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Extensão e abrangência do poder de polícia

CAPÍTULO 3 – O PODER DE POLÍCIA

3.7 Extensão e abrangência do poder de polícia

Com razão e conhecimento de causa, denuncia Cretella Junior a dificuldade em descobrir um critério seguro que permita estruturar classificação sistemática e suficiente para abranger todas as espécies cabíveis da polícia administrativa250. São inúmeras as áreas de atuação, e cada uma, de abrangência global, se distende em várias outras, numa infinidade de situações.

O artigo 78 do Código Tributário Nacional define poder de polícia:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

No Estado social, a regulamentação e controle estatais incidem sobre profissões, emprego, mercado, economia popular, pesos e medidas, comunicações, propaganda, estética urbana, diversões públicas, meio ambiente, cemitérios, patrimônio histórico e artístico e vários outros setores251. Conforme passam a existir novas modalidades de direitos e liberdades praticadas pelos indivíduos, a Administração, em constante vigilância, busca adequar as limitações dentro do que entende ser o modo mais competente de gerir a ordem social. A evolução tecnológica, as novas necessidades e exigências sociais, a globalização, todos institutos extremamente dinâmicos e com poder de transformação são colocados em confronto com a discricionariedade administrativa e seu papel de policiar as liberdades.

Antigamente, o poder de polícia limitava-se à segurança, saúde e moralidade públicas, impondo proibições dentro destas esferas, sempre no sentido de abstenção, ou negativa. Atualmente, também abrange a ordem econômica e social nas suas mais variadas ramificações, impondo também prestações positivas, como no caso do cumprimento da função social da propriedade. Não basta mais que o proprietário

250 Do poder de polícia, p. 59 e segs.

mantenha essa condição sem realizar diretamente qualquer ato que possa corromper a ordem. O simples fato de ser detentor de um imóvel nos moldes delimitados legalmente — não importa se recebido por herança, ou adquirido — não confere mais ao proprietário o direito de dele dispor como quiser. É preciso que esse imóvel cumpra sua função social, nos termos do artigo 5º, inciso XXIII da Constituição Federal.

No caso da propriedade rural — e aí está um exemplo de prestação positiva imposta pelo Estado —, o proprietário vê-se obrigado a fazer o devido uso da terra, explorando-a de maneira adequada e racional, nos moldes legais252; deve atender devidamente às normas trabalhistas, se tiver funcionários e à legislação ambiental, entre outras exigências legais, sob pena de ser sancionado com a desapropriação de seu imóvel.

Atua a polícia administrativa através dos regulamentos que edita, bem como da fiscalização para verificar se o imóvel atende à legislação pertinente. Tudo através de procedimento administrativo, com direito à ampla defesa.

Outros campos de atuação da polícia administrativa são identificados através dos artigos da Constituição Federal, configuradas as limitações, por exemplo, ao exercício das profissões (art. 5º inciso XIII), ao direito de reunião (art. 5º inciso XVI), à liberdade de comércio (art. 170 e 173). Além disso, inúmeros diplomas legais disciplinam a matéria, a saber, o Código Civil, em seu artigo 188, o Código das Águas, o Código Florestal, a Lei do Meio Ambiente, o Código de Caça e Pesca, o Estatuto da Cidade, a Lei do Trânsito, entre outros253.

Nas doutrinas clássicas, Themístocles Brandão Cavalcanti254 e José Cretella Junior255 desenvolvem, cada um a seu modo, abrangente estudo sobre manifestações de liberdade erigidas no texto constitucional, conceituando e descrevendo a atuação de alguns ramos da polícia administrativa, entre os quais a polícia de manifestação do pensamento, de reunião e associação, consciência e culto, propriedade, de construções e vizinhança, do trânsito, do comércio, costumes e profissões.

252 As disposições concernentes à matéria são expressas na Lei 8.629/93. 253 AZEVEDO, Renato Beiriz Brandão disponível em:

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/3877/Poder-de-policia

254 Op. cit., p. 120-82.

Ainda, a propósito da polícia administrativa, Cretella Junior, acompanhando a cátedra de Georges Vedel, faz duas distinções: polícia administrativa geral e polícia administrativa especial, sendo que:

A primeira compreende tudo que está abrangido nos três termos segurança,

tranqüilidade e salubridade e a segunda tem dois sentidos, compreendendo o

primeiro as atividades de polícia cujos fins não são diferentes daqueles que persegue a polícia geral, mas que são submetidos a regime particular (derrogatório e exorbitante do direito comum), abrangendo o segundo, que é mais característico, as polícias que visam a objetivos que não figuram no conteúdo

normal da polícia geral, como, por exemplo, a polícia de estética, a quem não cabe

zelar nem pela segurança, nem pela tranqüilidade, nem pela salubridade256(grifos

do autor).

É bom sinalizar que as várias expressões utilizadas para identificar as áreas de atuação, como polícia de costumes, polícia de reunião, e as demais, não significa dizer que existam várias polícias. A atuação do Estado é uma só, a polícia é apenas uma, que atua em inúmeros segmentos, daí a nominação adjetivada.

Finalmente, com relação à polícia administrativa, dentre todas as áreas existentes e iminentes, a atuação se subsume às infrações, às situações lícitas, mas potencialmente perigosas, que podem causar danos à sociedade, à atuação emergencial, em casos de necessidade, às cautelas e prevenções257, entre inúmeros atos distribuídos nos diversos setores.