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Parte I – Introdução

2. Metrite no Pós-Parto

2.4. Factores Predisponentes

A maior parte das patologias de pós-parto em bovinos de leite têm uma natureza multifatorial; esta simples premissa é fundamental para a compreensão do período de transição das vacas leiteiras (LeBlanc et al. 2006).

Também a MPP pode surgir quer em consequência de outras patologias quer como condição primária, conduzindo muitas vezes a uma cascata de outros problemas concomitantes no pós-parto (Vergara et al. 2014). Todos os fatores que comprometam a involução uterina, promovendo a acumulação de material necrótico e fluídos na cavidade uterina e evitem a eliminação mecânica da contaminação bacteriana do útero no pós-parto favorecem o desenvolvimento de metrite. Um bom exemplo da MPP como patologia secundária surge quando estamos perante uma fêmea gestante com hipocalcemia. Esta condição reflete-se numa diminuição da contractilidade uterina, conduzindo a uma situação de distócia e aumentando o risco de retenção placentária (RP) e da criação de condições ótimas para uma consequente MPP (Guterbock 2004). Existem vários fatores predisponentes associados à MPP. Alguns deles surgem de forma consistente na literatura, enquanto outros são suscetíveis a alguma controvérsia (Bruun et al. 2002). Aqueles que são considerados de forma consistente estão associados a problemas aquando do parto, nomeadamente a distócia e a RP, havendo também uma forte associação a animais com hipocalcemia aguda, gestação

gemelar, que tenham sofrido abortos, ou cujo parto tenha resultado em nados-mortos (Markusfeld 1984, Sheldon e Dobson 2004, Potter et al. 2010).

Entre os fatores predisponentes sugeridos mas que não reúnem completo consenso incluem-se uma diminuição de ingestão de matéria seca antes do parto (Huzzey et al. 2007), o tamanho do efetivo (Kaneene 1995), a paridade e idade do animal (Urton et al. 2005), a época do parto (Benzaquen et al. 2007) e a existência anterior de cetose (Curtis et al. 1985, Kaneene 1995). Também a falta de condições higiénicas da exploração favorece um aumento da incidência da MPP (Foldi et al. 2006).

O carácter multifatorial desta patologia é evidenciado no esquema seguinte (Figura 6) que, de forma simplista, expõem a relação causa-efeito existente entre diferentes condições e afeções do pós-parto (Opsomer 2008).

Figura 6 - Factores de risco na metrite puerperal em vacas de alta produção e sua interação. Adaptado

de Opsomer (2008)

No trabalho que aqui apresentamos será dado particular destaque à RP e à Cetose, pelo que esta revisão da literatura está direcionada para os tópicos determinados pelos dados a apresentar na segunda parte deste documento.

2.4.1. Retenção Placentária

A retenção das membranas fetais, denominada simplesmente de Retenção Placentária (RP), é uma patologia muito comum no pós-parto dos bovinos de leite (LeBlanc 2008).

Durante o trabalho de parto, a degradação de uma grande quantidade de colagénio e de outras proteínas é normal e resulta, para além de outras alterações, na separação das membranas fetais para posterior expulsão (Eiler e Fecteau 2007). A RP ocorre sempre que existe uma falha na expulsão da placenta até 24 horas após o nascimento da cria. Existem autores que consideram que esta patologia pode ser diagnosticada, quando há um atraso na expulsão superior ou igual a 8-12 horas pós- parto (hpp), uma vez que 95% das vacas expulsam as membranas fetais em menos de 12 hpp (Van Werven 1992, Kelton et al. 1998, Eiler e Fecteau 2007, Hillman e Gilbert 2008, LeBlanc 2008).

De acordo com a sua etiologia, a RP pode ser classificada em primária, ou secundária. Na RP primária o fator chave corresponde à falha na quebra das ligações carunculo-cotiledonares, levada a cabo pelo sistema imunitário, por inadequada proteólise da matriz proteica a nível dos cotilédones e consequente incapacidade de expulsão das membranas fetais; a RP secundária está geralmente associada a uma falha mecânica na expulsão das membranas após a sua separação, causada por exemplo por atonia uterina decorrente de hipocalcemia. Apesar desta categorização, a etiologia da doença pode resultar de uma combinação de fatores associados tanto à RP primária como à secundária (Eiler e Fecteau 2007, LeBlanc 2008).

Ao longo do tempo foram identificados quatro fatores principais para a ocorrência da RP: a atonia uterina, o edema das vilosidades coriónicas, os estados inflamatórios e a inativação dos neutrófilos (Roberts 1986a, McNaughton 2009).

Como referido anteriormente, durante o período do peri-parto das vacas leiteiras de alta produção, o seu sistema imunitário apresenta-se fragilizado. Esta imunossupressão resulta do stresse metabólico associado às flutuações hormonais e metabólicas, ao BEN e à diminuição de proteínas, minerais e vitaminas necessárias para satisfazer as necessidades quer do feto, quer do início da lactação. Nos animais em que este desequilíbrio é mais acentuado, como nas vacas altas produtoras, existe uma situação fisiológica de stresse que se acentua no termo da gestação, agravando os efeitos exercidos sobre o eixo Hipotálamo-Hipofisário-Adrenal. Daqui resulta um agravamento do efeito imunossupressor observado na fase de transição, que se reflete numa diminuição da proliferação e da função leucocitária, no decréscimo da citotoxicidade dos linfócitos e na depressão na atividade das citoquinas inflamatórias, que comprometem o normal e eficiente reconhecimento e rejeição materna das

membranas fetais, levando à sua retenção (Hammon et al. 2006, Mordak e Stewart 2015). Além dos efeitos imunossupressores, o stresse metabólico característico desta fase do ciclo reprodutivo resulta também na ativação da secreção de catecolaminas, nomeadamente de adrenalina. Esta conduz à ativação dos recetores de adrenalina do miométrio, causando hipotonia ou atonia do útero e contribuindo para a retenção das membranas fetais (Mordak e Stewart 2015).

No momento do parto ocorre uma lesão de menor ou maior grau ao endométrio uterino que conduz sempre à perda de epitélio superficial e à exposição das células do estroma a bactérias, e por consequência há a possibilidade de ocorrerem lesões adicionais (Potter et al. 2010). Uma distócia aumenta a probabilidade da ocorrência de traumatismo do trato genital da fêmea, por vezes em consequência de uma ajuda prematura e de intensidade desnecessária com o objetivo de acelerar o normal evoluir do trabalho de parto. Por isso tem sido associada a uma alteração do sincronismo hormonal da expulsão da placenta, pela acumulação excessiva de mediadores imunológicos que comprometem a eficiência da separação da placenta (Brozos et al. 2009, Shixin et al. 2011).

LeBlanc, em 2008, sugere que tanto a RP como a MPP são consequência de um sistema imunitário deprimido, característico do período de transição, iniciado pelo menos duas semanas antes do parto (LeBlanc 2008).

O diagnóstico de MPP surge subsequentemente ao de RP em 25 a 55% dos casos. Isto ocorre porque, aliado à imunossupressão característica desta fase do ciclo reprodutivo, a ocorrência prévia de RP fornece o ambiente ideal para a multiplicação bacteriana e aparecimento da infeção, graças à grande quantidade de tecido necrosado e ao atraso na expulsão das lóquias. Além disso, há também uma maior probabilidade da ocorrência de lesões associadas à remoção manual das membranas placentárias, existindo uma quebra adicional na imunidade inata do útero e por isso uma maior probabilidade de infeção uterina (Kaneene et al. 1986, Bolinder et al. 1988, Sheldon e Dobson 2004, LeBlanc 2008). Por isso, muitos dos fatores de risco associados à RP são idênticos aos que predispõem à MPP. Dentro destes incluem-se os partos distócicos, a ocorrência de aborto (infecioso ou esporádico), as gestações gemelares, a hipocalcemia, e o nascimento de nados-mortos (Correa et al. 1993, Grohn e Rajala-Schultz 2000, Bruun et al. 2002, Hillman e Gilbert 2008).

2.4.2. Cetose

A cetose enquanto condição patológica surge quando a produção de CC excede a capacidade do animal em os utilizar como fonte de energia, dando lugar a elevadas concentrações de cetonas no sangue, urina e leite das fêmeas afetadas. Em simultâneo, aumentam as concentrações de AGNE e a fêmea mantém-se hipoglicémica (Fleming 2015).

A cetose pode ser classificada, de acordo com as concentrações sanguíneas de glicose, insulina e cetonas, em cetose de tipo I e cetose de tipo II (Fleming 2015).

A cetose de tipo I, também conhecida por cetose primária, caracteriza-se por uma redução da concentração de glucose sanguínea e das reservas de glicogénio a nível hepático, assim como por um aumento da mobilização das reservas energéticas. Culmina com a acumulação de CC em consequência de um BEN não compensado no início da lactação (Fleming 2015).

Por outro lado, a cetose de tipo II está associada a elevadas concentrações sanguíneas de insulina e a um estado transitório de hiperglicemia, secundários a um armazenamento exagerado de gorduras e à sua mobilização, levando a um estado de lipidose hepática (Fleming 2015).

Os sinais clínicos associados à cetose não são muito específicos, tendo levado a classificar esta patologia como clínica, quando existe sintomatologia, ou subclínica, quando evolui na ausência de manifestações evidentes de doença. Neste último caso, o diagnóstico é feito com base na concentração plasmática de CC. O BHBA é o CC predominante em circulação e o mais utilizado como indicador da cetonemia. As concentrações normais de BHBA plasmáticas em vacas são inferiores a 1,0 mmol/L. Nas cetoses subclínicas os valores de BHBA atingidos são iguais, ou superiores a 1,2 mmol/L e em vacas com cetose clínica ultrapassam os 2,9 mmol/L. A diminuição da condição corporal, a produção de leite diminuída ou inalterada e um desempenho reprodutivo abaixo do esperado são algumas das características encontradas nas fêmeas com cetose subclínica (Duffield 2000, Rutherford et al. 2016).

Não existe consenso sobre os fatores predisponentes da cetose, uma vez que esta patologia pode ser a causa primária, ou a consequência de outras doenças. A cetose ocorre no período pós-parto inicial, com cerca de 90% dos casos a surgirem nos primeiros 60 dias de lactação. Independentemente da sua etiologia, sabe-se que a sua ocorrência é mais frequente nas últimas semanas de gestação e no primeiro mês de lactação, e cada vez menos a partir do segundo mês de lactação. Existe um pico de prevalência de cetose subclínica nas primeiras duas semanas de lactação e

intervalos entre partos prolongados aumentam substancialmente o risco de cetose (Radostits et al. 2007 , Scott et al. 2011 , Gordon et al. 2013).

A condição corporal da fêmea terá um papel preponderante nas consequências que poderá ter a diminuição de ingestão de alimento. Vacas leiteiras com uma condição corporal menor que 3 (numa escala de 5 pontos), antes do parto, não possuem as reservas de energia e proteína necessárias à obtenção de leite com níveis adequados de gordura, ou para a uma boa resistência às principais patologias do puerpério. No caso de fêmeas com uma condição corporal ≥ 3,5 há uma tendência para que a perda de apetite, considerada normal antes do parto, surja exacerbada (Bicalho et al. 2010, Sordillo 2016).

A cetose encontra-se frequentemente associada à MPP, uma vez que elevados valores de AGNE aumentam o risco de infeção uterina (Ospina et al. 2010, Dubuc et al. 2011, Giuliodori et al. 2013). Por um lado, porque constituem a prova de que o animal está em défice energético e vitamínico; por outro, porque se suspeita que concentrações elevadas de AGNE inibam a ação dos neutrófilos (Hammon et al. 2006, Sordillo 2016). Estes fatores, aliados às acentuadas necessidades energéticas desta fase e à contaminação bacteriana associada ao parto, resultam na presença de stresse oxidativo que contribui para um estado pro-inflamatório desfavorável à atuação eficaz do sistema imunitário, aumentando o risco de MPP (Hammon et al. 2006, Scalia et al. 2006, Sordillo et al. 2009, Ster et al. 2012).

Imediatamente após o parto, as concentrações séricas de CC encontram-se mais elevadas em vacas que desenvolvem MPP, quando comparado com os animais que não desenvolvem a patologia (Hammon et al. 2006, Giuliodori et al. 2013). Assim, a MPP surge associada a níveis elevados de AGNE, detetados pela medição dos teores de corpos cetónicos resultantes da sua metabolização, no período compreendido entre as duas semanas pré-parto até às 1 a 4 semanas no período pós- parto (Hammon et al. 2006). Concentrações elevadas de AGNE e de BHBA antes do parto mostraram ser fidedignas na identificação de vacas que desenvolveram posteriormente MP, em contraste com o observado com vacas que apenas apresentam níveis elevados após o parto (Dubuc et al. 2010).

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