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Metrite pós-parto em bovinos de leite: um estudo de caso

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro Escola de Ciências Agrárias e Veterinárias

Metrite Pós-Parto em Bovinos de Leite: um estudo de caso

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Ana Luísa Cardoso Alves

ORIENTADOR: Professora Rita Maria Payan Martins Pinto Carreira

Universidade de Trás-os-Montes e Alto-Douro Vila Real, 2016

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Metrite Pós-Parto em Bovinos de Leite: um estudo de caso

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Ana Luísa Cardoso Alves

Orientador: Professora Rita Maria Payan Martins Pinto Carreira

Composição do Júri:

Profº Doutor Filipe da Costa Silva, Departamento de Ciências Veterinárias Profº Doutor Miguel Nuno Pinheiro Quaresma, Departamento de Ciências Veterinárias.

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Para os devidos efeitos, declaro que esta Dissertação é resultado da minha pesquisa e trabalho pessoal, sob tutoria científica da Prof.ª. Dr.ª Rita Payan Carreira, sendo o seu conteúdo original, e que ele não foi apresentado em nenhuma outra Instituição para obtenção de um qualquer grau académico ou em alguma publicação de uso restrito

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“A vitalidade é demonstrada não apenas pela persistência, mas pela capacidade de começar de novo.”

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Resumo

Os processos inflamatórios pós-parto com sede no útero, como a metrite, são um dos problemas mais frequentemente diagnosticados em bovinos de leite. Estão associadas a perdas económicas importantes, não só relacionadas com uma diminuição do desempenho reprodutivo, mas também com o seu efeito negativo na produção de leite.

Como outras patologias do pós-parto na vaca leiteira, a metrite pós-parto (MPP), ou metrite puerperal, possui uma etiologia multifatorial. Ao longo do tempo têm sido identificados alguns fatores como sendo predisponentes desta afeção, apesar de haver alguma controvérsia sobre a sua associação à etiopatogenia da doença. Neste estudo pretendeu-se analisar a associação da MPP com a ocorrência prévia de Retenção Placentária (RP) e a presença de valores elevados de corpos cetónicos (CC) no momento do diagnóstico da metrite, além de outros parâmetros como a idade, paridade, momento de diagnóstico, condição corporal e tipo de parto (eutócico ou distócico).

Foram incluídas neste trabalho um total de 42 vacas, sendo 19 as fêmeas diagnosticadas com metrite pós-parto. Incluiu-se no estudo fêmeas primíparas (n= 5) e multíparas (n= 37), com idades compreendidas entre os 3 e os 9 anos (idade média de 4 ±1,2 anos). As vacas eram provenientes de 5 explorações localizadas na Região Litoral Norte de Portugal, com maneio geral similar entre si. O diagnóstico de metrite foi realizado até aos 38 dias após o parto, após consulta solicitada pelo proprietário. O diagnóstico de metrite foi emitido após exame clínico e reprodutivo da vaca com base na existência de uma quebra na produção leiteira, diminuição na ingestão de matéria seca, e a presença de um odor pútrido ou de corrimento vaginal anómalo. As fêmeas do grupo controlo foram selecionadas dentro das mesmas explorações, entre animais que se encontravam no mesmo momento do pós-parto, tinham sensivelmente a mesma idade/paridade e um nível de produção de leite semelhante. Para os dois grupos foram registados os dados básicos do animal, bem como recolhida informação sobre a facilidade do parto (que foi classificado em eutócico/distócico) e a existência de retenção placentária (sim/não; RP) no último parto. A recolha de uma amostra de sangue para determinação de corpos cetónicos apenas foi possível em 21 animais (11 no grupo controlo e 10 no grupo metrite).

A maior parte dos diagnósticos de metrite foram realizados nas duas primeiras semanas após o parto, tendo sido mais frequente em fêmeas com 2 e 3 partos (36,8% e 31,5% respetivamente) e menos comum nas fêmeas primíparas ou com quatro ou mais partos (15,8% em ambos os casos). A condição corporal dos animais incluídos

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no estudo era relativamente uniforme e dentro dos limites desejados no peri-parto. Em relação ao tipo de parto, foram registados 21% e 17% de partos distócicos respetivamente para os grupos metrite e controlo, não sendo estas diferenças estatisticamente significativas. A medição dos CC em ambos os grupos revelou valores médios semelhantes (P=0,704), embora os valores fossem numericamente mais baixos nas vacas controlo (0,84± 0,40 mmol/L) do que no grupo metrite (1,11± 0,91 mmol/L). A ocorrência prévia de retenção placentária foi registada em 14 (73,3%) e 5 (21,7%) animais nos grupos com diagnóstico de metrite e controlo, respetivamente.

Não se encontraram influências significativas da idade, paridade, condição corporal, tipo de parto e presença de cetose no momento de diagnóstico sobre a ocorrência de MPP nos animais incluídos no estudo. No entanto, encontrou-se uma associação positiva entre a MPP e a ocorrência prévia de RP. A razão de probabilidades revelou que vacas com retenção placentária no último parto têm 10 vezes mais probabilidade de virem a apresentar um diagnóstico de MPP.

Dados os encargos económicos que acompanham a ocorrência da MPP e o comprometimento do bem-estar das fêmeas afetadas, é importante a sensibilização do proprietário para a necessidade de programas preventivos que sejam eficazes no controlo da patologia e na monitorização mais apertada de animais que sofreram de complicações no peri-parto, como RP. A nutrição assume um papel determinante nesta prevenção, assim como a sinalização precoce das vacas em risco.

Palavras–chave:

metrite pós-parto; puerpério; retenção placentária; cetonemia; bovinos.

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Abstract

The inflammatory conditions of the postpartum uterus, such as metritis, are frequently diagnosed in dairy cattle. They are associated with serious economic losses, related not only with a decrease of the reproductive performance, but also with its adverse effect on milk production.

Like in other postpartum conditions of dairy cows, postpartum metritis (PPM) presents a multifactorial etiology. Over time, some factors have been identified as predisposing to this disease, even though there is some controversy about its association with the pathogenesis of the disease. This study intent to analyze the association between PPM with retained placenta (RP) in the last calving and the presence of high levels of ketone bodies (CC) at the time of diagnosis of metritis, besides other parameters such as age, parity, body condition and type of delivery (eutocic or dystocic).

Forthy-two cows were enrolled in this study, 19 of them having a diagnosis of PPM. It included either primiparous (n = 5) and multiparous (n = 37) females, within an age range between 3 and 9 years old (age average of 4 ±1,2 years). The cows belonged to 5 farms of similar management characteristics, from the North Coast of Portugal. Metritis diagnose was establish up to 38 days post-calving, following a call from the owner or caretaker that signalized the sick animal. The diagnosis of metritis was raised after the physical and reproductive examination of a cow based on the following clinical signs: inapetence, raised temperature, drop in milk production, decreased dry matter intake and the presence of a putrid odor, or abnormal vaginal discharge. Females used in the control group were selected within the same farm, between animals at the same postpartum time, similar same age/parity and similar milk production. For both groups, beside the basic animal data it was also recorded information on the calving easiness (scored as eutocic/distocic) and the occurrence of retained placenta (yes/no) on the last calving. The blood collection for measurement of ketone bodies was possible only once and limited to 21 animals (11 in the control group and 10 in the metritis group).

The diagnosis of metritis was establish more often in the first two weeks after parturition, in females in the 2nd or 3rd calving (36.8% and 31.5% respectively) and it was less common in primiparous females or in cows with four or more calving (15.8% in both cases). The body condition score of the animals was relatively uniform and within the limits generally foreseen in the peripartum. Distocia was present in 21% and 17% of cows in the metritis and control groups, but the differences were not significant. Even though the values of ketone bodies were numerically lower for cows in the control

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group (0.84 ± 0.40 mmol / L) than the ones in the metritis group (1.11 ± 0.91 mmol / L), the groups did not differ (P = 0.704),. The occurrence of retained placenta in the previous calving was recorded in 14 (73.3%) and 5 (21.7%) animals for the groups metritis and control, respectively. The occurrence of PPM was not influenced by age, parity, and body condition score, type of delivery and presence of ketose at the time of diagnosis. However, a positive association between MPP and the prior occurrence of RP was found in this study. The odds ratio showed that cows with retained placenta in their last parturition were 10 times more likely to present a positive diagnosis for MPP.

Given the major economic constraints associated to the occurrence of MPP and the negative impact on the affected cow´s welfare, it is important to alert the owner for the need to establish effective prevention programs to control the disease and also to put animals developing peri-parturient diseases under a closer monitorization. Nutrition plays a key role in this prevention, as well as an early detection of cows at risk.

Keywords:

post-partum metritis; puerperium; retained placenta; ketonemia; bovine.

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Agradecimentos

Aos meus pais e irmão João, por todo o apoio que sempre demonstraram e pelo sacrifício que fizeram, que permitiu a concretização de algo que começou como um sonho inalcançável e que, finalmente se tornou uma realidade.

À Professora Rita, por toda a disponibilidade, paciência, simpatia e sabedoria que sempre demonstrou para comigo. O meu muito obrigado!

Ao Dr.António Giesteira, pelos ensinamentos transmitidos e por toda a ajuda disponibilizada ao longo do período de estágio.

A todos os professores do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária da UTAD pelos ensinamentos prestados, em especial ao Doutor Miguel Quaresma, pela ajuda e aconselhamento na fase inicial do estágio curricular.

A toda a equipa do Heartland Veterinary Services, pela simpatia e experiência única na vida.

À equipa do Real Hospital Veterinário, pelos ensinamentos transmitidos, por toda a simpatia e pela confiança depositada.

À minha madrinha Rita, sempre alegre e espontânea na sua maneira de ser, pelo apoio e inspiração que, como uma madrinha 5*, sempre me ofereceu.

Aos restantes membros da minha família, em especial aos meus avós, que de uma forma ou de outra, mais, ou menos, fizeram de mim aquilo que sou.

À Telma, Cheila, Cátia e Helena. As amigas mais improváveis e a minha segunda família.

Ao Tiago, por estar presente nos últimos 16 anos e, mesmo assim, ainda não ter desistido de aturar esta amiga.

A todos os restantes amigos e amigas que não mencionei, mas que sabem quem são, que me acompanharam e acompanham e que de certeza contribuíram para o concretizar deste objectivo.

Ao Ricardo, pela paciência e compreensão, para com os dilemas e agenda complicada de uma estudante de veterinária.

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Índice Geral

Resumo ………..ix

Abstract ... xi

Agradecimentos ... xiii

Índice Geral... xv

Índice de Figuras ... xvi

Índice de Tabelas ... xvi

Lista de Acrónimos/Siglas, Abreviaturas e Sinais/Símbolos ... xvii

Parte I – Introdução ... 1

1. Recuperação da função reprodutiva e fertilidade no pós-parto ... 2

1.1. Involução Uterina ... 4

1.2. Reinício da atividade ovárica no pós-parto ... 5

1.3. Imunidade Uterina ... 6

2. Metrite no Pós-Parto ... 10

2.1. Definir Metrite Pós-Parto ... 10

2.2. Aspectos epidemiológicos ... 11

2.3. Fisiopatologia ... 14

2.4. Factores Predisponentes ... 15

2.5. Sinais Clínicos e Diagnóstico ... 20

2.6. Tratamento ... 22

2.8. Prevenção e Controlo da Metrite Pós-Parto ... 26

1. Materiais e Métodos ... 29

1.1 Contextualização da situação ... 29

1.2. Explorações e animais ... 30

1.3. Recolha de dados e amostras ... 31

1.4. Análise Estatística ... 33

2. Resultados e Discussão ... 34

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Índice de Figuras

Figura 1 - Metabolismo energético em bovinos de leite. ...3 Figura 2 - Evolução do peso do útero ao longo do pós-parto. ...4 Figura 3 - Representação esquemática do reinício da atividade ovárica

no pós-parto em bovinos de leite. ...4 Figura 4 - Atividade dos neutrófilos no péri-parto de vacas leiteiras de alta produção. ...8 Figura 5 - Incidência de diferentes formas de inflamação uterina nos dois meses após

o parto em bovinos de leite, (♦) animais com bactérias isoladas no útero. ...12 Figura 6 - Factores de risco na metrite puerperal em vacas de alta produção e sua

interação. ...16 Figura 7 - Distribuição etária do número de animais em cada grupo. ...34 Figura 8 - Distribuição dos animais pelos grupos metrite e controlo em função das semanas

pós-parto. ...35 Figura 9 - Distribuição do número de animais por paridade nos grupos com e sem

diagnóstico de metrite. ...35 Figura 10 - Distribuição das fêmeas de acordo com a sua condição corporal ...37 Figura 11 - Classificação e frequência do tipo de parto das fêmeas incluídas nos

grupos com metrite e controlo. ...37 Figura 12 - Frequência relativa de RP em vacas dos grupos metrite (n=19) e

controlo (n=23). ... Erro! Marcador não definido.38 Figura 13 - Diagrama de extremos e quartis para os valores circulantes de corpos

cetónicos (em mmol/L) nos grupos metrite e controlo. ...40 Figura 14 - Nível de cetonemia nas fêmeas do grupo controlo e metrite, ao longo das semanas

pós-parto (spp) ...40

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Valores de referência para alguns parâmetros fisiológicos em bovinos saudáveis ..31 Tabela 2 - Critérios para diagnóstico de cetonemia com base na determinação de BHBA

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Lista de Acrónimos/Siglas, Abreviaturas e Sinais/Símbolos

% - percentagem < - menor > - maior ≤ - menor ou igual ≥ - maior ou igual ◦C - graus Celsius ® - marca registada

AGNE - Ácidos Gordos Não Esterificados AGV - Ácidos Gordos Voláteis

AINEs - Antinflamatórios Não Esteroides BEN - Balanço Energético Negativo BHBA - B-Hidroxibutirato

BID - duas vezes por dia bpm - batimentos por minuto CC - Corpos Cetónicos dpp - dias pós-parto E2 - Estrogénios

FSH - Hormona Folículo Estimulante GnRH - Hormona Libertadora de Gonadotrofinas

hpp - horas pós-parto i.e. - por exemplo

IA - Inseminação Artificial IM - Intramuscular Kg - quilograma L - litro LH - Hormona Luteinizante MC - Metrite Clínica mg - miligrama mmol - milimole MPP - Metrite Pós-Parto

MPA - Metrite Puerperal Aguda N ou n - número da amostra Nº ou nº - número

P4 - Progesterona

PGF2α - Prostaglandina F2A pm - por minutos

PVE - Período Voluntário de Espera RP - Retenção Placentária

rpm - respirações por minuto s/ - sem

SID - uma vez por dia spp - semanas pós-parto UI - Unidades Internacionais vs. - versus

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Parte I – Introdução

Num sistema de produção de leite é indispensável que a vaca obtenha de forma regular uma gestação que termine num parto. Cada nascimento é seguido por um pico de produção leiteira, e é esta simples premissa que, até hoje, demonstra a eficiência reprodutiva na indústria leiteira (Opsomer 2008)

Estudos realizados nos Estados Unidos e na Europa revelaram que nos últimos 40 anos o potencial genético para a produção leiteira dos bovinos de raça Holstein, aumentou 3000 kg por lactação de 305 dias, havendo ainda espaço para um incremento de 100 kg/lactação/vaca (Opsomer 2008).

Contudo, este sucesso evolutivo está muito dependente das condições de maneio a que os animais estão sujeitos. E foram as enormes melhorias introduzidas no sistema de produção de leite nas últimas décadas que muito contribuíram para estes resultados. Ainda assim, o período caracterizado pelo aumento da produção de leite nestes animais é também assinalado por uma importante diminuição do seu desempenho reprodutivo. Esta relação inversa entre o nível produtivo e a fertilidade individual tem vindo a manter-se, apesar de todos os esforços utilizados para a contrariar. Ela é sentida com maior intensidade principalmente nos bovinos de alta produção (Opsomer 2008, Walsh et al. 2011).

Para que esta diminuição no desempenho reprodutivo seja minimizada, é imprescindível garantir a existência de um ambiente uterino estéril e saudável, e desta forma aumentar a probabilidade de ocorrer fecundação a cada inseminação. Nas vacas leiteiras, o útero desempenha um papel crucial na manutenção da regularidade do ciclo reprodutivo, na implantação, na placentação e no suporte da gestação e do feto até termo (Opsomer 2008, Turner et al. 2012). Quando a função deste órgão é afetada, a regularidade com que o animal consegue produzir uma cria, e por conseguinte, o número de dias em leite, são negativamente afetados (Noakes et al. 2009b).

A Metrite Pós-Parto (MPP) é uma patologia uterina frequentemente diagnosticada nos bovinos de leite, estando associada a perdas económicas, não só relacionadas com uma diminuição da performance reprodutiva, mas também ao seu efeito negativo na produção de leite (Armengol e Fraile 2015).

Designa-se por MPP o processo inflamatório com sede no útero que se manifesta clinicamente até aos 21 dias pós-parto (dpp), e que compreende a inflamação de todas as camadas da parede uterina. É uma das principais patologias uterinas do pós-parto em bovinos (Sheldon e Dobson 2004) afetando até 40% das vacas nas duas primeiras semanas depois do partoEm 10-15% destes casos a infeção

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persiste por mais de três semanas, levando ao estabelecimento de uma inflamação crónica do endométrio designada por endometrite, que compromete a fertilidade da fêmea a médio/longo prazo (Sheldon e Dobson 2004, Noakes et al. 2009b).

1. Recuperação da função reprodutiva e fertilidade no

pós-parto

Imediatamente após o parto desencadeia-se uma série de eventos que promovem a recuperação funcional do útero e o retorno à ciclicidade, concorrendo para garantir que a vaca esteja apta a procriar de novo no mais curto espaço de tempo. Os eventos centram-se em dois segmentos do sistema reprodutor: no eixo hipotálamo-hipófise-gónadas e no útero. Os eventos que ocorrem no útero estão incluídos no que se designa por involução uterina, que inclui a redução do tamanho do útero, a regeneração do endométrio e a eliminação da contaminação bacteriana do órgão. Em paralelo, restabelece-se o funcionamento cíclico do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, permitindo o reinício das ondas de desenvolvimento folicular e, pouco depois, a capacidade de obter um pico pré-ovulatório de hormona luteinizante (LH) e o retomar de ciclos éstricos regulares (Sheldon et al. 2008).

O retorno dos ciclos éstricos é modulado pelo metabolismo da fêmea. No período peri-parto dos bovinos de leite é comum ocorrer um ligeiro aumento na concentração de corpos cetónicos (CC) nos tecidos e fluidos corporais, decorrente de uma diminuição de ingestão de alimentos que acompanha o aumento das necessidades produtivas da fêmea e a mobilização das suas reservas lipídicas e proteicas. Daqui resulta um balanço energético negativo (BEN) (Wischral et al. 2001). A base para a regulação do metabolismo energético dos bovinos de leite é a concentração de glucose sanguínea. Estes animais adquirem uma quantidade limitada de açúcares a partir da dieta, uma vez que cerca de 80% dos hidratos de carbono ingeridos são fermentados no rúmen e convertidos em ácidos gordos voláteis (AGV): o ácido acético (70%), o ácido propiónico (20%) e o ácido butírico (10%) (Bauman 2000).

Nesta espécie, a neoglucogénese é o principal processo de obtenção de glucose, sendo o ácido propiónico o principal substrato para a sua síntese. Com a diminuição da ingestão de alimento, que se observa no período antes do parto, deixa de existir ácido propiónico nas quantidades necessárias e a fêmea entra em hipoglicemia; é então estimulada a neoglucogénese hepática e a mobilização das reservas corporais nos adipócitos, sob a forma de triglicerídeos, que são degradados

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em ácidos gordos não esterificados (AGNE) e em glicerol. A neoglucogénese depende da existência de oxaloacetato, composto que é também crucial para a continuidade do ciclo de Krebs e oxidação completa dos AGNE. Como há uma diminuição deste composto resultante da metabolização do ácido propiónico da dieta, o ciclo de Krebs é interrompido (ver Figura 1), permitindo a acumulação de moléculas de acetil-CoA resultantes da oxidação dos AGNE. Este excedente é redirecionado para a síntese de CC – acetona, acetoacetato e β-hidroxibutirato (BHBA) – que podem ser utilizados no cérebro e músculos como fonte de energia alternativa à glucose, mas que não a substituem no que respeita às necessidades específicas para a produção de leite e para o desenvolvimento do feto (Bauman 2000, Eddy 2004, Bruss 2008, Fleming 2015).

Figura 1 - Metabolismo energético em bovinos de leite. Adaptado de Ellis e Roderick (2000)

Este aproveitamento dietético faz com que as vacas leiteiras se tornem particularmente vulneráveis à ocorrência de cetose. Ao contrário dos restantes tecidos, tanto a glândula mamária como a unidade feto-placentária apenas utilizam a glucose e os aminoácidos como fontes exclusivas de energia. Com o início da produção de leite, a glucose é utilizada para a produção de lactose, e os aminoácidos para a síntese da proteína presente no leite (Stengarde et al. 2008, Lemor et al. 2009).

Com a diminuição fisiológica da ingestão de alimento no período peri-parto e com o aumento das necessidades energéticas inerentes ao desenvolvimento do feto e ao início da produção leiteira por parte da progenitora, a vaca entra em BEN e mobiliza as suas reservas corporais por meio da lipólise. Após o stresse do parto, e apesar dos maiores requisitos de energia serem para a produção de leite e formação de lactose, as necessidades energéticas da própria fêmea passam para segundo plano,

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iniciando-se a mobilização de triglicerídeos para incorporar a gordura do leite e exacerbando o BEN em que o animal se encontra (Eddy 2004 , Divers e Peek 2008).

1.1. Involução Uterina

Após o parto – numa fase que alguns autores por vezes designam por puerpério e outros simplesmente por anestro pós-parto (apesar de as designações não serem sobreponíveis) – desencadeia-se uma série de mecanismos responsáveis pela recuperação do trato reprodutivo (Carreira 2007, Noakes et al. 2009a).

A involução uterina, nome que se usa para designar a recuperação do útero até dimensões e características pré-gravídicas, tem início logo após a expulsão das membranas fetais, e é um processo fisiológico crucial para o reinício da normal ciclicidade ovárica e para que possa ter lugar uma nova gestação (Carreira 2007).

As contrações uterinas que se mantêm por 7 a 10 dias após o parto, embora diminuam em regularidade, frequência e duração à medida que o pós-parto avança, são essenciais para o normal decurso da involução uterina, garantindo a redução acentuada do volume e massa do órgão. Estas contrações promovem ainda a eliminação dos lóquios, que constituem o corrimento vaginal no pós-parto e que resultam da necrose e descamação das carúnculas uterinas. Estas contrações têm também um efeito adicional de compressão sobre a vascularização uterina, reduzindo deste modo o risco de hemorragia (Senger 2005, Carreira 2007).

Espera-se que três semanas após o início da involução uterina, o peso do útero tenha diminuído de 13kg para apenas 1kg e que a presença de corrimento vaginal seja praticamente inexistente (Figura 2); assim, por essa altura, todo o útero poderá ser avaliado por palpação transretal (Senger 2005, Sheldon et al. 2008, Noakes et al. 2009a).

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A rapidez com que a integridade uterina é restaurada não é homogénea mas antes depende do grau de envolvimento dos diferentes segmentos uterinos na formação da placenta. Numa gestação univitelina, o corno uterino não gravítico completa mais rapidamente a involução do que o corno uterino gravídico. Também o epitélio das regiões inter-carunculares é reparado mais rapidamente do que as áreas correspondentes às carúnculas e apresenta-se íntegro aos 8 dpp (Senger 2005). Embora as camadas tissulares mais profundas apenas estejam completamente restauradas entre as 6 a 8 semanas pós-parto (spp), o epitélio uterino deverá apresentar-se integro aos 20 dias após o nascimento da cria. Contudo, o fim do processo involutivo apenas é alcançado aos 40-50 dpp (Frazer 2005, Sheldon 2008).

Ao longo deste processo, é habitual a vaca apresentar um corrimento vaginal, que se considera ser normal até aos 15-20 dpp. No decorrer da involução uterina a sua coloração evolui de vermelho-acastanhado, para branco-amarelado e a sua consistência torna-se mais viscosa (Senger 2005).

Na prática, observa-se alguma variabilidade da duração da involução uterina, decorrente da intervenção de diversos fatores individuais, tais como a idade, raça, ou maneio nutricional da vaca leiteira e por conseguinte da profundidade do seu BEN, assim como a presença, ou a inexistência de uma patologia do puerpério (Harrison et al. 1986, Kindahl et al. 1999).

1.2. Reinício da atividade ovárica no pós-parto

Durante os primeiros dois trimestres de gestação, os ovários continuam a apresentar ondas recorrentes de desenvolvimento folicular, com intervalos regulares de 7 a 10 dias. Estas interrompem-se sensivelmente a meio do 8º mês de gestação, quando o forte retroação negativa da progesterona (P4)- secretada maioritariamente pelo corpo lúteo e em menor proporção pela placenta - e dos estrogénios (E2) placentários suprimem as oscilações recorrentes de FSH, responsáveis pelo desenvolvimento folicular. Por esta razão, nos últimos 20-25 dias da gestação os ovários apresentam-se num estado quiescente (Ginther et al. 1989, Ginther et al. 1996, Crowe et al. 1998, Crowe et al. 2014).

Na altura do parto, a reserva de LH na hipófise é muito baixa, devido ao efeito supressor dos estrogénios sobre a síntese hipotalâmica de GnRH e, consequentemente, desta gonadotropina (Nett et al. 1987). A ocorrência do parto liberta o eixo Hipotálamo-Hipófise desta retroação negativa, e a síntese de FSH e LH é reiniciada. A FSH é libertada para a circulação periférica, resultando em valores plasmáticos que se elevam de forma recorrente e transitória a partir dos 3-5 dias no

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período pós-parto (Savio et al. 1990). É a pulsatibilidade da FSH que permite o recomeço da atividade ovárica.

A primeira onda de desenvolvimento folicular ocorre a partir dos 7-10 dpp. Embora cerca de 60% das vacas leiteiras ovulem pela primeira vez próximo dos 25 dpp, esta ocorrência está muito dependente da inversão do BEN. Na maioria dos casos, a primeira ovulação pós-parto é silenciosa, isto é, não existe manifestação comportamental de estro associada e ocorre numa altura em que o útero ainda não se encontra apto a desempenhar a sua função reprodutiva (Kindahl et al. 1999, Crowe et al. 2014).

Em alternativa à ovulação o folículo dominante pode sofrer atrésia, originando uma nova onda de crescimento folicular e nova seleção de um folículo dominante, conduzindo a um atraso na primeira ovulação do pós-parto (Figura 3). Pode também ocorrer a formação de quistos ováricos, cuja incidência nos bovinos leiteiros varia entre 1 a 5% (Opsomer et al. 1998, Beam e Butler 1999, Kindahl et al. 1999).

Os atrasos no recomeço da atividade cíclica da fêmea estão invariavelmente associados à ausência de pulsos de LH. Para que esta situação seja evitada, é essencial que o maneio alimentar no período do pré-parto seja otimizado e a condição corporal da fêmea seja a ideal (entre 2,75 – 3, numa escala de 1 a 5), de modo a evitar perdas de condição superiores a meio ponto, uma vez que o estado metabólico nesta espécie tem grande impacto no ciclo éstrico (Crowe et al. 2014).

1.3. Imunidade Uterina

Em circunstâncias normais, o ambiente uterino é estéril, pois existem múltiplos obstáculos que previnem a colonização do trato genital (Noakes et al. 2009b). Existem

Figura 3 - Representação esquemática do reinício da atividade ovárica no pós-parto em bovinos de leite.

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vários mecanismos que, num animal saudável, previnem a contaminação da cavidade uterina:

 A presença de barreiras físicas, como a vulva e o cérvix, que condicionam a ascensão de agentes bacterianos da cavidade vaginal para o útero; este mecanismo é bastante eficaz na prevenção da contaminação dos órgãos genitais por bactérias existentes nas fezes, ou no ambiente onde o animal se encontra. A estas barreiras junta-se a contractibilidade do útero, que se encontra aumentada na fase folicular do ciclo, e que expulsa os fluídos produzidos no útero para o exterior (Noakes et al. 2009b).

 A atividade do sistema imunitário, tanto o adquirido como o inato (Sordillo 2016), que é um elemento chave na defesa do útero; o endométrio apresenta normalmente uma infiltração de células imunitárias (linfócitos, neutrófilos e/ou macrófagos, dependendo da espécie), em número variável, com a fase do ciclo éstrico e reprodutivo do animal, que em conjunto com as células epiteliais garantem a integridade da barreira imunitária ao nível do útero. A imunidade inata constitui a primeira linha de defesa do organismo. É rápida a atuar e tem um elevado espectro de neutralização dos potenciais agentes agressores. Contudo, ao contrário da imunidade adquirida, possui reduzida especificidade. No entanto esta última exige mais tempo para ser efetiva (Noakes et al. 2009b, Sordillo 2016).

 As próprias células do epitélio e estroma uterino desempenham um papel preponderante na ativação da resposta imunitária local. Ao identificarem determinadas moléculas associadas a potenciais agentes patogénicos, os receptores presentes nestas células estimulam os mecanismos da imunidade inata e ativam a cascata inflamatória, com a chamada de células fagocitárias para contenção da contaminação e proteção contra a infecção uterina (Beutler 2004, Akira et al. 2006, Sheldon et al. 2008).

No período pós-parto observa-se contaminação bacteriana da cavidade uterina na maior parte dos animais (entre 80-100% dos bovinos de leite) (Sheldon et al. 2008). No entanto, num bovino de leite saudável, o sistema imunitário deve ser capaz de proteger o animal de uma grande variedade de agentes patogénicos, incluindo vírus, bactérias e parasitas (Sordillo 2016).

Nos bovinos, os neutrófilos, células com grande poder fagocitário, são um elemento chave na defesa do útero contra as infecções uterinas (Hussain 1989, Bondurant 1999). Em bovinos de leite saudáveis, estas células sofrem uma ligeira diminuição por volta do chamado “período de transição” – i.e., o período compreendido

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entre as três semanas antes do parto e as três semanas no pós-parto (Grummer 1995). A fragilidade do útero é também maior nesta fase (Hammon et al. 2006). Os neutrófilos regressam às suas concentrações basais no órgão até às quatro semanas depois do nascimento da cria (Kehrli et al. 1989). Para além da redução no seu número, observa-se ainda uma diminuição da sua atividade (Figura 4) (Opsomer 2008).

Esta quebra na imunidade uterina está associada ao balanço energético negativo, considerado fisiológico quando não é excessivamente acentuado (Hammon et al. 2006). Assim, é possível afirmar que a eficácia dos mecanismos de defesa, locais e sistémicos, é influenciada, entre outros fatores, pelo estado metabólico do animal (Noakes et al. 2009b, Sordillo 2016).

Figura 4 - Atividade dos neutrófilos no peri-parto de vacas leiteiras de alta produção. Adaptado de

Opsomer (2008)

As interações entre o sistema imunitário e o sistema endócrino no pós-parto da vaca de aptidão leiteira parecem também estar parcialmente relacionadas com a imunossupressão associada ao período de transição. Na altura do parto, o aumento dos valores de várias hormonas esteroides é responsável por estas se ligarem aos recetores de glucocorticóides dos linfócitos e neutrófilos, resultando num efeito imunossupressor sobre as suas funções (Anderson et al. 1999, Lippolis et al. 2006, Kelley et al. 2007).

Ambos os tipos de imunidade (inata e adquirida) deverão atuar sinergicamente, de modo a oferecerem a melhor proteção possível contra agentes patogénicos. Contudo a imunidade adquirida pode demorar até vários dias a ser efetiva, originando uma resposta. No entanto, tem uma especificidade superior, para o agente infecioso alvo e poderá ser aumentada pela exposição repetida ao mesmo microrganismo (Sordillo 2016).

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1.3.1 Influência dos Esteroides Sexuais na Imunidade Uterina

Ao longo da vida reprodutiva das vacas leiteiras, existem várias interações que podem condicionar a eficácia da imunidade uterina, decorrentes da alternância das hormonas sexuais (LeBlanc 2008).

Durante o estro e na altura do parto, elevadas concentrações de estrogénios induzem a alterações no número de glóbulos brancos em circulação. Observa-se neutrofilia com desvio à esquerda e também um aumento da irrigação sanguínea do útero (Noakes et al. 2009b). O aporte sanguíneo aumentado, associado a um incremento na migração de glóbulos brancos ao útero promove uma capacidade de fagocitose dos neutrófilos superior e favorece a defesa contra agentes contaminantes que chegam ao órgão através de um canal cervical permeável (Noakes et al. 2009b). Concentrações elevadas de estrogénios conduzem ainda a um aumento da produção de um muco cervical mais fluído. O muco cervical tem um papel importante na defesa do ambiente uterino, pois constitui uma barreira física importante e contribui para a diluição das bactérias contaminantes (Noakes et al. 2009b).

Por outro lado, durante a fase lútea e na gestação, em que a progesterona é a hormona dominante, os efeitos do estrogénio são revertidos. Elevadas concentrações de progesterona suprimem a produção de muco, que se torna mais viscoso, diminuem a contractilidade da parede do útero e encerram o canal cervical, enquanto estimulam uma secreção mais rica das glândulas uterinas (histiotrofo) e deprimem a atividade fagocitária dos neutrófilos. Ou seja, promovem um ambiente propício à ocorrência da fecundação e ao desenvolvimento inicial do embrião, mas tornam este órgão mais sensível a agentes invasores (Frank et al. 1983, Hussain 1989, Bondurant 1999) pelo efeito supressor que exercem sobre as defesas imunitárias (Lewis 1997, Hammon et al. 2006, Noakes et al. 2009b).

Vários trabalhos mostram que o aparecimento do primeiro corpo lúteo precede frequentemente o começo de patologia uterina de tipo inflamatório (Lewis 2004). Por exemplo, quando um grupo de bovinos de carne foi experimentalmente exposto, no pós-parto, a infusões intrauterinas de Trueperella pyogenes (T. pyogenes) e Escherichia coli (E. coli), apenas os animais com uma concentração plasmática elevada de progesterona desenvolveram infeção (Del Vecchio et al. 1992). Os mecanismos de ação da progesterona são complexos e ainda não estão inteiramente compreendidos. No entanto, a justificação para este facto poderá residir, em parte, na sua ação sobre a regulação da função e eficácia dos neutrófilos (Sheldon et al. 2006, Sheldon et al. 2008).

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Contudo, apesar dos efeitos do estrogénio e da progesterona serem antagonistas, ambas as hormonas funcionam de forma sincronizada, permitindo que a imunidade uterina seja regulada a favor do animal; na fase folicular, os níveis elevados de estrogénio permitem uma maior eficácia da imunidade deste órgão contra os agentes patogénicos oportunistas, que abundam nesta etapa; na fase lútea, quando o útero está menos exposto a agentes contaminantes, as elevadas concentrações de progesterona permitem que exista uma maior tolerância para as etapas inicias de uma potencial gestação (Liu e Hansen 1993).

2. Metrite no Pós-Parto

2.1. Definir Metrite Pós-Parto

É importante o clínico conseguir classificar adequadamente uma patologia uterina, pois é com base nesta classificação que poderá selecionar a melhor abordagem de um leque de opções terapêuticas disponíveis e prever a evolução da situação clínica e a resposta ao tratamento.

Se a definição de uma situação de piómetra não levanta usualmente problemas, pois compreende a acumulação de material purulento no lúmen uterino na presença de um corpo lúteo (persistente) e de uma cérvix fechada (Sheldon et al. 2008), já a distinção entre os outros processos inflamatórios do útero não é geralmente tão clara. No entanto, é importante distinguir entre animais que apresentam uma metrite e os que evidenciam endometrite. Ambas as doenças partilham fatores etiológicos e predisponentes comuns, mas o tratamento a instituir e as sequelas delas derivadas são distintas (Roberts 1986b, Bretzlaff 1987, Noakes et al. 2009b). Por outro lado, um dos principais desafios quando se fala de MPP é a inexistência de uma distinção que permita a gradação da gravidade ou da apresentação clínica desta afeção. Isto dificulta a interpretação e comparação dos diferentes trabalhos publicados, uma vez que os critérios de classificação da doença variam entre eles (Lewis 1997, Wagener et al. 2014).

Para tentar uniformizar a classificação dos processos inflamatórios do útero, Sheldon et al. (2006) definiram MPP como a inflamação de todas as camadas da parede uterina ocorrendo até aos 21 dpp. Estes autores propõem ainda a subdivisão da MPP em duas entidades clínicas: a Metrite Puerperal Aguda (MPA) e Metrite Clínica (MC), consoante se observem ou não sinais clínicos, respectivamente (Sheldon et al. 2006).

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Uma vaca com MPA apresenta, no período até aos 21dpp, um útero anormalmente aumentado, um corrimento aquoso fétido e vermelho-acastanhado, e sinais sistémicos de doença (decréscimo da produção de leite, apatia e outros sinais de toxemia) e febre (temperatura corporal> 39,5 °C). No entanto, uma vaca com MC, embora não apresente sinais clínicos de doença, apresentará, no mesmo período, também um volume de útero anormalmente elevado e um corrimento vaginal muco-purulento (Sheldon et al. 2008).

Considera-se que se trata de uma endometrite se entre os 21 e os 26 dpp se observa a persistência de corrimento vaginal purulento (> 50% de pus) ou mucopurulento (> 50% de mus e muco), respetivamente, sem a presença de sinais clínicos adicionais. É esta diferença temporal e a ausência de sinais clínicos, como por exemplo a febre e a diminuição do apetite, que permitem diferenciar clinicamente as duas patologias (Sheldon et al. 2006, Sheldon 2008). Do ponto de vista histopatológico, a endometrite é confirmada pela existência de uma a inflamação que se limita ao endométrio (Bretzlaff 1987, Correa et al. 1993, Sheldon e Noakes 1998).

Apesar de, em contraste com a MPP, a endometrite não comprometer seriamente a saúde do animal, esta tem profundos efeitos na fertilidade do bovino a médio/longo prazo e deve ser encarada como uma possível consequência da MPP (Noakes et al. 2009b).

2.2. Aspectos epidemiológicos

Em bovinos de leite de raça Holstein-Friesian, 40 a 70% das fêmeas desenvolvem algum tipo de patologia metabólica ou infeciosa no primeiro mês de lactação, o que favorece a ocorrência de MPP, as quais apresentam grande impacto nos índices reprodutivo destas vacas (Santos et al. 2009, Santos et al. 2010, Ribeiro et al. 2013).

A prevalência da MPP (Figura 5) varia entre estudos, situando-se entre os 2,2% e os 42.3% (Markusfeld 1987, Kelton et al. 1998, Goshen e Shpigel 2006, Azawi 2008). Esta discrepância pode resultar de diversos fatores, como a falta de homogeneidade nos métodos de diagnóstico, na classificação das infeções uterinas, no período pós-parto no qual a patologia foi identificada, na paridade dos animais, assim como na caracterização geral dos grupos de bovinos, ou nas práticas de maneio aplicadas em cada exploração analisada. (Curtis et al. 1985, Markusfeld 1987, Lewis 1997, Foldi et al. 2006).

Pelas razões anteriormente referidas, os valores da incidência desta patologia apresentam também um amplo espectro, situando-se entre 10,1-65,5 % (Borsberry e

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Dobson 1989, Hirvonen et al. 1999, LeBlanc et al. 2002a). A ocorrência de novos

casos da doença é mais frequente em vacas primíparas (Giuliodori et al. 2013, Bartolome et al. 2014), nas explorações de maiores dimensões, em animais que parem entre Novembro e Abril e em bovinos com mais do que três partos (Bruun et al. 2002, Sheldon e Dobson 2004).

O ambiente uterino no pós-parto é propício à multiplicação de uma grande variedade de bactérias aeróbias e anaeróbias (Sheldon et al. 2008). As principais bactérias associadas à ocorrência da MPP encontram-se enumeradas em diferentes estudos e incluem a Escherichia coli, Trueperella pyogenes, Bacteroides sp., Fusobacterium necrophorum e Prevotella sp (Dohmen 1995, Sheldon e Dobson 2004, Miller et al. 2007, Sheldon et al. 2008, Santos et al. 2010, Santos e Bicalho 2012).

A Trueperella pyogenes é considerada a bactéria de maior relevância no aparecimento das infeções uterinas do puerpério. Os motivos surgem associados à sua resiliência no ambiente uterino, à resistência ao tratamento e à ação sinergética relativa às bactérias gram negativas, descrita por Mateus et al. (2002) em 74% das citologias uterinas realizadas. Contudo, um estudo realizado por Silva e colaboradores, em 2008, demonstrou que tipos clonais diferentes desta mesma bactéria parecem apresentar consequências díspares para a saúde uterina. Enquanto alguns destes tipos clonais surgiam obrigatoriamente associados a animais com um diagnóstico de MPP positivo, outros clones da mesma bactéria foram isolados de vacas clinicamente

Figura 5 - Incidência de diferentes formas de inflamação uterina nos dois meses após o parto em bovinos

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saudáveis. Este estudo revelou ainda que a presença de genes associados a uma elevada virulência de um determinado tipo clonal de T. pyogenes, por si só, não estaria associada à ocorrência obrigatória da patologia. Esta conclusão fortalece a ideia de que é a interação entre os fatores intrínsecos associados ao animal, a sinergia entre as diferentes estirpes bacterianas que colonizam o útero no pós-parto e a virulência do agente, que determinam a ocorrência das infeções uterinas no puerpério dos bovinos de leite (Silva et al. 2008).

Em 2014, o trabalho de Wagener et al. veio reforçar a importância da interação entre os vários agentes envolvido na patogenia da MPP. Neste estudo analisaram-se 200 citologias uterinas, obtidas de um total de 40 animais no período pós-parto. Os agentes isolados incluíam a Trueperella pyogenes (43,5%), E. coli (21,5%), Bacillus sp. (21%), Streptococcus uberis (18,5%), Staphylococcus coagulase-negativo (11,5%), seguidos de Aerococcus sp., Mannheimia sp. e Corynebacterium sp. (<10%). Este trabalho mostrou que a contaminação inicial por E. coli, seguida por Streptococcus uberis (S. uberis) e, mais tarde, pelo estabelecimento de infeção por T.pyogenes, seria o reflexo das mudanças dramáticas que ocorrem na microbiota uterina após o fim da gestação. O facto de apenas em 3% dos casos terem sido simultaneamente isoladas estas três estirpes de bactérias, poderá ainda sugerir a existência de um potencial antagonismo entre as mesmas. Para fortalecer esta ideia, os resultados mostram que, em animais onde não existia contaminação inicial por E.coli, a probabilidade de se conseguir isolar T. Pyogenes é 4,3 vezes superior à de animais cujas amostras foram inicialmente positivas para E. coli (Wagener et al. 2014). Estes dados contradizem aqueles previamente referidos não só por Silva et al. (2009), mas também por Williams et al, num estudo realizado em 2007. Estes estudos revelaram que enquanto agente isolado, a E. coli não seria capaz de induzir uma infeção uterina, ocorrendo o inverso quando associada a outros agentes bacterianos, nomeadamente em associação com T. Pyogenes (Williams et al. 2007, Silva et al. 2009, Henriques et al. 2014).

Outro dado interessante associado ao estudo de Wagener et al., foi a referência, pela primeira vez, de que a presença da S. uberis no terceiro dia após o parto aumenta o risco de subsequente infeção por T. Pyogenes (Wagener et al. 2014).

Para além do efeito destes agentes bacterianos da etiopatogenia da MPP, pensa-se que o Herpesvírus Bovino tipo 4 possa também estar associado a alguns casos da doença. Este agente vírico apresenta tropismo para as células do endométrio, particularmente para as células do estroma. Apesar de poucos estudos o associarem à MPP, já foi isolado em vários dos casos analisados (Donofrio et al. 2007, Sheldon et al. 2008).

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2.3. Fisiopatologia

Como foi referido anteriormente, durante o período de transição vários patamares de imunidade encontram-se diminuídos nas vacas de aptidão leiteira. As causas desta depressão imunitária são ainda pouco claras. Suspeita-se que estejam associadas ao profundo balanço energético negativo existente em consequência da diminuição de ingestão de alimento, e de pequenos desequilíbrios em vitaminas e minerais benéficos para o correto funcionamento das células imunitárias (Goff e Horst 1997, Kehrli et al. 1999, Ingvartsen 2006). Também as alterações a nível hormonal descritas previamente parecem estar-lhe associadas (Goff e Horst 1997, Kehrli et al. 1999, Ingvartsen 2006).

Para compreender o modo como a MPP surge, é crucial diferenciar infeção de contaminação uterina. Enquanto o termo infeção implica a quebra de múltiplas barreiras físicas e/ou imunitárias, assim como a adesão das bactérias ao epitélio uterino, a contaminação surge sempre que existem bactérias num local que deveria ser estéril, como é o caso do útero (Bondurant 1999, Janeway 2002, Sheldon et al. 2006). No pós-parto, a presença de lóquios e de restos celulares na cavidade uterina, assim como uma maior fragilidade da superfície do epitélio, proporcionam excelentes condições para a adesão e multiplicação de bactérias contaminantes (Peter e Bosu 1987, Dohmen et al. 2000, Mateus et al. 2003).

Para que a ocorra MPP, é necessária a aderência de organismos patogénicos à mucosa uterina, de que pode resultar a colonização bacteriana, a invasão do epitélio e/ou a libertação de endotoxinas e outras substâncias de origem bacteriana (Azawi 2008). As endotoxinas libertadas constituem um sinal positivo de quimiotaxia para os leucócitos, ativando-os e estimulando a sua migração até ao local da infeção. Nas células imunitárias chamadas ao local, as toxinas induzem a libertação de histamina e citoquinas pro-inflamatórias, que por sua vez ativam uma série de cascatas de mediadores inflamatórios, como a Fosfolipase A2, a Ciclooxigenase-2 e a 5-Lipoxigenase. Estes patamares levam à produção de vários Eucosanoides, entre eles a prostaglandina F2α (PGF2α), que possui propriedades luteolíticas e imuno-estimulantes, que contribuem para o aumento da contractilidade do útero e para a interferência no ciclo reprodutivo da fêmea afetada (Madej et al. 1984, Peter e Bosu 1987, Kindahl 1992, Kindahl 1996, Bondurant 1999, Hirsbrunner et al. 2003, Mateus et al. 2003, Lewis 2004, Sheldon e Dobson 2004, Sheldon 2004).

Esta resposta inflamatória é responsável pela diminuição do apetite do animal, aumentando simultaneamente as necessidades energéticas da fêmea para a ativação de uma resposta imunitária eficaz contra a infeção. Todo este processo redireciona os

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gastos energéticos de outros processos fisiológicos, como aqueles destinados à produção leiteira, à função reprodutiva e até mesmo à integridade do sistema imunitário, resultando num défice energético adicional (Colditz 2002, Demas et al. 2003, Romanyukha et al. 2006, Gifford et al. 2012).

Os mediadores inflamatórios produzidos pelos tecidos afetados e pelo fígado atingem outros locais do trato reprodutivo, como os ovários, mas também o cérebro, influenciando os processos fisiológicos que controlam o ciclo reprodutivo da fêmea (Ribeiro et al. 2016).

Contudo, apesar da ocorrência de contaminação bacteriana do útero no período pós-parto ser um achado frequente, por si só, não deve ser capaz de comprometer o restabelecimento anatómico e histológico do trato genital (Foldi et al. 2006).

A ocorrência, ou não, de infeção dependerá do estado imunitário do animal, assim como da carga bacteriana e grau de patogenicidade da mesma (Sheldon e Dobson 2004, Sheldon et al. 2008).

2.4. Factores Predisponentes

A maior parte das patologias de pós-parto em bovinos de leite têm uma natureza multifatorial; esta simples premissa é fundamental para a compreensão do período de transição das vacas leiteiras (LeBlanc et al. 2006).

Também a MPP pode surgir quer em consequência de outras patologias quer como condição primária, conduzindo muitas vezes a uma cascata de outros problemas concomitantes no pós-parto (Vergara et al. 2014). Todos os fatores que comprometam a involução uterina, promovendo a acumulação de material necrótico e fluídos na cavidade uterina e evitem a eliminação mecânica da contaminação bacteriana do útero no pós-parto favorecem o desenvolvimento de metrite. Um bom exemplo da MPP como patologia secundária surge quando estamos perante uma fêmea gestante com hipocalcemia. Esta condição reflete-se numa diminuição da contractilidade uterina, conduzindo a uma situação de distócia e aumentando o risco de retenção placentária (RP) e da criação de condições ótimas para uma consequente MPP (Guterbock 2004). Existem vários fatores predisponentes associados à MPP. Alguns deles surgem de forma consistente na literatura, enquanto outros são suscetíveis a alguma controvérsia (Bruun et al. 2002). Aqueles que são considerados de forma consistente estão associados a problemas aquando do parto, nomeadamente a distócia e a RP, havendo também uma forte associação a animais com hipocalcemia aguda, gestação

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gemelar, que tenham sofrido abortos, ou cujo parto tenha resultado em nados-mortos (Markusfeld 1984, Sheldon e Dobson 2004, Potter et al. 2010).

Entre os fatores predisponentes sugeridos mas que não reúnem completo consenso incluem-se uma diminuição de ingestão de matéria seca antes do parto (Huzzey et al. 2007), o tamanho do efetivo (Kaneene 1995), a paridade e idade do animal (Urton et al. 2005), a época do parto (Benzaquen et al. 2007) e a existência anterior de cetose (Curtis et al. 1985, Kaneene 1995). Também a falta de condições higiénicas da exploração favorece um aumento da incidência da MPP (Foldi et al. 2006).

O carácter multifatorial desta patologia é evidenciado no esquema seguinte (Figura 6) que, de forma simplista, expõem a relação causa-efeito existente entre diferentes condições e afeções do pós-parto (Opsomer 2008).

Figura 6 - Factores de risco na metrite puerperal em vacas de alta produção e sua interação. Adaptado

de Opsomer (2008)

No trabalho que aqui apresentamos será dado particular destaque à RP e à Cetose, pelo que esta revisão da literatura está direcionada para os tópicos determinados pelos dados a apresentar na segunda parte deste documento.

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2.4.1. Retenção Placentária

A retenção das membranas fetais, denominada simplesmente de Retenção Placentária (RP), é uma patologia muito comum no pós-parto dos bovinos de leite (LeBlanc 2008).

Durante o trabalho de parto, a degradação de uma grande quantidade de colagénio e de outras proteínas é normal e resulta, para além de outras alterações, na separação das membranas fetais para posterior expulsão (Eiler e Fecteau 2007). A RP ocorre sempre que existe uma falha na expulsão da placenta até 24 horas após o nascimento da cria. Existem autores que consideram que esta patologia pode ser diagnosticada, quando há um atraso na expulsão superior ou igual a 8-12 horas pós-parto (hpp), uma vez que 95% das vacas expulsam as membranas fetais em menos de 12 hpp (Van Werven 1992, Kelton et al. 1998, Eiler e Fecteau 2007, Hillman e Gilbert 2008, LeBlanc 2008).

De acordo com a sua etiologia, a RP pode ser classificada em primária, ou secundária. Na RP primária o fator chave corresponde à falha na quebra das ligações carunculo-cotiledonares, levada a cabo pelo sistema imunitário, por inadequada proteólise da matriz proteica a nível dos cotilédones e consequente incapacidade de expulsão das membranas fetais; a RP secundária está geralmente associada a uma falha mecânica na expulsão das membranas após a sua separação, causada por exemplo por atonia uterina decorrente de hipocalcemia. Apesar desta categorização, a etiologia da doença pode resultar de uma combinação de fatores associados tanto à RP primária como à secundária (Eiler e Fecteau 2007, LeBlanc 2008).

Ao longo do tempo foram identificados quatro fatores principais para a ocorrência da RP: a atonia uterina, o edema das vilosidades coriónicas, os estados inflamatórios e a inativação dos neutrófilos (Roberts 1986a, McNaughton 2009).

Como referido anteriormente, durante o período do peri-parto das vacas leiteiras de alta produção, o seu sistema imunitário apresenta-se fragilizado. Esta imunossupressão resulta do stresse metabólico associado às flutuações hormonais e metabólicas, ao BEN e à diminuição de proteínas, minerais e vitaminas necessárias para satisfazer as necessidades quer do feto, quer do início da lactação. Nos animais em que este desequilíbrio é mais acentuado, como nas vacas altas produtoras, existe uma situação fisiológica de stresse que se acentua no termo da gestação, agravando os efeitos exercidos sobre o eixo Hipotálamo-Hipofisário-Adrenal. Daqui resulta um agravamento do efeito imunossupressor observado na fase de transição, que se reflete numa diminuição da proliferação e da função leucocitária, no decréscimo da citotoxicidade dos linfócitos e na depressão na atividade das citoquinas inflamatórias, que comprometem o normal e eficiente reconhecimento e rejeição materna das

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membranas fetais, levando à sua retenção (Hammon et al. 2006, Mordak e Stewart 2015). Além dos efeitos imunossupressores, o stresse metabólico característico desta fase do ciclo reprodutivo resulta também na ativação da secreção de catecolaminas, nomeadamente de adrenalina. Esta conduz à ativação dos recetores de adrenalina do miométrio, causando hipotonia ou atonia do útero e contribuindo para a retenção das membranas fetais (Mordak e Stewart 2015).

No momento do parto ocorre uma lesão de menor ou maior grau ao endométrio uterino que conduz sempre à perda de epitélio superficial e à exposição das células do estroma a bactérias, e por consequência há a possibilidade de ocorrerem lesões adicionais (Potter et al. 2010). Uma distócia aumenta a probabilidade da ocorrência de traumatismo do trato genital da fêmea, por vezes em consequência de uma ajuda prematura e de intensidade desnecessária com o objetivo de acelerar o normal evoluir do trabalho de parto. Por isso tem sido associada a uma alteração do sincronismo hormonal da expulsão da placenta, pela acumulação excessiva de mediadores imunológicos que comprometem a eficiência da separação da placenta (Brozos et al. 2009, Shixin et al. 2011).

LeBlanc, em 2008, sugere que tanto a RP como a MPP são consequência de um sistema imunitário deprimido, característico do período de transição, iniciado pelo menos duas semanas antes do parto (LeBlanc 2008).

O diagnóstico de MPP surge subsequentemente ao de RP em 25 a 55% dos casos. Isto ocorre porque, aliado à imunossupressão característica desta fase do ciclo reprodutivo, a ocorrência prévia de RP fornece o ambiente ideal para a multiplicação bacteriana e aparecimento da infeção, graças à grande quantidade de tecido necrosado e ao atraso na expulsão das lóquias. Além disso, há também uma maior probabilidade da ocorrência de lesões associadas à remoção manual das membranas placentárias, existindo uma quebra adicional na imunidade inata do útero e por isso uma maior probabilidade de infeção uterina (Kaneene et al. 1986, Bolinder et al. 1988, Sheldon e Dobson 2004, LeBlanc 2008). Por isso, muitos dos fatores de risco associados à RP são idênticos aos que predispõem à MPP. Dentro destes incluem-se os partos distócicos, a ocorrência de aborto (infecioso ou esporádico), as gestações gemelares, a hipocalcemia, e o nascimento de nados-mortos (Correa et al. 1993, Grohn e Rajala-Schultz 2000, Bruun et al. 2002, Hillman e Gilbert 2008).

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2.4.2. Cetose

A cetose enquanto condição patológica surge quando a produção de CC excede a capacidade do animal em os utilizar como fonte de energia, dando lugar a elevadas concentrações de cetonas no sangue, urina e leite das fêmeas afetadas. Em simultâneo, aumentam as concentrações de AGNE e a fêmea mantém-se hipoglicémica (Fleming 2015).

A cetose pode ser classificada, de acordo com as concentrações sanguíneas de glicose, insulina e cetonas, em cetose de tipo I e cetose de tipo II (Fleming 2015).

A cetose de tipo I, também conhecida por cetose primária, caracteriza-se por uma redução da concentração de glucose sanguínea e das reservas de glicogénio a nível hepático, assim como por um aumento da mobilização das reservas energéticas. Culmina com a acumulação de CC em consequência de um BEN não compensado no início da lactação (Fleming 2015).

Por outro lado, a cetose de tipo II está associada a elevadas concentrações sanguíneas de insulina e a um estado transitório de hiperglicemia, secundários a um armazenamento exagerado de gorduras e à sua mobilização, levando a um estado de lipidose hepática (Fleming 2015).

Os sinais clínicos associados à cetose não são muito específicos, tendo levado a classificar esta patologia como clínica, quando existe sintomatologia, ou subclínica, quando evolui na ausência de manifestações evidentes de doença. Neste último caso, o diagnóstico é feito com base na concentração plasmática de CC. O BHBA é o CC predominante em circulação e o mais utilizado como indicador da cetonemia. As concentrações normais de BHBA plasmáticas em vacas são inferiores a 1,0 mmol/L. Nas cetoses subclínicas os valores de BHBA atingidos são iguais, ou superiores a 1,2 mmol/L e em vacas com cetose clínica ultrapassam os 2,9 mmol/L. A diminuição da condição corporal, a produção de leite diminuída ou inalterada e um desempenho reprodutivo abaixo do esperado são algumas das características encontradas nas fêmeas com cetose subclínica (Duffield 2000, Rutherford et al. 2016).

Não existe consenso sobre os fatores predisponentes da cetose, uma vez que esta patologia pode ser a causa primária, ou a consequência de outras doenças. A cetose ocorre no período pós-parto inicial, com cerca de 90% dos casos a surgirem nos primeiros 60 dias de lactação. Independentemente da sua etiologia, sabe-se que a sua ocorrência é mais frequente nas últimas semanas de gestação e no primeiro mês de lactação, e cada vez menos a partir do segundo mês de lactação. Existe um pico de prevalência de cetose subclínica nas primeiras duas semanas de lactação e

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intervalos entre partos prolongados aumentam substancialmente o risco de cetose (Radostits et al. 2007 , Scott et al. 2011 , Gordon et al. 2013).

A condição corporal da fêmea terá um papel preponderante nas consequências que poderá ter a diminuição de ingestão de alimento. Vacas leiteiras com uma condição corporal menor que 3 (numa escala de 5 pontos), antes do parto, não possuem as reservas de energia e proteína necessárias à obtenção de leite com níveis adequados de gordura, ou para a uma boa resistência às principais patologias do puerpério. No caso de fêmeas com uma condição corporal ≥ 3,5 há uma tendência para que a perda de apetite, considerada normal antes do parto, surja exacerbada (Bicalho et al. 2010, Sordillo 2016).

A cetose encontra-se frequentemente associada à MPP, uma vez que elevados valores de AGNE aumentam o risco de infeção uterina (Ospina et al. 2010, Dubuc et al. 2011, Giuliodori et al. 2013). Por um lado, porque constituem a prova de que o animal está em défice energético e vitamínico; por outro, porque se suspeita que concentrações elevadas de AGNE inibam a ação dos neutrófilos (Hammon et al. 2006, Sordillo 2016). Estes fatores, aliados às acentuadas necessidades energéticas desta fase e à contaminação bacteriana associada ao parto, resultam na presença de stresse oxidativo que contribui para um estado pro-inflamatório desfavorável à atuação eficaz do sistema imunitário, aumentando o risco de MPP (Hammon et al. 2006, Scalia et al. 2006, Sordillo et al. 2009, Ster et al. 2012).

Imediatamente após o parto, as concentrações séricas de CC encontram-se mais elevadas em vacas que desenvolvem MPP, quando comparado com os animais que não desenvolvem a patologia (Hammon et al. 2006, Giuliodori et al. 2013). Assim, a MPP surge associada a níveis elevados de AGNE, detetados pela medição dos teores de corpos cetónicos resultantes da sua metabolização, no período compreendido entre as duas semanas pré-parto até às 1 a 4 semanas no período pós-parto (Hammon et al. 2006). Concentrações elevadas de AGNE e de BHBA antes do parto mostraram ser fidedignas na identificação de vacas que desenvolveram posteriormente MP, em contraste com o observado com vacas que apenas apresentam níveis elevados após o parto (Dubuc et al. 2010).

2.5. Sinais Clínicos e Diagnóstico

Os sinais clínicos de metrite pós-parto variam de acordo com a virulência dos microrganismos envolvidos e dos factores predisponentes associados (Azawi 2008).

O primeiro alerta é dado normalmente pelo tratador dos animais, que nota alterações comportamentais na fêmea afetada, como apatia, anorexia, menor

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interação com os restantes animais, ou mesmo recusa em se levantar. Também a diminuição da produção individual de leite pode chamar a atenção para a existência de um potencial problema da saúde da vaca. No entanto, é a presença de corrimento vaginal de odor fétido e coloração alterada (Chastant-Maillard 2008), que permite que a MPP seja considerada de forma imediata nos diagnósticos diferenciais (Sheldon e Dobson 2004, Sheldon et al. 2006).

Para além de um cuidadoso exame físico do animal afetado é importante recolher dados relativos ao modo como o parto decorreu, ao número de crias e a sua vitalidade, assim como à história de ocorrência de patologias recentes, nomeadamente de RP ou de hipocalcemia (Burnell 2008).

As fêmeas afetadas apresentam sintomatologia sistémica associada à inflamação do útero, que, para além dos sinais previamente mencionados, pode incluir também temperatura corporal elevada (40-41ºC) e o aumento da frequência respiratória e cardíaca. A febre, contudo, não depende exclusivamente da carga bacteriana e não deve ser tida como único critério de diagnóstico, pois em alguns animais com sinais de infeção severa não foi detetada pirexia (Sheldon e Dobson 2004). A presença da cauda elevada e a existência de contrações abdominais podem surgir associadas ao desconforto abdominal (Burnell 2008, Noakes et al. 2009b). A ocorrência de toxemia, septicemia e piemia é muito comum, sendo a gravidade dos sinais clínicos variável (LeBlanc 2008, Noakes et al. 2009b). A sintomatologia sistémica é observada, quando existe a libertação excessiva de mediadores inflamatórios e de endotoxinas (Drillich et al. 2001, Sheldon e Dobson 2004, Foldi et al. 2006, Sheldon et al. 2006). Os sinais sistémicos podem ainda incluir, depressão, diarreia e subsequente desidratação (Lewis 1997, Sheldon e Dobson 2004, Sheldon et al. 2006).

À palpação rectal, o útero encontra-se aumentado, com uma quantidade considerável de exsudado com as características semelhantes às do corrimento vaginal. É comum a extensão da infeção para além da parede uterina, podendo ocorrer complicações como uma peritonite localizada, ou mesmo generalizada (Noakes et al. 2009b).

As características físicas do corrimento vaginal, como a cor e o odor, podem também ser correlacionados com a densidade das bactérias potencialmente patogénicas (Williams et al. 2005). No entanto, a presença de corrimento vaginal com características anómalas é apenas evidente em cerca de 24-33% dos casos de MPP, tornando o diagnóstico da patologia menos óbvio se não for realizado um cuidadoso exame físico da fêmea afetada (Zhou et al. 2001, Chastant-Maillard 2008).

Imagem

Figura 1 - Metabolismo energético em bovinos de leite. Adaptado de Ellis e Roderick (2000)
Figura 2 - Evolução do peso do útero ao longo do pós-parto. Adaptado de Techna (2016)
Figura 3 - Representação esquemática do reinício da atividade ovárica no pós-parto em bovinos de leite
Figura  4  -  Atividade  dos  neutrófilos  no  peri-parto  de  vacas  leiteiras  de  alta  produção
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Referências

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