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recomeçar” Leila Carmo de Andrade

Achava que não conseguiria mais ter uma vida social normal. Após o término da capacitação, me voluntariei com outra amiga para ajudar o Lúcio nas aulas. Para nossa surpresa, ele permitiu. No dia de começarmos, minha amiga foi levada às pressas para o hospital. Estava com câncer de ovário e teve que ser operada com urgência. Fui sozinha e aí co- meçou mais uma jornada. Quando menos esperei, por meio do trabalho voluntário, fui convidada para trabalhar como contratada. Felicidade que não cabia dentro de mim. Ali encontrei, como tan- tas outras mulheres, acolhimento e respeito. Nessa história, como em tantas outras, o alimento me aju- dou a me refazer, redescobrir e recomeçar. Hoje, dei mais um passo nessa caminhada, com o curso de Nutrição e Dietética, que tem me feito pensar e aprender mais o quanto o alimento faz parte da minha vida sempre.”

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Aulas na Oficina Escola de Culinária

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FESTA

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Maisa

Melo

Maisa é feito festa tranquila

. Recebe bem, acomoda os convidados e, aos poucos, vai servindo porções da sua história. Brinda cada momento cotidiano com um toque especial e uma experiência única. E, desse modo, mostra que todas as suas passagens pela vida são adocicadas – mesmo em dias difíceis. Com uma fatia de bolo bem servida nas mãos, abre caminho para mostrar seus sentimentos e sensações diante do que viveu e, indo além, dos sonhos que guarda para si e sua família. Nesse prato, cabe o respeito por quem faz parte do seu passado e por quem escolheu construir o futuro ao seu lado. Maisa mantém o mesmo entusiasmo para receber outras pessoas que irão passar por ela ao longo da festa que é a vida.

Ela nasceu em São Paulo, em Pirituba. Seus pais, Jesumiro, apelidado de Gelso, e Maria, são filhos de outros Estados. O pai é baiano, de Jequié, e a mãe, mineira, de Januária. Os dois se encontraram na capital paulista e desde então não se separaram mais. “Minha mãe morava aqui ao lado quando meu pai veio para cá com um primo e alugaram essa casa que hoje é nossa. Eles casaram e fi- caram por aqui.” Maisa conta que Gelso e Maria são pessoas simples e que sem- pre trabalharam muito desde que desembarcaram em São Paulo. Ela lembra que, quando pequena, sua mãe, que era empregada doméstica, a levava junto para o trabalho. “Quando comecei a estudar, passei a ficar com vizinhos para não faltar na escola”, diz. O pai foi metalúrgico e, ao longo da vida, construiu um pequeno bar no mesmo terreno da casa deles, e hoje dedica-se ao comércio, mesmo depois de aposentado. Ela herdou a garra e o pragmatismo dos dois.

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“Meus pais sempre foram pés no chão. Se eu quero fazer algo, diziam, eu tenho que ter meios.” Com orgulho, diz que faz o mesmo. “Se eu não tenho recurso, não tem por que gastar sem necessidade. Esse pensamento vem muito dos meus pais”, diz. Aos 16 anos, ingressou em um curso técnico: mecânica. À primeira vista, o que queria era sua independência financeira, mas, ao longo dos estudos, mudou de opinião. “Eu percebi que gostava de mecânica e aí o foco não foi mais só a bolsa. Minha turma tinha 13 meninos e duas meninas. Achava interessante as pessoas olharem e verem uma mu- lher trabalhando com isso”, diz, orgulhosa da sua trajetória na profissão.

Memórias doces

Um ano para a Bahia. Noutro, rumo a Minas. Maisa conta que sua rotina de férias ao longo da meninice foi assim. “Meus pais intercalavam as viagens para poder ver as duas famílias.” Apesar de se encontrar pouco com eles, ela tem a recordação da casa cheia de primos e tios. As avós, como não po- deria deixar de ser, além da presença em forma de pensamento, também aguçam sentimentos pelo paladar. “Eu me lembro muito bem dos biscoitos que a minha avó de Minas fazia.” O ginete é um biscoito feito de polvilho doce, manteiga e ovos. “Minha vó, para fazer o biscoito, fazia um furo com a faca no fundo na latinha de extrato de tomate, que era algo muito difícil de encontrar na roça, e a enchia com a massa. Ela apertava a massa com as mãos para que, do outro lado, saísse no formato do corte em cima da forma”, e emenda: “eu, criança, ficava encantada com aquilo e pensava, como a vó conseguia?”.

A avó Evangelina, a Vanju, que é mãe da Maria, mora até hoje em Janu- ária e é quem faz biscoitos como ninguém. Maisa conta ainda que, além de ginete, ela faz o peta. “É um biscoito bem seco, simples, mas eu olho para ele e logo me lembro da infância. Lembro da minha avó preparando. Ela tinha um quartinho na casa da roça que era a dispensa. Eu adorava me esconder lá e, quando me achavam, eu estava comendo peta.” Não adianta trazer o biscoito comprado. Maisa sabe logo diferenciar um do outro. “Minha mãe foi viajar para Minas e trouxe, mas não foi a minha vó que fez, então não é a mesma coisa”, diz, rindo. Da Bahia, a recordação chega em forma de doce (de leite) e requeijão. “Quando criança, para mim, requeijão se fazia na Bahia, e queijo era em Minas”, diz. Na Bahia, morava a avó Rita, que fa- leceu há três anos. De lá, além da memória adocicada que ocupa o paladar, o olfato também é instigado e, com isso, os olhos da Maisa se enchem. “Sabe quando você conta uma recordação e na hora dá vontade de chorar? Minha avó morou muitos anos na roça. Eles foram mais tarde para a cidade em

busca de uma vida mais tranquila e levaram muitas coisas. Lembro de chegar lá na casa e encontrar um armário que estava na casa antiga. Quando eu o abri, senti o mesmo cheiro que sentia lá, quando pequena. O cheiro ainda estava lá e, de repente, eu podia ver tudo que eu vivi na casa dela”, diz, emocionada.

Festa de aniversário

“Eu nunca tive uma festa de aniversário”, conta Maisa. “Mas, em compensação, minha mãe juntava o dinheiro que tinha e me falava: ‘hoje eu vou te levar para passear’.” Ela conta que, então, as duas iam ao shopping, brincavam e faziam compras. Os aniversários de Maisa sempre foram repletos de amor e carinho, não precisavam de bolo e brigadeiro. “O que ela podia fazer era aquilo.” Mas, quando sua filha Lorena, hoje com 6 anos, fez seu primeiro aniversário, Maisa organizou para a pequena uma festa com direito a bolo e docinhos. “Engravidei em 2012 e, quando a Lorena completou um ano, resolvi fazer uma festinha. Eu nunca tinha feito nada, mas fui pesquisar e fazer. Preparei cupcake, docinhos, tortinhas de morango. Fazer aquilo tudo me encantou”, diz ela. Maisa conta que, na época, ficou tão empolgada com o que conseguiu realizar que resolveu estudar sobre aquilo. “Pensei, vou fazer um curso de doces.” Mas, naquele momento, estava desempregada e não podia investir muito na formação. A solução foi encontrar algo gratuito. Pesquisando, chegou até à Oficina.

O primeiro desafio enfrentado para embarcar nas aventuras pela cozinha foi a distância. Moradora do extremo norte de São Paulo, precisava viajar duas horas de transporte público para chegar à Oficina, que acontece na Zona Leste da cidade, em São Miguel. Com a filha ainda pequena, Maisa considerou não voltar mais em função disso, mas seu marido a encorajou a seguir. “Entre 2012 e 2013, eu fiz o primeiro curso lá, de cupcakes e docinhos, e fiquei encantada”, diz ela ao relembrar seus primeiros dias no Galpão. E emenda: “na Fundação, não só os professores, mas todos são sempre muito atenciosos, e isso nos incentiva muito. Eu digo que, se fosse um curso pago, acho que não seria tão bom quanto foi lá.” O segundo curso foi o de confeitaria. Ela conta que esse, mais longo, demandava ir todos os dias até a Oficina. “Lembro-me que, quando tínhamos aulas práticas, eu voltava para casa muitas vezes com um bolo todo confeitado. Imagina voltar, no horário de pico, no trem, com um bolo nas mãos... Era um desafio”, diz, rindo.

Maisa se lembra ainda da turma ansiosa para colocar a mão na massa, en- quanto os professores insistiam em compartilhar informações teóricas. “Os professores diziam que era preciso passar aquelas informações. Não podiam deixar a gente entrar na cozinha e não saber tudo que envolve fazer um bolo.” Hoje, ela acredita que aquele aprendizado fez muita diferença no seu dia a

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dia na cozinha. “Se eu não tivesse aprendido aquilo, não saberia calcular o preço de um bolo, por exemplo.” O local do aprendizado também fez diferença para botar mais fermento na paixão da Maisa pela confeitaria. “Lembro-me da (professora) Dani dizendo que a gente precisava provar tal chocolate, que era o melhor, e a gente precisava conhecer, ter noção do que era”, comenta. “Os nos- sos professores sempre foram muito preocupados em mostrar o melhor para a gente. Sempre foram muito dedicados e, então, não tem como não aproveitar.” Quando perguntada sobre momentos marcantes vividos por lá, Maisa se recorda da humildade sempre presente na Oficina. “Lembro de ver os profes- sores compartilharem suas receitas. Não era assim: eu tenho um bolo para você fazer, e eu, que sou chef, faço este. Não, o bolo que eu faço hoje é o mesmo bolo que a Dani e o (professor) Lúcio fazem. Para mim, foi muito marcante, poder dizer que o bolo que eu faço hoje é o mesmo feito por um chef”, diz.

Encomendas

Logo que começou o curso, Maisa já pensou em aceitar encomendas. “Apa- reciam pedidos que eu não sabia nem como fazer”, diz, relembrando o misto de empolgação e ansiedade. “Eu aproveitava para perguntar muito aos pro- fessores, além de usar o que já tinha aprendido e fazer buscas na internet”, complementa. Hoje, ela recebe mais pedidos de bolos e doces. “Com o tempo, fiz cupcakes, sobremesas e tortas doces. Algumas pessoas perguntavam se eu fazia tortas salgadas, e eu dizia que sim. Eu nunca tinha feito, mas aprendia para entregar.”

Depois da primeira festa de aniversário da filha Lorena, Maisa começou a conciliar a carreira em metalurgia com a confeitaria. “Montei um perfil no Facebook para divulgar meu trabalho, além de usar outras redes sociais. Aí eu trabalhava fora e fazia doces em casa.” Quando precisou, pela primeira vez, atender a uma encomenda de bem-casados, foi a Oficina que a ajudou. “Lembro de enviar mensagem para a Dani e dizer, pelo amor de Deus, a calda do bem-casado não está dando certo.” Com o apoio da professora, acertou o ponto e pôde fazer a entrega a tempo. Mais tarde, conta que outras colegas de curso precisaram de apoio com o mesmo pedido, e ela pôde compartilhar. “Elas vieram me pedir ajuda e eu falei para não se preocuparem, eu tinha uma receita muito boa da Dani.”

Maisa conta que, na Oficina, sentiu-se cheia de força para encarar mais desafios, fazer o que nunca tinha pensado ainda. “Os professores motivaram muito a gente. Eles faziam com que acreditássemos no nosso potencial. E isso foi uma coisa que mexeu muito comigo. Lá, eu entendi que não importa o que você faça, pode ser um brigadeiro... se você investir, for atrás, você vai conse-

guir, você vai vender”, comenta, mostrando a garra que aprendeu nos balcões da cozinha da Oficina. Resultado disso é que, hoje, além das receitas, também aprendeu (sozinha) como preparar ovos de páscoa e panetones.