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Um pouco de farinha, água, ovo e sal Dessa mistura se formava uma massa bem dura, feita para se abrir com uma garrafa de refrigerante e

só depois fritar. É aí que mora um pedacinho da infância de Jussara, vivida, em partes, em uma casa simples, na Bahia. A receita prática e bem rápida de preparar dava origem a uma espécie de pastel sem recheio, que era chamado de “beira seca” e que ela, ainda menina, pedia à mãe para fazer e vendia de porta em porta para ganhar algum dinheiro. Quando saía de casa, cheia dos pacotinhos de beira seca, ela só voltava literalmente com as mãos abanando, depois de ter vendido tudo.

Com 10 anos de idade, ela improvisou seu primeiro comércio: uma merce- aria simples, que a menina montou na sala de casa. Para começar, a pequena juntou os trocados que tinha e deu para que a mãe comprasse algumas coisas, como arroz, feijão e açúcar, para que pudesse começar o pequeno negócio. No princípio, todo o dinheiro que entrava era empregado na compra de mais produtos para a venda, mas logo chegou ao ponto em que toda a brincadeira passou a lhe dar um modesto retorno financeiro. E até os irmãos, mais velhos, trabalhavam para ela, organizando e repondo as mercadorias.

Esse jeito de empreender é uma característica que sempre a acompanhou. Mesmo naqueles momentos em que as coisas aparentam não estar assim tão bem, lá vai ela com sua simpatia e seu coração gigante dar um jeito de recons- truir o que foi partido. E foi assim que dali, da vida e da infância na Bahia, ela se espalhou. Desde a morte de seu pai, a mãe passou a viajar para diversos lugares diferentes e, de tempos em tempos, as mudanças traziam para Jussa- ra a oportunidade de se adaptar a uma nova casa e a uma nova vida. Muitas vezes, não dava tempo nem de se afeiçoar a algum lugar – mal chegavam e já era hora de partir.

Todo esse movimento que tomou parte de sua infância e também adoles- cência trouxe também um certo cansaço e a necessidade de firmar terreno em algum lugar que pudesse chamar de lar. Foi São Paulo que ganhou o coração de Jussara. Mas todas as possibilidades de crescimento e as ideias do que poderia construir ali não foram as únicas responsáveis por sua decisão de permanecer na cidade. Além de uma nova casa, São Paulo trou- xe a oportunidade de encontrar o amor e, logo aos 16 anos, ela se casou e fincou ali, na Zona Leste, suas primeiras raízes longe da mãe e dos irmãos, para então começar a construir a sua família e a viver uma nova história.

Talento de infância

Por passar a maior parte da infância sozinha, tendo só sua imaginação como companhia, Jussara precisou aprender a se virar e a preparar as pró- prias refeições. No entanto, quando se mudou para São Paulo, nem sequer pensava em ter a culinária como profissão. Tanto que, antes de trilhar por esse caminho da cozinha, ela se aventurou por outras estradas. Foi ela, por exemplo, quem levou a primeira locadora de fitas de vídeo para o bairro em que mora, na Zona Leste paulista. Na época, o pequeno cômodo, construído por ela e pelo marido em um terreno de família, era o sucesso da região: todo mundo queria levar o seu filme preferido para assistir em casa.

Só que todo o arquivo de fitas e DVDs não resistiu à chegada da internet no bairro. Com a baixa do movimento e dos clientes, mais uma vez Jussara colocou a imaginação em ação e, em poucos dias, ali no pequeno cômodo começava a funcionar uma lan house, com internet boa, computadores rápidos, e a disposição de Jussara em atender cada cliente e encarar um novo desafio. O empreendimento durou cerca de seis anos, aberto de se- gunda a segunda, durante boa parte do dia. Quando fechou as portas, ela decidiu que não abriria ali mais nenhum comércio, um pouco pelo cansaço da rotina sem folgas, mas também pelo desejo de explorar outras áreas.

Nesse período, entrou para a faculdade e estudou por um ano, dedicou- -se mais à família composta pelo marido e os dois filhos, tentou um emprego fixo com horário de entrada e de saída, experimentou ver a vida por um ângulo diferente daquele a que estava tão habituada desde menina. No entanto, as tentativas não fizeram muito sucesso. E logo o coração inquieto de Jussara voltou a querer pulsar por um propósito maior: o pensamento de ser, outra vez, a dona do próprio negócio. Mas o que fazer, então? Pensa daqui, conversa dali, imagina de lá... Foi aí que, junto à amiga e hoje sócia, Simone Aparecida, surgiu a ideia de trabalhar com algo que fosse rela- cionado a comida. E, dispostas a executar o plano, começaram a mexer os

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Cozinha de afetos — Jussara da silva

pauzinhos para que tudo pudesse acontecer. O primeiro passo foi a busca por cursos que auxiliassem nesse caminho de aprendizado e aperfeiçoamento. Por meio de pesquisas na internet, descobriram o Galpão, a Oficina Escola e os cursos oferecidos por lá. De imediato se inscreveram e, pouco tempo depois, selecionadas para participar do primeiro curso, começavam uma longa jorna- da de aulas, sabores e aromas novos. Só que Simone não conseguia participar de todos, pois trabalhava muito na época. Já Jussara estava presente em todos: aprendeu sobre panificação, confeitaria, massas, doces, bolos, salgados. E, o mais importante, ganhou força e capacitação suficientes para empreender e trilhar um novo capítulo de sua história, chegando cada vez mais perto de si mesma e desse reencontro guiado pelas receitas e por seus ingredientes. “A gente não aprendia só sobre comida, mas também a calcular quantidade de produtos, a saber por quanto vender alguma coisa, a investir financeiramente pelo tempo necessário, para agora começar a receber os lucros. Tudo o que passamos lá, nos cursos, foi muito importante para que pudéssemos crescer e estar onde estamos hoje.”