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“Vejo o cozinhar como uma forma

de me sentir útil

novamente”

Eliana Amorim de Castro Zanão

preparava em sala de aula e em casa, a partir dos meus aprendizados. Minha primeira encomenda foi de 15 quilos de bolo para um casamento. Pensei em não aceitar, mas ao mesmo tempo me veio na cabeça ‘se é algo que quero fazer, tenho que fazer’. Nesse caso, não era tentar, era acertar porque era um bolo de casamento. Com a ajuda e a orientação dos professores, consegui. E de lá para cá nunca mais parei. Faço bolos, doces, tortas e já fiz salga- dos também. Vejo isso como uma forma de me sen- tir útil novamente. Às vezes trabalhamos muito e, no final do mês, o dinheiro que se recebe não tem tanto valor. Nada é mais gratificante do que ver um bolo pronto e o sorriso das pessoas. Afinal, nunca vi ninguém triste comendo um pedaço de bolo.”

UM

DOCE

NEGÓCIO

J

5 0 a N O s

Joseilda

Silva

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Cozinha de afetos — Joseilda silva

“Jô, por favor”

, diz logo após pronunciar seu nome completo: Joseilda do Nascimento Silva. Com um sorriso marcante no rosto, parece estar sempre atenta a tudo à sua volta. Com o olhar bem vivo no presente, ela se move. Jô é alegria. Também é multitarefa. Não se assusta com tombo nem com mudança. Não fica parada por nada – enquanto narra sua história, responde a pedidos das clientes, dá orientação sobre as vendas que acontecem na porta de sua casa e pode fazer mais uma porção de outras coisas ao mesmo tempo.

Ela sabe buscar ajuda quando precisa e também oferece quando percebe que pode fazer algo pelo próximo. Sonha acordada e realiza sempre. Seus de- sejos não a tiram do chão e tampouco a afastam do que mais ama, sua família. Jô é daquelas pessoas que estão prontas para passar o café, servir o almoço e preparar o jantar sempre com um sorriso no rosto e muita disposição espalha- da pelo corpo. É disponível para aprender com o que a vida lhe oferece – seja um desafio ou uma oportunidade. Não tem medo de aprender algo novo para botar à mesa (e à venda).

Palafita

Jô nasceu no interior do Pará no ano de 1968. É filha caçula do açougueiro Francisco de Assis Nascimento Silva, conhecido como Ceará, e de Raimunda Carvalho. Sua mãe de sangue faleceu durante o parto dela. A irmã de sua mãe, Maria José, ou Dona Zezé, assumiu a casa e a cria dela e de seus sete irmãos. “Minha mãe é minha tia”, conta sorrindo. “Eu só soube disso com mais de 15 anos. A Zezé e meu pai tinham medo que eu tivesse uma reação ruim. Pelo

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contrário, eu fiquei muito agradecida, pois ela que me cuidou. Se eu estu- dei, me formei no Pará e tive recursos é porque eles me criaram”, diz com orgulho. Com a infância fresca na memória, feito o cheiro de pão preparado na hora, comenta que, quando pequena, não podia sair muito. Mas, mesmo assim, sempre foi muito agitada e adorava as brincadeiras que davam espa- ço para essa energia: cemitério, roda. “Eu quase nunca ia brincar na rua, mas, quando conseguia, me acabava.” Entre as brincadeiras prediletas, Jô conta que amava andar de bicicleta. A família não tinha uma, mas ela dava seu jeito para passear em duas rodas. “Uma vez, meu irmão foi em casa com aquelas bicicletas de padeiro, que têm cesto na frente, e eu queria muito andar nela. Ah, não pensei duas vezes, peguei e fui. Até hoje tenho uma cicatriz na perna por conta disso. Eu caí, mas eu andei e fiquei feliz.”

Quando perguntada sobre suas idas à cozinha durante a infância, Jô conta que não gostava de botar a mão nas panelas. Sempre muito ativa, achava que nunca ia passar por lá – nem casar e ter filhos. No entanto, confessa que, mais velha, foi surgindo o desejo por estar mais tempo por esse lugar da casa. “Todas as irmãs sempre gostaram de cozinhar. Nada demais, mas o arroz soltinho e o feijão gostoso sempre foram pratos comuns de todas nós. Eu não era do doce e só fui aprender mais tarde.” Jô conta que, até os 10 anos, morou numa casa de palafita no Belém. “Uma casa grande, com terraço e águas que passavam por baixo”, recorda-se, feliz. Mais tar- de, seu pai também teve um pequeno sítio. Sempre econômico, poupou dinheiro suficiente para juntar à venda dos imóveis e adquirir uma casa de alvenaria, também na capital do Pará. “Minha mãe e meu pai foram muito felizes em seu casamento. Eles nunca brigaram, nunca os vi tristes. Meu pai era meu herói”, diz Jô, com um olhar de quem experimentou aquele doce apresentado no começo da juventude que há tempos não saboreava. Seu pai faleceu em 1999, em São Paulo, quando veio para um tratamento médico. Desde então, Dona Zezé veio morar com ela e sua família na capital paulista.

Terminal Tietê

Mas Jô não escolheu vir para São Paulo. Seu pai, em 1995, comprou uma passagem de ônibus para ela e a obrigou a vir morar com uma prima em Guarulhos. “Casei, por teimosia, muito jovem no Pará. Depois vi que não era o que eu queria”, diz. Jô conta que, na época, tinha 22 anos e se sentiu muito triste e sem perspectiva na vida. Na ocasião, o pai resolveu fazer algo pela filha e a enviou para São Paulo. No ano seguinte, Jô conseguiu um emprego na área de cobrança de uma empresa na Barão de Itapetininga,

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Cozinha de afetos — Joseilda silva

no centro da cidade. Em janeiro de 1997, conheceu o atual marido, Dener. Eles foram apresentados por amigos em comum. “Eu nem quis papo”, diz, rindo. “Mas, em março, fomos para uma festa na Rua 7 de Abril e lá nos conhecemos melhor. Dias depois, ele apareceu com um buquê, me chamando para morar- mos juntos.”

Jô diz que pegou sua TV, aparelho de som e uma mala, que era tudo que tinha na época, deixou a casa de sua prima e foi. “Liguei para a minha mãe e disse: estou indo morar com o Dener.” Dona Zezé perguntou: quem é ele?. “Eu expliquei o que havia acontecido, e ela, então, soltou um ‘Tu é doida!’”, comen- tou a lembrança acompanhada de uma grande gargalhada dos acasos da vida. “Fui para a casa dele e estamos juntos até hoje.” Pouco tempo depois, em 1999, chegou a primeira filha do casal, Vitória. No ano de 2004, Alice nasceu e, em 2008, Júlia, a caçula, complementou a família.