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A lembrança de observar a avó na cozinha , separando o feijão antes de colocar na panela de pressão para cozinhar, transporta Sabrina para

um lugar onde tudo é mais leve, delicado e saboroso. Ali, nesse espaço precioso da memória, seu avô, sentado em um banquinho no quintal da casa antiga, descasca e corta laranjas após o almoço, enquanto chama os netos para dis- tribuir rodelas da fruta como sobremesa, garantindo o riso e a felicidade dos mais pequenos. É desses detalhes guardados diante do passar do tempo que se constroem as referências e a paixão de Sabrina pelo aroma, pelos gestos e pelos sabores que envolvem a cozinha e a gastronomia.

Todo esse universo que a cerca desde menina trouxe a ela um gosto pe- culiar pelas misturas e pelas invenções gastronômicas. Filha única, quando criança Sabrina aproveitava os momentos sozinha, quando a mãe saía de casa, para correr para a cozinha e experimentar novas combinações de ingredien- tes, sem nem saber muito bem o que fazia ali. A bagunça era tão grande que nem dava para esconder ou fingir que nada tinha acontecido na cozinha da casa localizada em São Miguel Paulista, região em que ela cresceu e passou boa parte da adolescência. E foi assim, de tanto se aventurar entre ingredientes diferentes, que aos 9 anos Sabrina assou seu primeiro bolo que deu realmente certo: um vistoso e sedutor bolo de brigadeiro. A tarefa foi executada com tanto sucesso que surpreendeu até a mãe, que nunca foi muito boa em cozinhar.

Para almoço, o básico arroz, feijão e carne de panela alimentavam toda a família, e quem mais quisesse se aconchegar para partilhar a comida e jogar conversa fora. Dos doces? Às vezes até saía um pudim de leite ou uma mousse para a sobremesa, mas sempre sem passar muito disso. Ainda assim, mesmo não se arriscando entre receitas tão mirabolantes, foi a convivência entre mãe e filha que transmitiu para Sabrina um pouco dessa vontade de experimentar e de criar sabores novos. Lá entre as panelas, a mãe tratava de ensinar a ela exatamente como era feito o arroz ou quanto tempo de fervura era necessário para cozinhar o feijão. Se com a avó Sabrina aprendia pela observação, foi com a mãe que ela compreendeu a importância de esperar o tempo certo de cada ingrediente se misturar, assim como o amadurecimento de cada fase que atravessa a sua vida precisa também da sua hora correta. “Lembro do cheiro

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da comida da minha avó, do sabor do arroz dela, como se ele fosse feito hoje. E não adianta: a gente pode fazer do mesmo jeitinho, que não fica igual ao que ela fazia. Mas aqueles momentos foram gravados na memória, associados a toda essa vivência que eu tive, todo esse afeto que sempre esteve presente nos momentos em casa e em família.”

Essa afeição tão delicada pela cozinha e pela gastronomia aos pouquinhos aproximou Sabrina ainda mais de si mesma, em uma longa jornada de reencon- tros e redescobertas: tudo guiado pela comida e pelos pequenos prazeres que ela proporciona. A princípio, já mais velha e prosseguindo por esse caminho de encontro em meio aos sabores, uma das primeiras transformações em sua vida se deu em uma sala de aula, em um curso de culinária, no qual ela entrou para distrair o tempo e aprender melhor sobre os segredos do cozinhar.

Entre o ir e o vir

Foi nas aulas no Galpão que Sabrina começou a despertar realmente para o ato de cozinhar como algo mais amplo, cheio de mistérios e novidades. Até então, ela nem pensava que a gastronomia poderia se tornar um caminho pro- fissional e uma forma de empreender. A ideia era que tudo aquilo se tornasse mesmo um hobby, um passatempo para enganar as horas vagas. Na época, ela chegou até os cursos por uma dica e indicação da professora Daniela, com quem Sabrina trabalhava em um outro projeto. Com a curiosidade desperta, ela se inscreveu e começou a participar dos cursos na Oficina Escola de Culi- nária, primeiro em aulas mais curtas, que eram realizadas ao longo de um dia. Foi também nesse período que as vivências nos cursos livres incentivaram dentro do coração de Sabrina a vocação sempre presente para a gastronomia. Ali, entre as receitas e panelas, os seus olhos voltavam a brilhar como na época da infância com a companhia dos avós e aquela magia guardada com zelo pela memória.

No entanto, todo esse movimento durou um espaço curto de tempo: por conta de um novo trabalho que atravessou seu caminho, Sabrina precisou abandonar as aulas e também se afastar do Galpão. Só mais tarde, quase um ano depois, ela conseguiu voltar, dessa vez para integrar as turmas de cursos mais longos e aprender sobre pães, massas, bolos e toda a dedicação que mora em cada etapa da produção de uma receita. O tempo ali, anotando ingredientes e ouvindo histórias, serviu mais uma vez para completar os espaços vazios que dançavam em sua vida e em seu coração, além de moldar dentro dela alguns sonhos e desejos novos.

Mas passarinho, quando aprende o voo, quer ir ainda mais longe. E, mais uma vez, Sabrina precisou partir do Galpão. Dessa vez, para aproveitar a chance nova de se mudar e passar dois anos na cidade de Paraty, no Rio de

Janeiro. Lá, o trabalho em uma pousada à beira-mar deu a ela a oportunidade de colocar em prática um pouco do que aprendeu na Oficina Escola: para o café da manhã, Sabrina preparava os bolos e pães mais gostosos, que servia aos hóspedes todos os dias ao amanhecer.

Entre tantas idas e vindas, dois anos depois, já de volta a São Paulo, o desejo de seguir profissionalmente pelo caminho da gastronomia lhe chamou. E lá foi ela, cheia de determinação, inscrever-se nos cursos do Galpão para aprimo- rar e ampliar tudo o que ela já sabia sobre cozinha e afeto. Nessa época, sem ter um emprego fixo, recém-chegada de um lugar diferente, Sabrina começou também a fazer pães de mel para vender. Alguns, a mãe levava e vendia na escola em que trabalhava; outros, Sabrina dividia entre a vizinhança, mais um pouco ela comercializava em reuniões e saraus organizados por amigos. E, desse jeito, não sobrava nenhum e a produção precisou aumentar: foi do- brando, triplicando de tamanho, até chegar ao ponto em que Sabrina entrava madrugada adentro fazendo pães de mel, e às vezes palha italiana, para vender no dia seguinte.

A família também colaborava com o seu desenvolvimento na culinária. Sempre que organizavam uma festa ou um evento, era Sabrina que chamavam para produzir todo o cardápio. Tinha caldo, torta, salgado, doce. E tudo ela preparava sozinha, às vezes para servir 60 pessoas, outras vezes chegando até a receber cem convidados. Com a vida assim, misturando-se entre sonhos e determinação para realizá-los, ainda sobrava espaço na cabeça e no coração para guardar um desejo antigo, que a acompanhava já havia alguns anos. An- tes mesmo de se mudar de São Paulo, um professor da Oficina Escola contou a ela sobre um Curso Técnico em Cozinha, oferecido em uma escola na cidade de São Paulo. Além dos cursos livres e dos aprendizados no Galpão, Sabrina queria ter um diploma, fruto de uma temporada de estudos a fundo sobre os segredos e as delícias da gastronomia.

No fim de 2016, depois de fazer uma prova de habilidades específicas, lá estava ela, aprovada para ingressar na turma de 2017 do Curso Técnico em Cozinha. E aí Sabrina não parou mais. Seus dias se alternavam entre os cursos no Galpão pela tarde e as aulas na faculdade durante a noite: ficava o dia todo respirando gastronomia. Por coincidência, nesse período, a equipe do Galpão precisou de uma estagiária para auxiliar nas demandas do dia a dia. Disposta a caminhar ainda mais perto daquilo que ela já sabia que a fazia realmente feliz, prontamente preparou e enviou o seu currículo, cheia de vontades de preencher a vaga e de aprender ainda mais em um local que, para ela, sempre foi sinônimo de acolhimento e afeto. Demorou um pouco e, alternando entre a expectativa e a ansiedade, Sabrina fez a entrevista para concorrer ao trabalho dos sonhos de tantas mulheres que também participavam dos cursos. Algum

“Lembro do