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2.3 Características das Fases Dispersas

2.3.1 Fase Dispersa Deformável Bolhas de Gás

Em sistemas trifásicos fluidizados, a dinâmica das bolhas representa um importante papel nos fenômenos de transporte, afetando diretamente os processos reativos, quando presentes. É reconhecido que o rastro das bolhas (bubble wake), quando presente, é um fator dominante que governa a fluidodinâmica do sistema, sendo seus principais efeitos a instabilidade induzida por este, a movimentação turbulenta de grandes escalas resultante e o gradiente local da concentração de sólidos (FAN e YANG, 2003).

A formação das bolhas em líquidos com a presença de partículas sólidas, é diferente da formação em líquidos puros, sendo influenciada por diversos fatores, tais como geometria do distribuidor, propriedades físicas das fases, condições operacionais, entre outros. WU et al. (2008) relataram distribuições mais amplas do tamanho de bolhas em maiores cargas de sólidos. Um aumento no tamanho do sólido particulado leva a diminuição do tamanho médio da bolha, conforme relatado nos estudos de BRUCE e REVEL-CHION (1974) e LEE et al. (1974) (MUROYAMA e FAN, 1985).

De acordo com VANDU et al. (2004), o diâmetro das bolhas grandes é praticamente independente da velocidade do gás para concentrações de sólidos acima de 5% e velocidades superficiais do gás acima de 0,1ms−1. MASSIMILLA et al. (1961), OSTERGAARD (1966)

e RIGBY et al. (1970) mostraram que a presença de pequenas partículas promove um considerável aumento na taxa de coalescência das bolhas, fato que pode ser atribuído ao comportamento reológico de suspensões líquido-sólido deste tipo, onde estas podem ser consideradas como um meio pseudo-homogêneo, com viscosidade e massa específica maiores do que o líquido puro (MUROYAMA e FAN, 1985; FAN et al., 1989; FAN e YANG, 2003).

Quando o leito trifásico opera em velocidades mais altas, pode-se ressaltar que, além das interações entre as bolhas, que podem causar coalescência e quebra, este último pode ser reforçado pelo efeito da vorticidade gerada pelo rastro das bolhas grandes. Portanto, destaca-se

que para uma predição mais correta da distribuição final do tamanho das bolhas em sistemas trifásicos, deve-se considerar além das interações entre as bolhas, os fenômenos relacionados a turbulência induzida pela fase dispersa deformável. Os fenômenos de coalescência e quebra induzem ao aparecimento de uma distribuição mais ampla do diâmetro das bolhas. Uma abordagem interessante para estimar a proporção entre bolhas pequenas e grandes presentes no sistema foi apresentada por KRISHNA e VAN BATEN (2001), os quais propuseram uma correlação para o cálculo da fração volumétrica das bolhas grandes, αB,G (Equação 2.1), em

função do diâmetro da coluna e da diferença entre as velocidades superficiais do gás, de operação e de transição entre os regimes homogêneo (disperso) e heterogêneo (coalescente):

αB,G = 0,268 1 D0,18C  ug− ug,trans 4/5  ug− ug,trans 0,22 (2.1)

onde DC é o diâmetro da coluna, em m, ug é a velocidade superficial operacional do gás,

em m s−1, ug,trans é a velocidade superficial do gás onde ocorre a transição entre os regimes,

usualmente próxima a 0,05 m s−1, conforme relatado por FAIR (1962) apud SHAH et al. (1982). Considerando a fase gás composta por bolhas pequenas e grandes, tem-se pela restrição da fração volumétrica:

αg = αB,P+ αB,G = 1 ou seja αB,P= 1 − αB,G (2.2)

onde os subscritos P e G definem as bolhas pequenas e grandes, respectivamente.

Diversas correlações para estimativa do diâmetro médio das bolhas foram propostas para sistemas gás-líquido e gás-líquido-sólido. Dentre estas pode-se destacar a proposta por AKITA e YOSHIDA (1974) (Equação 2.3), a qual considera importantes fatores relacionados aos padrões de escoamento de sistemas borbulhantes, tais como, diâmetro da coluna, velocidade superficial do gás e tensão superficial do líquido, entre outros.

dB = 26 DC D2 Cρlg σ !−0,5 D3 Cρ 2 l g µ2 l !−0,12 ug √ g DC !−0,12 (2.3)

onde dBé o diâmetro da bolha, σ, µle ρlsão, respectivamente, a tensão superficial, a viscosidade

dinâmica e a massa específica da fase líquida, e g é a constante gravitacional.

Outra correlação que apresenta aspectos interessantes é a baseada no modelo de recirculação interna, apresentado por LUO et al. (1999), o qual prediz o máximo diâmetro estável da bolha, considerando os efeitos do rastro formado atrás desta e a deformação devido

à recirculação interna. Esta correlação parte da proposta por LEVICH (1962) (Equação 2.4), chegando a Equação 2.5, a qual é função da razão de aspecto da bolha, fΘ:

dBmax ≈ 3,63 σ uB2 ρl2ρg 1/3 (2.4) dBmax ≈ 7,16 f 2/3 Θ EΘ  q 1 − fΘ2 1/2 s fΘ gρg (2.5) dBmax ≈ 3,27 s fΘ gρg (2.6)

onde ρgé a massa específica do gás, EΘtambém é função da deformação da bolha. Para bolhas

grandes ascendendo em leitos líquido-sólido, FAN e TSUCHIYA (1990) definiram que a razão de aspecto das bolhas, fΘ, pode ser considerada constante igual a 0,3, e o termo EΘ

 q 1 − f2

Θ

1/2 é igual a 1,018, o que resulta na Equação 2.6.

Além disso, também com base no modelo de recirculação interna, a velocidade de ascensão da bolha com máximo diâmetro estável foi proposta por LUO et al. (1999), conforme a Equação 2.7: uBmax≈ 1,6 g σ ρg !1/4 (2.7)

FAN e YANG (2003) relataram que o tamanho das bolhas é determinado principalmente por três fatores: formação das bolhas no distribuidor, coalescência e quebra. Quando a pressão do sistema é aumentada, o tamanho das bolhas no distribuidor é reduzido (LUO et al., 1998), a coalescência é diminuída (JIANG et al., 1995) e as bolhas grandes tendem a quebrar (LUO et al., 1999). A combinação destes três fatores causam a diminuição do tamanho médio das bolhas com o incremento da pressão.

Para facilitar a determinação das características morfológicas das bolhas, CLIFT et al. (1978) propuseram a relação deste a três grupos adimensionais: Eo, Re e Mo, respectivamente, números de Eötvos, de Reynolds e de Morton, pela representação gráfica mostrada na Figura 2.4, onde se observa que o aumento nos números de Reynolds da bolha (Reb) e de Eötvos

ocasiona a deformação das bolhas.

A Equação 2.8 representa o número de Eötvos, que relaciona a força empuxo à tensão superficial:

Eo ≡ g(ρl−ρg) d

2 B

Figura 2.4: Relação entre o formato das bolhas e os grupos adimensionais Eo, ReBe Mo - Adaptado de

KRISHNA (2000).

O número de Reynolds representa a relação entre as forças inerciais e viscosas que atuam no escoamento. Para as bolhas, ReB, este é dado pela Equação 2.9 em função da

velocidade de deslizamento destas em relação ao meio contínuo, neste caso o líquido:

ReB ≡

ρl|ug− ul| dB

µl

(2.9)

onde |ug− ul| representa a velocidade de deslizamento entre as fases gás e líquida.

O número de Morton traz a relação entre as propriedades físicas do sistema, e é dado pela Equação 2.10: Mo ≡ gµ 4 l (ρl−ρg) ρ2 l σ3 (2.10)

Conforme correlacionado por CLIFT et al. (1978) (Figura 2.4), as propriedades físicas e as condições operacionais definem a morfologia da bolha presente no escoamento. De modo geral, pode-se classificar as bolhas em três formatos principais: esférico, elipsoidal e touca (cap), os quais algumas correlações para o cálculo do coeficiente adimensional de arraste gás-líquido foram propostas.

Pequenas bolhas (usualmente com diâmetro equivalente volumétrico3, d

ev, menor

do que 1mm), apresentam aproximadamente a forma de uma esfera perfeita. Neste caso a tensão superficial é a força dominante, e as bolhas ascendem de modo estável em trajetórias praticamente retilíneas. Para bolhas com tamanhos intermediários, ambas as forças, de tensão superficial e de inércia do líquido são importantes, apresentando geralmente formatos elipsoidais. A viscosidade do líquido e a presença de contaminantes no meio líquido influenciam a dinâmica das bolhas. A movimentação destas bolhas é extremamente complexa, exibindo características de movimentação secundária, tais como, trajetórias em “zigue-zague” ou espiral, além de dilatações ou oscilações no formato. Para bolhas grandes (geralmente com dev > 18mm), os efeitos inerciais do líquido predominam, e os efeitos da tensão superficial,

viscosidade e contaminação do meio líquido podem ser desprezados. As bolhas grandes apresentam formato touca e usualmente seguem trajetórias praticamente retilíneas com algumas oscilações em suas bases (FAN et al., 1989).

Conforme descrito, bolhas elipsoidais induzem ao aparecimento de efeitos secundários de escoamento, devido ao formação de zonas de recirculação atrás destas. Maiores detalhes sobre este fenômeno são dados a seguir.

Efeito do Rastro das Bolhas (Bubble Wake)

O rastro das bolhas tem sido reconhecido como um fator chave para explicar o fenômenos presentes em sistemas trifásicos, tais como, distribuição dos sólidos e contração do leito (FAN et al., 1989), este último que ocorre usualmente em sistemas trifásicos com partículas com massa específica baixa ou tamanho pequenos. Diversas investigações foram realizadas objetivando descrever esse fenômeno em sistemas bi e trifásicos, como as de PAGE e HARRISON (1974), EL-TEMTAMY e EPSTEIN (1980), TSUCHIYA et al. (1992), entre outros. Além disso, modelos para considerar o efeito do rastro das bolhas em sistemas trifásicos foram propostos por EFREMOV e VAKHRUSHEV (1970) e BHATIA e EPSTEIN (1974).

O mecanismo de formação do rastro e indução de efeitos secundários no escoamento, conforme descrito por FAN et al. (1989) é ilustrado na Figura 2.5 (a)-(e). Alguns dos tipos de rastros observados em escoamentos borbulhantes são mostrados na Figura 2.5 (f)-(j). De modo geral, o fenômeno de formação do rastro das bolhas consiste em duas etapas: (1) - o rastro primário é considerado pela região imediatamente posterior a bolha, apresentando velocidade próxima à da bolha. Nesta região, recirculações irregulares podem ser observadas; (2) - o rastro secundário é identificado como a zona onde os turbilhões formados no rastro primário se desprendem e inclui uma camada de cisalhamento livre. Esta região apresenta uma estrutura

3Diâmetro de uma esfera (d

Figura 2.5: (a)-(e) Fenômeno de formação da região de rastro atrás das bolhas; (f)-(j) padrões típicos de rastro encontrados em bolhas não esféricas - Adaptado de FAN et al. (1989).

aberta, conforme observado na Figura 2.5 (e). Em adição, o rastro secundário induz o efeito de deslizamento, que pode promover um arraste adicional de particulado no caso de sistemas trifásicos, fato observado nos trabalhos de MIYAHARA et al. (1989) e citettsu92.

Dentre as características fluidodinâmicas do rastro, uma das mais importantes é sua instabilidade. Inicialmente, o rastro consiste em uma estrutura simétrica, composta por uma região laminar fechada, uma zona vorticial toroidal (principal porção) e uma cauda estreita. A região do rastro aumenta com a aceleração da bolha, eventualmente perturbações devido a turbulência começam a desestabilizar a estrutura simétrica, causando o desprendimento de turbilhões.

O mecanismo de formação e desprendimento de vórtices na região de rastro foi descrito por FAN e TSUCHIYA (1986), os quais destacaram que o desprendimento dos vórtices ocorre de modo assimétrico e alternado, devendo ocorrer em regiões de separação fixos ao longo da borda4 das bolhas não esféricas.

Conforme pode ser observado na Figura 2.5 (a), a formação dos vórtices se origina

a partir da separação do escoamento potencial externo na borda da bolha. Isto induz a geração de vorticidade nos pontos de separação, sendo esta transportada ao longo da camada de cisalhamento livre. Esta camada, formada por um grupo de vórtices, tende a se movimentar em trajetórias espirais, devido as diferenças de velocidade entre as camadas interna e externa de cisalhamento (Figura 2.5 (b)-(c)). Consequentemente turbilhões tridimensionais são formados. Nesta etapa, o vórtice ainda está preso à borda da bolha pela camada de cisalhamento e continua a crescer devido ao fornecimento de vorticidade. Quando o turbilhão apresenta energia suficiente para passar o escoamento externo e se opôr a camada de cisalhamento, este se desprende da bolha, completando um ciclo entre sua formação e seu desprendimento do rastro (Figura 2.5 (d)-(e)).

Desprendimento paralelo dos turbilhões pode ocorrer se os processos descritos acima ocorrerem de modo simultâneo em ambas as bordas da bolha, isto deve acontecer quando um grupo de vórtices se desestabiliza antes de atingir a circulação espiral. Além disso, fenômenos de alongamento/encolhimento local dos grupos de vórtices, difusão da vorticidade devido a ações viscosas podem levar ao desprendimento dos vórtices a partir das bordas das bolhas.

Fenômenos de Coalescência e Quebra das Bolhas

Os fenômenos de coalescência e quebra das bolhas são de grande importância na modelagem de sistemas gás-líquido e gás-líquido-sólido, desde que estes afetam diretamente o tamanho das bolhas presentes nos sistemas, e consequentemente propriedades como área específica entre as fases e os coeficientes de transferência de momentum, massa e calor. Além disso, usualmente os equipamentos industriais deste tipo operam em regime de escoamento turbulento, favorece a ocorrência destes fenômenos.

De acordo com PRINCE e BLANCH (1990) e CHAUDHARI e HOFFMANN (1994), a coalescência entre duas bolhas deve ocorre em três etapas, sendo a segunda etapa a controladora do processo de coalescência:

1. Aproximação e colisão entre duas bolhas, prendendo uma quantidade de líquido, e consequentemente formando um filme de líquido entre elas;

2. Estreitamento do filme pelo escoamento/drenagem do líquido pela influência da gravidade e sucção devido as forças capilares;

3. Ruptura do filme, quando este alcança um valor crítico de espessura.

Fatores como taxa e eficiência das colisões entre as bolhas são de fundamental importância para o processo ocorrer, além disso, as bolhas devem permanecer em contato por um tempo suficiente para o filme líquido atingir o valor crítico necessário para ruptura.

As colisões podem ocorrer devido a vários mecanismos. De modo geral, considera-se que as colisões surgem a partir de fatores relacionados a turbulência, empuxo e cisalhamento. Além destes, o movimento aleatório e oscilatório das bolhas devido à turbulência e a presença de bolhas com diferentes tamanhos, as quais apresentam velocidades de ascensão distintas também contribuem na ocorrência de colisões (PRINCE e BLANCH, 1990).

Segundo FAN e YANG (2003), o fenômeno de quebra das bolhas pode ser causado por dois processos principais: colisões envolvendo as bolhas (bolha-bolha, bolha-partícula ou bolha-vórtice) e a própria instabilidade destas no meio. HINZE (1955) propôs que a quebra das bolhas é causada pela pressão dinâmica e pelas tensões de cisalhamento na superfície da bolha, efeitos estes induzidos pelos diferentes padrões de escoamento do líquido, por exemplo, devido as flutuações da turbulência. Quando a força hidrodinâmica máxima no líquido é maior do que a força de tensão superficial, a bolha quebra, formando bolhas menores (FAN e YANG, 2003). LUO e SVENDSEN (1996) propuseram um modelo para quantificar a taxa de quebra das bolhas, considerando que este processo deve ocorrer quando uma bolha sofre uma colisão com um turbilhão que apresente energia cinética turbulenta suficiente para perturbar a superfície da bolha, provocando assim o rompimento desta.

Maiores detalhes da modelagem dos fenômenos de coalescência e quebra empregados nesta pesquisa são dados na Seção 3.4.