grupo onde os vínculos existentes

são interpessoais, dotado basicamente de características pessoais e existem para a satisfação das necessidades básicas. Por grupos funcionais entende-se um grupo que têm um vínculo social, seu poder é ainda relativamente pequeno, mas atua na capacitação e na satisfação das necessidades do coletivo. E por grupo estruturais, entende- se uma identidade grupal marcada pelos interesses objetivos da comunidade total, qual pertence, possuí maior poder e atuam na satisfação dos interesses de uma determinada classe social, na luta de classe.

diferenças e as semelhanças que estes olhares encontram no decorrer do processo, observar a visão de homem e de mundo de cada disciplina e não homogeneizá-las, mas considerar as diferenças, convivendo com estas e abrindo possibilidades para o novo. Neste aspecto torna-se fundamental o profissional ser competente em sua especificidade para poder explicitá-la e compartilhá-la com o grupo interdisciplinar de trabalho, fomentando uma discussão.” (DOMINGUES, 2004:67)

E neste ponto é frágil a atuação dos assistentes sociais, pois pouco discutem, sistematizam e refletem sobre suas técnicas de intervenção e sua instrumentalidade, não construindo propostas para o diálogo com outras disciplinas.

Entretanto, os profissionais participantes do grupo focal reconhecem a importância do trabalho do assistente social com grupos, revelado neste diálogo:

Grupo é troca, é fortalecimento, é convivência. Grupo é a possibilidade de transformação.”

A coisa mais bonita que eu aprendi com grupo é como de fato você aprende com o outro! Eu acho isso a coisa mais bonita!”

Grupo encontra caminho, tem autoria própria, como o grupo se defende. Como grupo é forte, é forte mesmo! “

O Grupo se auto-fortalece, ele se reconhece. Um grupo é um grupo, não é um amontoado de pessoas.”

Os profissionais revelam em sua fala que o grupo, apesar de ser inserido numa cultura dominante, preenche o trabalho cotidiano do assistente social de esperança, de aprendizado, de construção coletiva, potencializando o assistente social como um facilitador, distanciando-o do papel de detentor do poder, tornando mais leve o exercício profissional.

Todavia, cabe destacar que, de acordo com o referencial teórico preconizado, grupo não é um amontoado de pessoas. Neste sentido, a PNAS atualmente preconiza atividades grupais e não necessariamente a formação de grupos. As atividades grupais têm um caráter pontual, ou seja, algumas pessoas se reúnem para a execução de determinada tarefa: uma oficina profissionalizante, uma palestra ou assistir um vídeo. Não se pode considerar tais ações como a formação de grupos socioeducativo, pois não há constância, convivência e vínculo entre os membros dos grupos.

Os grupos socioeducativos eles só existem a partir do momento que há a convivência, um período de convivência, criação de vínculos, etc. As demais atividades grupais são ações grupais, mas não são grupos socioeducativos. Saber disso em formação foi um alento para a gente, pois estávamos sofrendo muitas pressões para montar os grupos socioeducativos. E não é assim gente! Não dá para colocar tudo no mesmo balaio!.”

A oficina não é um grupo socioeducativo, ela pode estar dentro de um grupo socioeducativo, mas não é o grupo em si.”

O CRAS em que estou só tem ações pontuais. Não tem a convivência, então não tem grupo socioeducativo, não cria objetivos comuns.”

Santo André lida com a questão dos grupos com bastante lucidez, diferentemente do que se observa em outros municípios. Este talvez seja um dos resultados do processo de capacitação qual o município vem investindo.

Há uma pressão por parte dos gestores das diferentes esferas por atividades grupais ou a formação de grupos. Apesar das atividades grupais de caráter pontual terem importância como possibilidade de melhoria da qualidade de vida das famílias, de fato, resultados substanciais só ocorrerão a partir da formação de grupos nos territórios e que estes grupos não fiquem limitados ao tempo estabelecido pelos programas assistenciais, mas possam criar vida própria.

“O CRAS em que eu atuo não conseguiu ainda organizar grupos socioeducativos, iniciar o atendimento grupal. E eu falo isso com muito pesar, muito pesar mesmo, porque o atendimento individual ele pesa na prática, ele cansa.” (participante Grupo Focal)

Neste sentido, o investimento público deve focar na formação de grupos socioeducativos e não apenas na execução de atividades grupais, o que implica inclusive em garantir equipe profissional suficiente para atendimento de tal demanda. Impõe inverter a ótica de resultado para a ótica da construção coletiva mediada por processos.

Cabe ainda, ao assistente social apreender este espaço como privilegiado para a construção de uma pedagogia emancipatória e desenvolver teórico- metodológico e ético-político novos, conhecimentos para fomentar a discussão da categoria profissional.