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Expressões da Função Educativa/Pedagógica nos Programas de

A Garantia de Renda Mínima para famílias em situação de extrema pobreza é idéia defendida desde o inicio do século XX. No Brasil, quem inseriu a discussão no senado foi o Senador Eduardo Suplicy. O primeiro projeto de lei foi aprovado em 1991 que preconizava um projeto de Garantia de Renda Mínima para pessoas e famílias com renda mensal inferior a aproximadamente R$ 400,00 (valores da época). Este projeto não chegou a ser implementado, entretanto, outras ações de transferência de renda monetária de nível municipal e estadualforam pouco a pouco tomando o cenário nacional.

No Brasil, as ações pioneiras foram dos municípios de Campinas, Ribeirão Preto e Santos e do Programa Bolsa Escola no Distrito Federal 1995, programas estes que já preconizavam a transferência monetária diretamente às famílias juntamente com a articulação de políticas educacionais.

Os Programas de Transferência de Renda constituem-se em ferramentas importantes “para a diminuição da indigência, da pobreza e da desigualdade no país, conforme vem indicando estudos recentes em relação aos quais dois aspectos precisam ser considerados. Um primeiro seria o significado real, mesmo de caráter imediato, que esses programas representam para as famílias beneficiárias, ao permitir a aquisição ou ampliação de uma renda, inexistente ou insignificante, proveniente do trabalho, até porque o mercado de trabalho, no Brasil, é por demais excludente, não permitindo o acesso de grande parte da população. Nesse sentido, esses programas, para muitas famílias, são a única possibilidade de uma renda, mesmo que muito baixa. Por outro lado, esses programas podem propiciar condições progressivas, mesmo que, a longo prazo, de inclusão de futuras gerações formadas pelas crianças e adolescentes das famílias beneficiárias que são requisitadas a freqüentar escola, postos de saúde, sair da rua ou do trabalho penoso e degradante, podendo, portanto, elevar o número de anos de escolaridade do futuro trabalhador brasileiro.” (Silva, 2008)

Em 2003 os PTR foram unificados pelo programa Bolsa Família e atualmente fazem parte da política de assistência social, sendo suas ações descentralizadas e as famílias referenciadas pelos Serviços de Proteção Social, principalmente nos CRAS.

Nos municípios da Grande São Paulo, grande parte das famílias acompanhadas pelo PAIF são beneficiárias do programa Bolsa Família através de grupos socioeducativos. Além disso, é na esfera do município que a gestão do programa acontece no que tange a administração e organização dos cadastros, a disseminação de informações a respeito dos critérios de elegibilidade e o acompanhamento da contrapartida social.

O Programa Bolsa Família possui significativo papel atualmente no Brasil e segundo pesquisa recente, em 2006 o programa atendeu 11.120.363 famílias o que corresponde a 99,2%19 de atendimento das famílias pobres do país e cobrindo 99,93% dos municípios brasileiros20.

Apesar de ainda apontar polêmicas, como um valor de repasse baixo, os critérios de elegibilidade e as condicionalidades sociais, o Bolsa Família sem dúvida dinamizou a realidade dos territórios brasileiros.

Desta forma, tanto o Bolsa Família como outros PTR de esfera estadual e municipal são espaços de ação do assistente social, seja nas secretarias de governo, seja nos CRAS o que envolve inevitavelmente uma ação educativa/ pedagógica.

Seja a forma de conduzir um cadastro, de orientar as famílias quanto os critérios de elegibilidade do programa e das condicionalidades, seja na condução de atividades grupais, evidencia a ação educativa/pedagógica do assistente social e a qual pedagogia esta está vinculado.

O primeiro fator a ser considerado revela que de forma macro estes programas podem estar vinculados a uma perspectiva emancipatória buscando a superação da pobreza e o rompimento de seu ciclo vicioso para futuras gerações através de condicionalidades que priorizam a permanência de crianças na escola, ao invés de estarem submetidas a trabalhos degradantes. Todavia, é necessário não

19 Segundo dados da PNAD 2001/IBGE

20 Dados preliminares da pesquisa realizada pelo Grupo de Avaliação e Estudo da Pobreza e de Políticas

perder de vista a cultura do conformismo que gradativamente vai se instalando e que aponta uma perspectiva de manutenção das famílias e indivíduos ao seu estado de pobreza, garantindo-lhes o mínimo para a subsistência, possuindo caráter compensatório e de alivio imediato, sem uma perspectiva de superação.

Este universo deve ser analisado criticamente, observando as reais condições que dispõem as famílias para o cumprimento das condicionalidades sociais, como a disponibilidade de uma política educacional efetiva e real atenção do Sistema Único de Saúde para as necessidades desta população.

Outro ponto crítico e que está diretamente relacionado aos assistentes sociais é a seletividade das famílias para os referidos programas. O grupo focal trouxe considerações sobre este ponto:

“Em todos estes anos de formada, eu passei por muitas crises. Porque a gente tem aquela fase de negar o imediato, de negar o concreto, a ajuda material, mas é necessário. Nossa, profissão, nosso papel também estão relacionado a isso, à sobrevivência, ao imediato. Mas, nem por isso você vai ficar só nele. E esta função educativa é processual, é construção e desconstrução. Junto às famílias que a gente atende, algumas questões estão muito cristalizadas. Então as pessoas chegam até a gente com idéias que só com o tempo, só com a convivência você pode ir quebrando, algumas questões culturais. Querendo ou não, a gente lida com critérios socioeconômicos, o nosso atendimento também é baseado nisso. Então, você pega uma família que saiu do Bolsa Família por conta da per capta ser superior e você tem que trabalhar com uma série de coisas, inclusive com você mesma, para você poder colocar para aquela pessoa o porquê ela foi excluída do programa. É sempre um conflito porque na verdade quando você vai explicar a situação, como é que você diz que tem gente mais desgraçada do que ela? Falando o português claro. R$ 121,0021já está fora!” (participante Grupo Focal)

Este papel profissional de selecionar a pobreza faz parte da história do Serviço Social. E se em tempos de outrora ele era um aspecto que garantia poder ao profissional perante o usuário, hoje ele é motivo de constrangimento profissional. Quando a assistente social aponta que nestas situações ela tem que trabalhar inclusive com ela mesma, significa que esta ação pesa profissionalmente porque

vem na contramão do que a categoria prega para si, sendo muitas vezes uma ação de exclusão, de negação de acesso que, numa contextualização mais ampla é premente, uma vez que muitas famílias ainda se encontram em situação de pobreza mesmo com uma per capita um pouco acima do que o preconizado pelo programa. Até porque o valor ofertado pelo Programa, em si analisando como uma categoria isolada, não é capaz de configurar o enfrentamento da situação real vivida pela família.

“A gente nem acredita nisso, mas tem que fazer. Você tem trabalhar com a pessoa e com você. Você tem que trabalhar outras questões com ela, a questão dos direitos... aí ela diz: „dona eu tô precisando, eu preciso‟ . E você tem que trabalhar todas estas questões com ela. Então, eu acredito que o nosso papel é educativo, mas é junto com a pessoa, é junto com quem você atende. E é muito difícil você quebrar esta questão cultural que nossa profissão tem até hoje.” (participante Grupo Focal)

Aqui a profissional expressa a real importância de reconhecer o usuário também como sujeito. Se por um lado ele é objeto de um sistema que depende de uma massa miserável para sua persistência, por outro, o usuário é sujeito da ação e possui um arsenal de ―meios de sobrevivência‖ que construiu ao longo de sua trajetória. Não que se negue a ótica do direito e a perspectiva de uma redistribuição de renda de fato. Entretanto, qualquer ação educativa/pedagógica, principalmente configurada dentro do movimento de construção de uma pedagogia emancipatória, deve desenvolver-se junto com o usuário, reconhecido como sujeito e, somando esforços a outros movimentos da sociedade para uma luta cada vez mais coletiva.

“Esta perspectiva interventiva coloca para os assistentes sociais novas e desafiadoras demandas, sobretudo configurando-se que, em relação aos referidos programas de renda mínima articulados à educação, o avanço do processo de construção da prática profissional – numa perspectiva emancipatória – defronta-se com o velho e agora revigorado fantasma da seletividade/elegibilidade. O desafio que se coloca para os assistentes sociais é o de fortalecer via prática político-profissional, processos concretos de luta, de articulação de forças, no sentido de ampliar cada vez mais a incorporação de vastos segmentos e de suas necessidades nas políticas estatais, processos esses vinculados às lutas direcionadas para criar/recriar alternativas de política econômica que, de fato,

garantam condições de trabalho e salários dignos para vastos segmentos das classes subalternas, como base da autonomia financeira no atendimento de suas necessidades básicas de subsistência.” (ABREU, 2002: 218)

O desafio é que o profissional não paralise diante deste novo conformismo social, resumindo sua ação aos critérios dos Programas de Transferência de Renda. É necessária uma análise crítica e ampla que reconheça o caráter coletivo da luta por uma redistribuição de renda e por critérios que de fato atendam as necessidades das populações empobrecidas, não como um socorro imediato e pontual, mas como uma possibilidade de superação, rompendo ciclos geracionais e articulado a outras políticas públicas e a um Sistema de Proteção Social.

Uma estratégia que pode potencializar politicamente a população usuária são os grupos socioeducativos, ponto que se discorre a seguir.