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CAPÍTULO 1 – ESTÁ NO SANGUE, É DE FAMÍLIA

1.3 Famílias de sangue bom: sobre os pertencimentos de uns aos outros

Todos aqui são de uma família só. Todos aqui são primos. Quando o finado Henrique e a finada Vitorina arranjaram par, vieram fazer família aqui no Venâncio. Naquela época as terras não tinham dono, então eles levantaram as casas e plantaram os pés de coqueiro pra dizer que o lugar tinha dono.11

10 Nos dias de hoje, os herdeiros obtêm lucro do carnaubal por meio de arrendamento dos lotes. Uma empresa paga um valor anual de 2 mil reais e se responsabiliza por extrair, triturar e distribuir a matéria prima para produção da cera de carnaúba.

De forma cronológica, as famílias do Venâncio podem ser entendidas a partir da descrição da chegada do fundador do vilarejo, Victorino Ferreira da Costa Veras, do estabelecimento de seus filhos e da compra dessas terras em meados de 1870 (ver Genealogia 1). Fato que é rememorado com bastante orgulho e distinção pelos atuais descendentes, o estabelecimento do grande fundador Victorino, se faz presente quando são exibidos os documentos manuscritos de compra daquela terra, datados de 1879, 1881 e 1897.

A construção das “territorialidades” se processa pela atividade de demarcação de um território, como destacado por Cícero Vieira, no trecho acima, em que se fincou um pé de coqueiro como sinal do estabelecimento nas terras. A prática de cercar casas com espécies arbóreas, em espaços recém ocupados, não é uma atividade isolada. Micaelo (2014) já traz, em seu trabalho na Zona da Mata pernambucana, que as plantações de coco e banana, espécies frutíferas, estabelecem relações de propriedade e pertença ao lugar onde se planta, marca a presença de quem se planta por estas espécies apresentarem o ciclo de vida prolongado. Diferente de plantações de “ciclo curto”, ou anuais, como a macaxeira, os cultivos de coco e banana, na etnografia construída pela autora, ganham sentido por estarem vinculados à luta pela permanência naquela terra.

As árvores frutíferas, e aqui me refiro aos casos trazidos por Micaelo e por mim, adquirem uma conotação concreta: é alimento, sombra, fonte de recursos naturais, marcam o local de origem, o lugar para onde se deve voltar, uma referência. Mas sua concretude se expande ao simbólico, as árvores frutíferas são o local de origem das famílias, para as gerações vindouras, atuará como árvores da memória. Não somente referência geográfica, a árvore atua como referencial espaço-temporal, o começo daquele mundo e daquelas terras. Como traz Micaelo, “árvore de fruto vai tornando a terra em terra com dono” (MICAELO, 2014:174).

A ação de rememorar um tempo distante, tempo dos grandes fundadores, ou ainda, o tempo dos antigos, é uma tarefa e uma narrativa reproduzida e desempenhada por homens, geralmente, em uma conversa DE que muitos participam, os mais velhos iniciando as narrativas para em seguida os mais novos darem continuidade sob a aprovação daqueles.

A diferença cronológica entre mais velhos e mais novos, ou a diferença entre uma geração e outra, como foi posto acima, é em torno de 30 a 40 anos. Os mais velhos terão de 70 a

80 anos. Foi dessa maneira que seu Otacílio (aproximadamente 50 anos) e Zé Vieira (70 anos) relataram-me os arranjos de casamentos entre primos na localidade, o primeiro seguindo as falas do segundo. As narrativas dos herdeiros velhos podem ser observadas como uma atividade que demanda grande atenção dos mais novos. Não somente no contar das histórias, os conhecimentos dos mais velhos lhes conferem admiração e respeito. Para os mais velhos, bênçãos são pedidas, informações de como plantar ou cortar carnaubal são solicitadas e, como informa a imagem a seguir, o saber “tradicional” é um letramento imprescindível para habitar o vilarejo.

Imagem 4: Zé Vieira e o menino na bodega de Otacílio (maio/2012)

Sob os olhares de Zé Vieira e Seu Zé, Otacílio contou-me da fundação e dos arranjos entre as famílias que deram origem ao vilarejo. Essas foram rememoradas como pessoas de condição (boa condição financeira), a exemplo da finada Vitorina e do finado Henrique, que, por sua vez, passaram aos seus descendentes a condição de serem também pessoas de posses. Ao que consta, ambos mantiveram por algumas décadas as atividades como o transporte de jegues para

outras localidades do interior do Ceará, a farinhada e a extração e arrendamento dos carnaubais de seus territórios.

O tempo da finada Vitorina e do finado Henrique é um tempo no qual se aciona uma série de memórias que lembram a “origem epopeica”, conforme abordado por Godoi (1999), sobre o mundo dos Vitorino no contexto do sertão piauiense. O começo do mundo de Zabelê (e outros territórios adjacentes) se assemelha ao começo do mundo “do Vitorino” do Venâncio. Uma época marcada na memória coletiva como algo que aconteceu há muito tempo atrás, no tempo dos antigos, ou dos herdeiros antigos, um período de grandes dificuldades em um lugar que não tinha dono.

O início desse mundo se dá com o estabelecimento de Vitorino Ferreira e de Alexandre, seu filho, que, no momento da fundação do vilarejo, organizaram o espaço (então eles levantaram as casas) e criaram ordem (plantaram os pés de coqueiro pra dizer que o lugar tinha dono), formando o mundus do Venâncio, uma sociedade que se formou do vazio que eram aquelas terras, sendo as regras de parentesco o elemento provedor dessa organização social (WOORTMANN, 1995, p. 246).

Cabe aqui destacar que os habitantes pontuam algumas distinções entre os dois tempos, dos antigos e dos novos, não só no que diz respeito às atividades econômicas e de trabalho desempenhadas em cada época, mas principalmente na percepção de como o tempo é vivido. O tempo dos antigos era um tempo de dificuldades, muito trabalho com os carnaubais e na terra para produzir o que comer. Uma época de pouco dinheiro e muitos filhos. No tempo dos antigos, vemos o tripé do campesinato família-terra-trabalho como elementos mobilizadores fundamentais desse espaço-tempo.

O tempo dos novos, ou dos herdeiros novos - mesmo tempo de Otacílio, de Marli e de outros da mesma geração - são tempos marcados pelo decréscimo da quantidade de filhos, o trabalho na terra ainda permanece imperativo, mas a este se adiciona o trabalho na bodega e também o trabalho junto a pessoas “políticas”. Aqui, prevalece a conjugação de família-terra- política.

Isso não significa, no entanto, que no tempo dos herdeiros antigos as pessoas não atuavam “politicamente”, assim como não se pode dizer que no tempo dos herdeiros novos ninguém trabalhe arduamente á terra.

Para além da proximidade entre as casas, os “territórios de parentesco” produzidos por essas famílias se fazem e se atualizam nas práticas diárias de comer, avizinhar, trocar, nutrir, enterrar, apadrinhar e celebrar. Tais atualizações se fazem presente se levarmos em conta seu contexto cultural ou nexo interpretativo (PINA-CABRAL, 2013, p. 145). Pina-Cabral já sinalizava que a percepção do contexto no qual se constroem e se analisam categorias nativas é o substrato para uma interpretação mais fidedigna, propondo algo próximo ao jogo de linguagem de Wittgenstein (PINA-CABRAL p. 143). No seu caso de estudo entre pessoas no Baixo Sul da Bahia, para a manutenção de uma linha interpretativa dentro do contexto dos grupos em estudo, buscar-se-ia, como recomenda Wittgenstein, “confrontá-las com os contextos dentro dos quais eles faziam sentido” (Idem. p.146).

Aqui se poderia estender essa discussão sobre jogos de linguagem, contexto cultural ou nexos interpretativos através do tempo, e dentre as mais diversas teorias linguísticas e antropológicas, mas meu intuito aqui é, tão somente, criar um nexo interpretativo (e justificativo) para a recorrente utilização que venho fazendo sobre o sangue em minha pesquisa.

Para além dos imponderáveis que frequentemente encontram-se em campo, a tarefa de construir um argumento interpretativo sólido, cuja base seja o contexto etnográfico em questão, surge como uma das dificuldades encontradas em minha pesquisa. Percebi que, em muitas conversas, os moradores do Venâncio evocavam termos que possuíam um significado polissêmico. Sangue recorrentemente aparecia dentre estas conversas, ou sangue bom, quando diziam das qualidades das pessoas que nasciam naquele vilarejo. Essa polissemia pode ser observada em muitos contextos e com termos diversos. Dentro de um contexto cristão, o sangue simboliza a renovação, o sangue de Cristo tem a capacidade de cura. Se percebido em contextos metropolitanos, dentro de um hospital, o sangue exposto significa perigo de contaminação, mas, quando dentro da sala de cirurgia, é um líquido vital, de onde emanam propriedades de reavivar as pessoas. O sangue também é visto como interdição quando vinculado à menstruação, e assim posso elencar muitos outros exemplos.

Mas sua formulação aqui sugere um contexto próprio alocado no semiárido cearense, trata-se de algo particular do Venâncio, quando o que está em jogo é reconstituir ou procurar apreender como essa polissemia se apresenta no contexto do vilarejo e das pessoas que ali habitam e compartilham de um jogo de linguagem.

Dessa forma, sangue não surge sozinho, frequentemente acompanha-se de algo que anexe virtudes às pessoas, como por exemplo, ter consideração por alguém. Mas para ter consideração por alguém, é necessário vínculo, troca, contato, pois consideração é uma relação mútua e, por analogia, sangue passa a atuar no mesmo contexto semântico de consideração. Assim, quem tem sangue bom, se tem por consideração, e quem se tem em consideração, certamente tem sangue bom. É dessa maneira que entendo o seguinte trecho – diga-se que recorrentemente utilizado em meus trabalhos – de uma conversa que tive com Marli, na qual ela afirma:

Aqui todo mundo casa com quem quiser. Na minha família, não mando meu filho se casar com uma menina daqui, não. Ele casa com quem quer. Mas quando a gente se casa com quem já é conhecido não tem perigo de nascer ladrão, nem assassino, né? O sangue é bom, Deus sabe que é sangue bom, por isso não nasce nenhum aleijado, nem gente ruim. O bom de ser tudo familiar é que a gente sabe de onde vem, aí já confia mais.12

O papel simbólico da presença do sangue enquanto um elemento significativo e uma “substância”, é acompanhado pela circulação e pelas incessantes trocas de alimentos, de afetos, de atenções e de considerações com as cunhadas-vizinhas de Marli durante todo o dia. A casa aberta para as pessoas entrarem e pegarem água e café mostrou-me que, para além dos vínculos reciprocamente fincados, tal experiência desencadeava, ou era desencadeada, por vivências e transferências no e pelos corpos.

Pelo ângulo dos habitantes do Venâncio, segundo minha interpretação, a narrativa de casar com primo movimenta-se entre alguns caminhos. Se seguirmos o trecho da fala de D. Marli, o casamento entre familiares é visto como algo positivo, em que se garante o nascimento de pessoas boas, de confiança - assim não nascem pessoas de má índole. Dito de outro modo, o casamento entre primos mantém o perfil moral aceito naquele grupo. Outra nuance da narrativa segue para a ideia de que as pessoas são livres para casarem com quem desejarem. Na fala “Na minha família, não mando meu filho casar com menina daqui, não. Ele casa com quem quer” D.

Marli mostra que não obriga filho a fazer o que ela manda, ou seja, nesta fala, o sangue não prende a pessoa à terra e às pessoas.

No entanto, este trecho aponta que a narrativa de D. Marli, e corroborada por muitos de seus familiares, possui duas formulações alocadas em tempos distintos. Vejamos que do momento em que há liberdade de escolha de casamento, que é o momento dos namoricos, paqueras, quando os jovens e as jovens convivem frequentemente mesma rotina de calçadas, vizinhanças, almoços familiares, reuniões, etc., até o ato do casamento em si, ou seja, o momento de levantar casa, há um salto entre o momento dos namoricos e o levantar casa. Entre estes dois momentos há um espaço de tempo que coopera para a real efetivação daquilo dito por D. Marli. A variação discursiva entre essas duas narrativas não carrega contradição, tais discursos coexistem dentro do mesmo mundo de ideias. No entanto, elas aparecem em momentos distintos. O momento em que se tem liberdade de casamento é aquele em que o jovem (de maioria do sexo masculino) está decidindo se vai ou não trabalhar na cidade grande: é um jovem adulto procurando meios de “ganhar a vida”. Nesse momento ele pode até estar comprometido com alguém, mas ganhar dinheiro é imperativo. Então, é necessário que ele tenha liberdade para casar e para viver onde quiser.

O momento em que se casa e que se levanta casa já é diferente. Trata-se deste mesmo sujeito, que antes era jovem, que agora é maduro, voltando para o vilarejo depois de alguns anos trabalhando na cidade grande e querendo firmar moradia. Nesse momento ele casa e, aí sim, retorna com planos de levantar casa, construir família e retomar a vida de onde ele havia parado. O sangue bom o faz voltar e garantir que tenha uma família boa, de pessoas boas, sem assassinos e ladrões.

O que dificilmente encontrei nestes relatos sobre “o porquê dos casamentos entre primos” foi uma explicação que não recaísse na ideia de uma geração moral de pessoas. Os casamentos, em suas narrativas, davam continuidade ao modo particular do vilarejo de perceber o mundo. No entanto, foi no entendimento realizado por uma pessoa não aparentada por via sanguínea, que encontrei uma resposta que justificasse os casamentos entre primos. do vilarejo daquele narrado pelos familiares sobre a justificativa desses tipos de casamentos.

Rita, é uma jovem mãe solteira, moradora do vilarejo do Venâncio, uma das poucas habitantes daquelas terras que não possui parentesco com ninguém dali. Sua trajetória de vida

até a chegada no Venâncio envolve a compra, por seu pai, de um terreno, que hoje é o local de sua casa, no tempo dos antigos.

O envolvimento de Rita com as famílias acontece cotidianamente. Por mais que seja uma pessoa de fora, ela está inteiramente integrada ao cotidiano do vilarejo, participa das festas, das reuniões na calçada, da política – diga-se que ativamente. Nas eleições de 2016, Rita teve grande participação na divulgação de seu candidato, Jaime. Conjuntamente com Edmilson, filho de D. Adelaide e irmão de Marli, fizeram o grupo de oposição dentro do vilarejo, organizando passeatas, comícios e, principalmente, fazendo intriga. Por sua natureza externa ao vilarejo, por ser de fora, Rita possui outra opinião, ou sua própria teoria, sobre a razão dos casamentos serem tão frequentes no vilarejo, como ilustro no trecho de nossa conversa, em que pergunto sobre a origem das famílias do vilarejo:

Rita: Porque tem os Carvalho, tem os Vitorino e tem os Belchior. São três famílias, parece que naquela época primo casava com primo, só podia ser, você corre pra um lado é família, corre pra outro é família, vai pra frente é família, eu acho que só poderia ser isso, tá entendendo? Lorena: Mas hoje ainda continua, né?

Rita: Pois é, né? Aquele povo que não sai do lugar, casa com a mesma família, ou então alguém que não casa, porque aí vê alguém de fora e consegue morar fora. Mas realmente aqui tá assim, primo com primo. A história de casamento primo com primo aqui se gerou assim, se tua família era assim de mais condição e aquela outra também tinha, aí juntava para multiplicar os bens. O motivo daqui foi isso, pra não dar pra ninguém de fora, pra ninguém pra meter a mão. Aí ficava todo mundo em família, aí é por isso. É tanto que você chega aqui, muitas das vezes, você vê irmão sendo padrinho de sobrinho porque exatamente não era para tirar da família, era para ficar todo mundo em família.13

Se tomarmos a teorização de Rita, em que os casamentos entre primos garantem a repetição e continuidade de um certo padrão de sociabilidade, sendo esta continuidade transferida pelo sangue, pois ele é o elemento concreto que se transfere através das gerações, passei, então a pensar nas substâncias como potencialidades transformadoras e conectoras de e entre pessoas e patrimônio. Neste contexto etnográfico específico, a potencialidade do elemento simbólico

sangue pode atuar como uma ferramenta profícua para análise e que ganha terreno fértil quando expandimos para contextos de populações rurais de baixa densidade demográfica, predominante católico, no interior do Ceará.

No caso de Venâncio, assim como pensado por Mayblin (2013)14 e Carsten (2004), a carga de significados daquilo delimitado como “substâncias” (sangue, suor, sêmen, lágrimas, leite materno)15 tem muito a nos dizer. Como bem ilustra Carsten (2004), David Schneider foi um dos antropólogos a destacar a importância dos estudos das substâncias como uma ferramenta de análise processual das relações sociais. “Substância”, traz a autora,

era uma espécie de termo abrangente que pode ser usado para rastrear a transformação corporal de alimentos em sangue, fluidos sexuais, suor e saliva, e analisar como estes passavam de pessoa a pessoa, através da alimentação conjunta, vivendo em casas, tendo relações sexuais e realizando trocas de rituais16

Similarmente ao destacado por Carsten e Mayblin, percebi que em momentos ritualizados, como a preparação do vilarejo para receber a morte de Quelé, pai de Marli - diga- se, uma pessoa muito considerada - suscitou preparações, abstenções e transformações que transpassaram os corpos individuais e coletivos. Antes mesmo de seu falecimento confirmado, uma série de preparações envolveu a localidade.

Os homens capinavam o cemitério, limpavam ao redor dos túmulos e ornavam a lápide de cerâmica que parecia estar pronta há pouco tempo; as mulheres da família preparavam os “santinhos” e faziam companhia à Dona Adelaide, esposa do doente. A movimentação nas casas de Marli e de seus irmãos era intensa, o telefone não parava de tocar, pessoas que vinham na estrada paravam e perguntavam como estava o doente. A resposta era sempre a mesma: “está muito mal, muito mal, pode ir a qualquer instante.”

14 Mayblin (2013) mostra em seu artigo, no qual discute a importância do soro intravenoso no Sertão de Pernambuco e sua conexão com sangue de Cristo, que o sangue possui a propriedade de transmutação, modificando- se de propriedade biológica para atributo de extrema significância social.

15 E comida, em alguns contextos.

16 Tradução minha. Segue o trecho na língua de origem: “was a kind of catch-all term that can be used to trace the bodily transformation of food into blood, sexual fluids, sweat and saliva, and to analyse how these passed from person to person through eating together, living in houses, having sexual relations, and performing ritual exchanges”. (CARSTEN, 2004, p. 109)

Diante do fato de sua morte, percebi que tais preparações se tornaram privações. Os jovens estavam proibidos de saírem para festas e todos ligados à família deveriam fazer luto, respeitando o tempo de luto: a esposa e os filhos, por seis meses, os netos e sobrinhos, por três meses. A notícia do falecimento desse antigo líder movimentou toda a região.17

Seu cortejo foi acompanhado do sítio Capiaçú, onde ele residia com esposa, uma filha e uma neta, até o cemitério do Venâncio. Seguindo a tradição dos enterros do vilarejo - digo, a tradição daqueles considerados no vilarejo - o corpo foi levado em carro particular, sendo acompanhado por parentes e amigos que chegavam de toda parte: Bitupitá, Leitão, Chaval, Parnaíba, Barroquinha, Serra de Ubajara e Fortaleza.

Para a missa de um mês de falecido, a igreja da família foi aberta e limpa. Havia a preocupação se iriam caber todos os convidados nela, e caso não coubessem, deveriam realizar a cerimônia na igreja do vilarejo, recém-construída. Escolheram a igreja nova, e, às cinco da tarde um amontoado de pessoas aproximavam-se da igreja, que tem capacidade para 60 pessoas sentadas. Todos os bancos ficaram lotados, muitas outras pessoas que chegaram assistiram à cerimônia do lado de fora da capela. Ao fim da cerimônia, os mais próximos seguiram para a casa da viúva, onde estavam servindo um jantar.18

Percebendo na fala de meus interlocutores a recorrente presença do sangue que se transformava em família, este igualmente em consideração e assim por diante, passei a me questionar como esses elementos podem esclarecer as relações de criação de familiares, ou,