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Parte I – Introdução

2. Metrite no Pós-Parto

2.6. Tratamento

Um diagnóstico precoce da MPP favorece uma recuperação rápida do estado geral da vaca e evita o aparecimento de patologias concomitantes, sendo essencial quer para o bem-estar do animal quer para manter os níveis de produção leiteira (Chastant-Maillard 2008).

A existência de planos de rastreio regulares do estado de saúde dos animais no puerpério é pois essencial para a eficiência da exploração leiteira (Chastant- Maillard 2008).

Depois de identificados os animais com MPP, o tratamento deve ser realizado com o objetivo de melhorar a fertilidade e produtividade do animal doente, evitando complicações concomitantes e perdas económicas desnecessárias (Benzaquen et al. 2007, Azawi 2008, LeBlanc 2008). O tratamento objetiva reduzir a carga bacteriana na cavidade uterina, interromper o ciclo inflamatório, potenciar a eficiência do sistema de imunidade local e facilitar a reparação do endométrio (Armengol e Fraile 2015).

Com estes objetivos em mente, o tratamento passa pela utilização de antibióticos, anti- inflamatórios não esteroides e, nos casos mais graves, o recurso à fluidoterapia (Noakes et al. 2009b, LeBlanc 2014).

Idealmente, a vaca deverá ser transferida para um local quente e o mais confortável possível, devendo ser separado dos restantes animais da exploração. Caso seja possível, devem ser removidas as membranas fetais pela aplicação de uma ligeira tração externa (Noakes et al. 2009b). No entanto, a introdução da mão na vagina e útero da vaca está contraindicada, uma vez que o órgão se apresenta fragilizado e repleto de conteúdo purulento, sendo desejável evitar eventuais lesões

adicionais que aumentariam a absorção de toxinas e a entrada de bactérias na corrente sanguínea (Noakes et al. 2009b).

Se o parto tiver ocorrido há menos de 2-3 dias, podem ser administradas 50 UI de oxitocina via endovenosa, para estimular a contração do útero e a expulsão dos fluidos e tecido necrótico. Contudo, no caso de a fêmea apresentar contrações frequentes, poderá ser aplicada uma anestesia epidural baixa. Esta anestesia local permite o alívio da dor e contrações por 1-2 horas o que por vezes é o suficiente para interromper o ciclo de contrações (Noakes et al. 2009b).

A utilização de antibioterapia sistémica isolada, a aplicação intrauterina exclusiva de antibióticos, ou a combinação destas duas opções terapêuticas tem sido frequentemente debatida entre especialistas (McDougall 2001, LeBlanc et al. 2002b, Runciman et al. 2008, Lefebvre e Stock 2012). Contudo a opção de uma aplicação local em detrimento de uma sistémica terá que ser muito bem ponderada em cada caso, pois a primeira poderá atrasar a recuperação do órgão. Por exemplo, as infusões que contêm tetraciclinas podem ser eficazes contra determinados casos moderados de endometrite, mas não são capazes de penetrar em todas as camadas da parede do órgão, como necessário no caso de uma MPP (Gilbert e Schwark 1992, Noakes et al. 2009b). Deve selecionar-se um antibiótico eficaz contra os principais agentes patogénicos envolvidos, e deve conseguir-se alcançar concentrações terapêuticas eficazes no ambiente uterino. Para além destas características, o antibiótico escolhido não deverá inibir os mecanismos normais de defesa e deverá ser bem tolerado e não irritante para o endométrio (Azawi 2008). No que respeita às opções de antibióticos para aplicação sistémica no tratamento da MP, estas incluem frequentemente o Ceftiofur (1 – 2 mg/kg, I.M., SID), ou a Penicilina G Procaína (21,000 UI/kg, I.M., BID), que devem ser administrados durante 3 a 5 dias (Smith et al. 1998, Drillich et al. 2001, Chenault et al. 2004).

Em 70% dos animais, a febre que acompanha a MPP desaparece 5 a 10 dias após o início do tratamento, embora a eliminação do corrimento vaginal fétido seja no geral mais lento (Drillich et al. 2001, Chenault et al. 2004).

Apesar de existir consenso sobre o uso da antibioterapia sistémica como parte integrante do tratamento da MPP pela gravidade dos sinais clínicos e ao risco de morte da fêmea afetada, os critérios utilizados para determinar o sucesso deste tratamento são no entanto inconsistentes (LeBlanc 2008), e podem estar na origem de resultados contraditórios encontrados na bibliografia, como acontece por exemplo em relação à administração de uma dose única de Ceftiofur de longa ação (Dubuc et al. 2011, McDougall et al. 2013). Existem dados que suportam a sua utilização, mas a cura clínica registada num período de 10 a 14 dias ocorre em apenas 75-80% dos

casos, encontrando-se em valores próximos da cura espontânea registada em 62% dos animais não submetidos a antibioterapia (Chenault et al. 2004). Ainda assim, existem evidências de que o tratamento permitirá obter um maior número de diagnósticos de gestação positiva após o tratamento, além de um menor risco de refugo associado ao insucesso reprodutivo (Giuliodori et al. 2013). Há ainda autores que aconselham a aguardar alguns dias após o aparecimento dos primeiros sinais clínicos antes da implementação da antibioterapia, pois consideram que pode ocorrer resolução espontânea em 20% dos casos (LeBlanc 2014).

Esta falta de concordância na abordagem terapêutica da MPP deverá ser esclarecida através da realização de testes clínicos em grupos de animais com uma maior dimensão (LeBlanc 2014).

Se a utilização de anti-inflamatórios não esteroides, nomeadamente flunixina meglumina, não melhora a eficácia da antibioterapia sistémica, eles são essenciais para o alívio dos sinais clínicos e bem-estar do animal, e poderão reduzir a produção de imunomediadores que comprometem outros sistemas, como o aparelho locomotor e a glândula mamária (Noakes et al. 2009b).

A utilização de estrogénios exógenos está contraindicada em casos de MPP, em particular no pós-parto inicial, pois o aumento do fluxo sanguíneo ao útero poderia aumentar a absorção de endotoxinas bacterianas, agravando a situação clínica inicial (Azawi 2008). Os reflexos deste tratamento na saúde e performance reprodutiva subsequentes não está ainda suficientemente claro no caso da MPP (LeBlanc 2014).

Após o início do tratamento médico, logo que a temperatura da vaca leiteira se aproxime dos valores normais e esta apresente sinais de melhoria clínica, poderá existir algum benefício na realização de lavagem e drenagem do útero (Noakes et al. 2009b) com um volume de solução salina estéril a uma temperatura próxima dos 49ºC, que tenha em consideração a quantidade de material purulento no interior do compartimento uterino e a capacidade do órgão (Hillman e Gilbert 2008). Numa fase inicial dos procedimentos é possível que a extremidade interna do tubo fique bloqueada pelo material acumulado no útero, que acabará por sair após uma série de repetições do procedimento. Durante a lavagem, os procedimentos de instilação e sifonagem devem ser repetidos até termos a mínima quantidade possível de material fétido no interior do órgão. A solução salina tem um efeito calmante e estimulante para o epitélio fragilizado, que juntamente com a eliminação do conteúdo fétido, auxilia no processo de involução uterino e na eliminação da carga microbiana. É nesta fase que algum benefício poderá ser obtido com os antibióticos intrauterinos, apesar dos riscos referidos anteriormente (Noakes et al. 2009b).

Em animais que já se apresentem cíclicos, ou que foram sujeitos a uma administração de GnRH com 7 a 10 dias de antecedência para garantir a presença de um corpo lúteo (Zdunczyk et al. 2001), a administração de PGF2α pode contribuir para a eliminação da infecção. Esta é responsável pela luteólise do corpo lúteo ativo, resultando na diminuição dos níveis de progesterona e subsequente indução do estro. Como foi referido anteriormente, elevados níveis de estrogénios, característicos desta fase do ciclo éstrico, estimulam a contractilidade uterina, podendo ser benéficos para a expulsão do conteúdo fétido. No entanto, o uso rotineiro de PGF2α no pós-parto apenas é eficaz na diminuição da prevalência de MPP se administrada 4-6 semanas após o parto. No entanto, a sua utilização ainda é polémica (Lefebvre e Stock 2012), havendo estudos que defendem que não existe qualquer benefício na sua administração (Roberts 1986b, Heuwieser et al. 2000, LeBlanc 2008, Dubuc et al. 2011).

O prognóstico respeitante à fertilidade subsequente de uma fêmea com MPP deve ser sempre reservado, uma vez que as vacas desenvolvem frequentemente lesões secundárias, de que são exemplo as adesões uterinas. Além disso, caso tenha existido piemia, poderão desenvolver-se abcessos nos pulmões, fígado, rim, ou mesmo no cérebro (Noakes et al. 2009b).

2.7. Consequências da Metrite Pós-Parto

O diagnóstico de MPP traduz-se numa série de consequências, diretas ou indiretas, com um impacto económico negativo relevante para as explorações (Pritchett 2005, Opsomer 2008). Estima-se que a doença se traduza, só na União Europeia, em 1,4 biliões de euros perdidos por ano (Sheldon et al. 2009). Estes custos surgem associados aos problemas de infertilidade, ao aumento da taxa de refugo, ao acréscimo no número de inseminações artificiais por fecundação, à diminuição da produção leiteira e aos encargos com o tratamento e prevenção da metrite, colocando assim em causa a sustentabilidade da exploração leiteira afetada (Pritchett 2005, Opsomer 2008, Giuliodori et al. 2013, Ribeiro et al. 2013, Dervishi et al. 2016).

Aliado aos efeitos negativos para a economia da exploração, o próprio bem- estar dos animais afetados é também colocado em causa, o que é agravado pela existência de uma maior predisposição para o desenvolvimento de outras patologias concomitantes (Opsomer 2008, Sheldon et al. 2009, Bicalho et al. 2010, Carneiro et al. 2016).

Por outro lado, a presença de bactérias patogénicas no útero conduz à produção de metabolitos de origem bacteriana e inflamatória, que interferem com a

produção de PGF2α e a luteólise, suprimem a secreção de LH pela hipófise, conduzindo ao alongamento da fase lútea e podem suspender a ovulação, ou seja interromper a ciclicidade ovárica nos bovinos de leite afetados (Sheldon et al. 2002). Estas alterações provocam uma diminuição da taxa de conceção e gestação. Num estudo com mais de 10 000 animais envolvidos (Fourichon et al. 2000), a MPP provocou um aumento de 7,2 dias à primeira IA, uma diminuição de 20% da taxa de concepção e um aumento de 18,6 dias entre o último parto e a concepção. Por conseguinte, aumenta o número de animais que enviados para refugo por infertilidade (LeBlanc et al. 2002a).

Para além de afetar a fertilidade da vaca leiteira, a MPP afeta também a produtividade do animal. Um bovino de leite com metrite tem uma produção de leite mais baixa, assim como um rácio mais baixo de gordura/proteína no leite, em comparação com os valores apresentados por animais saudáveis (Giuliodori et al. 2013, Dervishi et al. 2016).

No entanto, as consequências de uma MPP diferem em função da paridade do animal. Foi demonstrado que a ocorrência de MPP tinha implicações a longo prazo maiores em animais com mais do que um parto do que em fêmeas primíparas, embora não tenham sido encontradas diferenças entre primíparas e multíparas no que respeita às curvas de lactação, à quantidade de matéria seca ingerida, ou à probabilidade de refugo entre animais com e sem MPP. As causas para estas diferenças não são ainda claras, mas suspeita-se que estejam relacionadas com as diferenças na alimentação entre novilhas e vacas multíparas, uma vez que as primeiras mantêm a ingestão de matéria seca e possuem normalmente uma resposta imune mais rápida às infeções (Lessard et al. 2004, Wittrock et al. 2011).

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