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Poderes e funções do Estado

CAPÍTULO 2 O ESTADO ADMINISTRADOR

2.1 O Estado como partícipe da convivência humana

2.1.1 Poderes e funções do Estado

Consoante ensina Celso Antônio Bandeira de Mello115, — a princípio, lembrando sempre sua característica de ―ente público‖, cuja finalidade é fazer cumprir o interesse público —, prevalece, na doutrina, a afirmação de que são basicamente três as funções do Estado: a legislativa, a administrativa (ou executiva) e a jurisdicional, distribuídas entre os três poderes, a saber, Legislativo, Executivo e Judiciário116. Evidentemente, conforme mais adiante esclarece o referido autor, esse critério, na prática, não é tão exato. É fato que o poder legislativo, além de legislar, ou criar leis que é sua atribuição a priori —, também termina por praticar atos administrativos, quando, por exemplo, realiza licitações ou promove seus servidores. Por seu turno, o Executivo expede regulamentos ou medidas provisórias117, agindo, desse modo, como legislador. O

judiciário, além de sua função originária, também exerce atos de natureza legislativa, haja vista a criação de seus regimentos internos.

115 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 21. ed. rev. atual. São Paulo:

Malheiros, 2006, p. 29.

116 Vale lembrar que essa divisão teve sua origem ideológica em Montesquieu, para que os poderes não se

centrassem numa única pessoa, evitando abusos. Um poder poderia, assim, contrabalançar o outro.

117 Neste sentido, Odete Medauar afirma que, na atualidade, o Poder Executivo passou a ter atividade

Muito embora cada poder detenha sua função precípua118, na prática, desempenham e praticam atos que, a rigor, seriam de outro poder. Não há, portanto, uma separação de poderes com divisão absoluta de funções, mas a ―distribuição das três funções estatais precípuas — normativa, administrativa e judicial — ―entre órgãos independentes, mas harmônicos e coordenados no seu funcionamento, mesmo porque o poder estatal é uno e indivisível‖119.

Desse modo, cada poder, a princípio, exerce, independentemente, sua função respectiva (legislativa, executiva, ou judiciária), que é a forma de atuação ou maneira pela qual age o Estado, no limiar das inúmeras diretrizes existentes dentro de uma comunidade.

Não obstante o consenso doutrinário de que as funções não se limitam à atuação de seu poder respectivo ou originário, verifica-se um ―critério de especialização predominante”120.Trata-se, pois, de uma questão de regra, e exceções. Pode-se dizer que

cada poder tem sua função típica, que lhe é característica. O exercício dessa função típica por outro poder seria uma atribuição excepcional, específica, devidamente expressa através de norma constitucional de exceção. Não havendo atribuições excepcionais, vigora a regra geral de competência (de cada órgão ou poder)121.

Nesse mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho preleciona que os poderes estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), desempenham funções que, materialmente, deveriam pertencer a poder diverso (funções atípicas), sempre que a Constituição o autorize122. O exercício de determinada função atípica por um poder específico é, portanto, condicionado a uma previsão constitucional, justamente para que haja equilíbrio e harmonia entre eles, dentro dos objetivos colimados pela ordem constitucional 123. Lucia Valle Figueiredo, demarcando o consenso doutrinário quanto à relevância da submissão das funções administrativas ao princípio da legalidade, lembra

118 A atividade para a qual, a princípio, foram criados: atividade inerente a cada um, atividade mãe, a regra,

além das exceções.

119 MEIRELLES, Ely Lopes. Op. cit., p. 56. 120 TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 51.

121 Op. cit.

122 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 16. ed. rev. ampl. atual. Rio de

Janeiro: Lúmen Júris, 2006, p. 2.

123 Esta característica de autorização constitucional vem expressa de maneira acentuada sob o Título IV

– Da organização dos poderes, através do qual a Constituição Federal comporta a organização da competência de cada poder.

que ―ao legislar, o Estado estaria agindo sob a Constituição, mas, evidentemente, cabendo-lhe opções do que seja útil, adequado ao interesse público de determinado momento histórico124.

Sobreleva ressaltar que tais funções referem-se ao Estado como um todo, podendo ser exercidas pelos três poderes, numa concepção delimitada por Marcello Caetano como Estado-global (ou o Estado genericamente dito), a quem importa a ―imputação de direitos e de obrigações à comunidade nele organizada com os seus órgãos legislativos, executivos e judiciários‖125.

Finalmente, vale elucidar, por oportuno, que a função administrativa, que engloba atividade específica, nos termos até aqui explanados, não pode ser confundida com Administração Pública, ou Estado-administração, tratando-se de duas realidades diversas, ainda que complementares. Função administrativa é a atividade operativa do Estado, que tutela de modo imediato o interesse público126. É a ação, a prática administrativa, que causa algum efeito para a proteção dos interesses da coletividade. Pode ser bem sintetizada através do conceito de Lucia Valle Figueiredo:

A função administrativa consiste no dever de o Estado, ou de quem haja em seu nome, dar cumprimento fiel, no caso concreto, aos comandos normativos, de maneira geral ou individual, para a realização dos fins públicos, sob o regime prevalescente de direito público, por meio de atos e comportamentos controláveis internamente, bem como externamente pelo Legislativo (com o auxílio dos Tribunais de Contas), atos estes, revisíveis pelo Judiciário127.

Por seu turno, conforme será adiante mais bem deslindado, no Estado- administração, o sentido que se pretende identificar é aquele formal, a pessoa administrativa propriamente dita, dividida em órgãos que lhe são essenciais para a consecução das funções.

124 Op. cit., p. 33.

125 CAETANO, Marcello. Princípios fundamentais do Direito Administrativo. 2. reimpr. port. Coimbra:

Almedina, 2003. Ver introdução, p. 24 e segs.

126 ZANOBINI, Guido (apud FIGUEIREDO, Lucia Valle, op. cit., p. 30.). 127 Op. cit., p. 34.