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2 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

3.2 Percurso metodológico

3.2.1 Fase exploratória de pesquisa e trabalho de campo

Como afirma (Bourdieu, 2003), é em função de uma determinada construção do objeto de pesquisa que um determinado método de amostragem e técnica de coleta e análise de dados se impõem. Dessa forma, ao nos propormos a construção de um objeto de estudo em

Ciência da Informação, utilizando o construto teórico da antropologia da informação que se inspira na antropologia interpretativa, os métodos e as técnicas de pesquisa dessa área se impõe, inclusive, na análise das representações sociais26. Nesse sentido, o trabalho de pesquisa de campo procurou se aproximar daquilo que os antropólogos chamam de etnografia. Para Geertz (1989), um dos autores clássicos da antropologia interpretativa, praticar etnografia não é uma questão de métodos e técnicas de pesquisa como estabelecer relações, selecionar informantes, transcrever textos, mapear campos e manter um diário de campo. A prática da etnografia implica no que ele chama de “descrição densa”. Ou seja,

tentar ler (no sentido de “construir uma leitura de”) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escrito ou não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado” (Geertz, 1989, p. 20).

Essa concepção da prática etnográfica está vinculada a um conceito de cultura que é essencialmente semiótico, sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, que poderiam ser chamados de símbolos. Dessa forma, a cultura “é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos com densidade” (Geertz, 1989, p. 24). Além disso, descrever uma cultura, uma prática cultural ou, nosso caso, informacional, significa que as compreendemos sempre a partir de nossa própria cultura, de nossas próprias práticas. Por isso,

os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e, na verdade, de segunda e terceira mão. Trata-se, portanto, de ficções, ficções no sentido de que é “algo construído”, “algo modelado” – o sentido original de fictio – não que sejam falsas, não fatuais ou apenas experimento de pensamento (Geertz, 1989, p. 25 - 26).

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As representações sociais não são essencialmente uma categoria da psicologia social ou da antropologia, por exemplo. Como afirma Minayo (1995), elas pertencem ao campo das ciências sociais. Portanto, podem ser apropriadas pelas diferentes disciplinas desse campo, imprimindo-lhes o seu olhar específico. Nesse sentido, a pesquisa em representações sociais pode adotar tanto uma abordagem quantitativa, onde o fenômeno é medido tal qual nas pesquisas de opinião, como uma abordagem qualitativa que privilegia a interpretação da realidade.

De acordo com Geertz (1989), a abordagem etnográfica é essencialmente interpretativa e o que ela interpreta é o fluxo dos discursos sociais. Dessa forma, perde-se o sentido adotar critérios como confiabilidade27 e validade28, bem como, tamanho da amostra e critérios de amostragem que garantiriam a possibilidade de generalizar os dados obtidos para o universo mais amplo ao qual se dirige a pesquisa social. A pesquisa etnográfica apresenta como uma de suas principais características a descrição de universos pequenos, “microscópicos” como afirma Geertz. A questão está no fato, aponta Geertz (1989, p. 32), de que o “locus do estudo não é o objeto de estudo. Os antropólogos não estudam as aldeias (tribos, cidades, vizinhanças...), eles estudam nas aldeias”. Dessa forma, não se pretende que estes estudos possibilitem generalizações como encontrar a essência de grandes sociedades em pequenas aldeias, o mundo amplo no pequeno. O objetivo é tirar “grandes conclusões a partir de fatos pequenos, mas densamente entrelaçados (....) não é generalizar através dos casos, mas generalizar dentro deles” (Geertz, 1989, p. 36-38).

A perspectiva antropológica se insere no contexto mais amplo da abordagem qualitativa em pesquisas sociais onde o debate em torno da representatividade do grupo de pesquisa, ou seja, da capacidade de um indivíduo falar em nome de muitos é colocada em termos de universalização e particularização (Bourdieu29 apud Minayo, 1996). Na medida em que a fala de um agente expressa tanto seus modelos culturais, construídos a partir das relações de pertencimento a um grupo e a um momento histórico, como as relações e as estruturas sociais mais globais do grupo ou classe onde está inserido, podemos compreender, a partir da fala dos informantes, tanto o geral como o específico. Dessa forma, a compreensão do indivíduo como representativo precisa ser “completada com as variáveis próprias tanto da

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Critério adotado nos pesquisas quantitativas que indica a capacidade dos instrumentos utilizados produzir medições constantes quando aplicados ao mesmo fenômeno (Richardson, 1985).

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Indica a capacidade de um instrumento produzir medições adequadas e precisas para se chegar a conclusões corretas (Richardson, 1985).

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BOURDIEU, P. Ésquisse d’ une Théorie da La Pratique. Paris: Librairie Droz, 1972. A tradução deste texto para o português pode ser encontrada em: BOURDIEU, P. Esboço de uma teoria da prática. In.: ORTIZ, Renato (org.) . A sociologia de Pierre Bourdieu. São Paulo: Olho d’ Água, 2003. p. 39-72.

especificidade histórica como dos determinantes das relações sociais” Minayo (1996, p. 113). Por isso, o grupo ou comunidade alvo de pesquisa precisa contemplar uma diversidade de elementos que torne possível a compreensão das hipóteses, pressupostos e variáveis estratégicas previstas para a compreensão do objeto (Minayo, 1996).

Essa perspectiva metodológica orientou a fase exploratória da pesquisa que, de acordo com Minayo (1996), contempla as seguintes atividades: escolha do espaço (locus) e do grupo de pesquisa; estabelecimento dos critérios de amostragem e estabelecimento de estratégia de entrada em campo. O espaço e o grupo de pesquisa definido foi o seguinte: familiares de portadores de sofrimento mental, referenciados na Clínica Psicossocial, no município de Ipatinga/MG. O familiar definido para fazer parte do grupo de pesquisa é aquele que é referência para a Clínica Psicossocial – acompanha o portador de sofrimento mental às consultas, participa das reuniões de grupos de familiares e, quase sempre, é o responsável pelo controle da medicação. Ao longo do trabalho nos referiremos a esse familiar como cuidador.

O primeiro contato com o locus da pesquisa aconteceu em junho de 2004 por ocasião da elaboração do projeto de dissertação para o exame de qualificação. Naquela ocasião, procuramos o Coordenador da Clínica Psicossocial, Amâncio Medeiros, e apresentamos nossa proposta de estudo. Procuramos também a Associação Loucos por Você, que desenvolve um trabalho de reinserção social do portador de sofrimento mental no município de Ipatinga e de apoio aos familiares dos mesmos. Fomos recebidos pela presidente da associação, Cirlene Ornelas, que nos relatou a história da instituição e os trabalhos desenvolvidos. Inicialmente, nos propomos a constituir o grupo de pesquisa formado por familiares vinculados à associação e a Clínica Psicossocial. Ao longo do processo de elaboração teórica do objeto de estudo sentimos necessidade de diminuir a abrangência do mesmo e definimos por focar apenas a Clínica Psicossocial. Contribuiu também para esta decisão, a interrupção, durante parte do 2º. Semestre de 2004, de algumas atividades da

Associação Loucos por Você como as oficinas de qualificação profissional, das quais participavam usuários e familiares, em função da prefeitura não ter realizado os repasses de recursos previstos em contrato.

Após algumas visitas à Clínica Psicossocial para conhecer o funcionamento do local, foi solicitada para a assistente social, responsável pelo relacionamento com as famílias, uma relação de familiares que pudessem participar do estudo. Solicitamos que essa relação contemplasse familiares residentes em bairros diferentes, com uma certa diversidade em termos de renda, sexo, escolaridade, vínculo de parentesco com o portador de sofrimento mental. Além disso, o grupo contemplou cuidadores cujos familiares possuem dois ou mais anos de adoecimento30 e com passagem ou não por internação psiquiátrica. A partir dessa relação, onde constava nome, endereço e telefone dos possíveis informantes, foi feito um contato, por telefone, com cada um, agendando dia e horário para a entrevista. Nesse primeiro contato, explicávamos rapidamente o propósito da entrevista e procurávamos obter o consentimento para a mesma. Apenas um familiar se recusou a participar do estudo alegando que estava muito ocupado. Como técnica para obtenção de informações, utilizamos a entrevista que é definida por Colognese e Melo (1998), como um processo de interação social, no qual o entrevistador procura obter informações por parte do entrevistado. A entrevista de pesquisa realizada no presente estudo pode ser definida como uma entrevista semi-diretiva ou semi-estruturada que é definida por Colognese e Melo (1998), como um tipo de entrevista onde a maioria das perguntas são previstas com antecedência, dentro de uma seqüência pré- estabelecida, onde o entrevistador tem um papel mais ativo.

A partir das diretrizes teóricas que fundamentam o estudo, baseadas na antropologia da informação, construímos um roteiro de entrevista que consta no anexo 01,

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Naquele momento, a maioria dos usuários da Clínica Psicossocial possuíam um tempo de adoecimento igual ou superior a dois anos. A adoção desse critério para a composição do grupo de pesquisa se deu com o objetivo de selecionarmos informantes que já tivessem organizado minimamente suas vidas a partir do adoecimento mental do familiar.

com questões abertas e fechadas, onde procuramos conhecer as práticas informacionais de recepção, geração e transferência de informação dos familiares de portadores de sofrimento mental em relação à abordagem do tratamento psicossocial da doença mental. Ao final do roteiro, incluímos uma questão onde pretendíamos identificar a parte mais estável das representações sociais sobre o louco, a loucura e o tratamento da loucura , utilizando a técnica da associação livre das palavras31, conforme proposto pelos estudiosos do chamado núcleo central das representações sociais32. No entanto, em função do baixo nível de escolaridade da maioria dos informantes, esta questão se revelou de pouca aplicabilidade na pesquisa de campo. Foi usada, então, com outra finalidade: facilitar a interpretação das representações sociais dos informantes, no que foi muito útil. Apesar do roteiro previamente definido, muitas vezes as questões foram reformuladas, preservando o sentido original, a fim de se adequar ao contexto da entrevista, bem como, novas questões foram acrescentadas a fim de facilitar o entendimento das informações. As entrevistas foram realizadas no período de março a maio de 2005, na residência dos cuidadores, gravadas e transcritas na íntegra. Foi anotado em um caderno à parte, após a realização das entrevistas, detalhes da interação entrevistadora e entrevistado.