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2 INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO

2.2 Informação e conhecimento

No final da década de 1970, Lyotard (2000) publicou na França, o livro que receberia, posteriormente, na edição brasileira, o nome de A condição pós-moderna7, onde apontava para as mudanças ocorridas no estatuto do conhecimento e da informação, nas chamadas sociedades pós-industriais. Nessas sociedades, a informação é um elemento que adquire dupla significação: ao mesmo tempo em que mediatiza os processos de apreensão da realidade e as relações sociais, adquire funções e características de mercadoria e está sujeita a uma lógica de produção da mesma forma que qualquer outra mercadoria. Por outro lado, a ciência, da mesma forma que qualquer outra modalidade de conhecimento, “nada mais é do que um certo modo de organizar, estocar e distribuir certas informações” (Barbosa, 2000, p. IX). Nesse sentido, a concepção de ciência fundada no espírito cede espaço para outra, onde ela começa a ser vista como um conjunto de mensagens que possa ser traduzido em quantidade (bits) de informação. O conhecimento científico será então aquilo que pode ser traduzido ou compatível com a linguagem com que as máquinas operam. Dessa forma,

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O título em francês foi La Condition Postmoderne. No Brasil, a obra recebeu o título de O pós-moderno até a sua 4ª. Edição.

a atividade científica deixa de ser aquela práxis que, segundo a avaliação humanístico-liberal, especulativa, investia a formação do ‘espírito’, do ‘sujeito razoável’, da ‘pessoa humana’ e até mesmo da ‘humanidade’. Com ela, o que vem se impondo é a concepção da ciência como tecnologia intelectual, ou seja, como valor de troca e, por isso mesmo, desvinculada do produtor (cientista) e do consumidor (Barbosa, 2000, p. x).

Considerando que a Ciência da Informação surgiu e se desenvolveu nesse contexto das sociedades pós-industriais, o problema a que ela se propôs8, questões relativas ao conhecimento e a informação, ela foi conduzida para uma linha de pesquisa e de prática profissional onde a informação é vista, muitas vezes, como aquilo que pode ser traduzido em bits e está inserido em um sistema que contempla, pelo menos, três instâncias principais - um centro de informação, um canal e o usuário. Dessa forma, informação e conhecimento são termos muito presentes na literatura da área e estão relacionados entre si. A informação que é disponibilizada pelo sistema para o usuário, é vista como um elemento prévio e necessário para a criação do conhecimento9. Barreto (1999), um dos autores que trabalham a informação nessa perspectiva, utiliza a analogia entre o cristal e a chama para explicar esse processo. Nessa analogia, o cristal, com seu facetado preciso que lhe possibilita refratar a luz de forma invariante, representa a geração da informação que é marcada, na concepção de Barreto (1999), pela tentativa de conferir centralidade ao discurso do autor e a homogeneização das estruturas de inscrição da informação. Por outro lado, a chama se caracteriza pela não constância, da mesma forma que a informação adquire diferentes sentidos em função das individualidades semânticas e de percepção dos receptores. A informação, que é produzida através de práticas bem definidas, apoiadas por um processo de racionalidade técnica, que lhe é específico, representado pelas atividades de coleta, seleção, codificação,

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De acordo com Saracevic (1996), a explosão informacional é o principal problema da Ciência da Informação. Conseqüentemente, a área tem como um de seus principais objetivos promover o acesso ao conhecimento.

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Capurro (2003), no entanto, nos lembra que essa ordem não é uma unanimidade. Uma vez que essa relação é vista ao contrário, por alguns autores, onde o trabalho informativo diz respeito à contextualização e à recontextualização do conhecimento, tornando-o, portanto, em informação potencial.

organização, classificação e armazenamento, orientadas para a formação de estoques de informação (Barreto, 1999). No entanto, por serem estáticos, de acordo com Barreto (1999, p.2), o “estoque não produz, por si só, qualquer conhecimento”. As informações armazenadas em bases de dados, bibliotecas, arquivos ou museus só produzem conhecimento a partir de uma ação de comunicação mutuamente consentida entre a fonte (os estoques) e o receptor (Barreto, 1999).

Em função do domínio onde propusemos a construção do objeto de estudo, práticas de informação no contexto da saúde mental, acreditamos que não podemos perceber a informação nessa perspectiva estática, os “estoques de informação” proposto por Barreto (1999) e compartilhado por muitos estudiosos da área. Nesse sentido, outras abordagens teóricas foram procuradas a fim de possibilitar a compreensão do processo informacional dos familiares de portadores de sofrimento mental tendo em vista a adoção da abordagem psicossocial, pela rede pública, para o tratamento desta doença. E, ainda, que esses familiares são sujeitos concretos, inseridos em um contexto social e histórico, participando de inúmeras interações cotidianas onde informam e se informam, alterando seu nível de conhecimento sobre a doença mental e sobre o seu familiar doente. Dessa forma, não há como conceber um processo de informação linear, ainda que considere os aspectos cognitivos dos sujeitos, para compreender o processo informacional em questão. A imagem de um sistema, cujos extremos são constituídos por um centro de informação e um usuário, não representa adequadamente o

lócus onde se dão as práticas sociais e de informação, uma vez que estas estão inseridas em

um campo de lutas em torno de valores e de significados onde tanto a informação como suas práticas de produção, transferência e aquisição são sociais e simbólicas. Dessa forma, por entendermos que não podemos isolar a informação do contexto cultural onde é gerada, transmitida e apropriada, fomos buscar no construto teórico da antropologia da informação desenvolvido por Marteleto (1994; 2002) o suporte para compreender a relação entre

conhecimento e informação no contexto da saúde mental, tomando como horizonte a representação social da loucura.

De acordo com Marteleto (2002), a antropologia da informação concebe o seu objeto de estudo no contexto de uma cultura informacional amparada na tecnociência, situando-o na confluência entre duas lógicas que se articulam e se determinam mutuamente. A primeira é representada pela ordem social sistêmica, que detém os instrumentos e mecanismos postos em ação para nomear as experiências coletivas, através de imagens, mensagens, dados e informações que circulam no mercado de bens simbólicos, organizando “um campo estrutural de símbolos e significados que representa a ordem de funcionamento da realidade” (Marteleto, 2002, p. 103). A segunda considera os sujeitos inseridos nos espaços cotidianos, onde se apropriam das informações enquanto produtores, mediadores, receptores, tentando fixar e impor seus sentidos. Dessa forma, os estudos em antropologia da informação reconhecem que a sociedade é uma arena de disputas simbólicas relacionadas às posições ocupadas por cada ator no espaço social tanto quanto às categorias e classificações empregadas para nomear a realidade (Marteleto, 1994). Nessa perspectiva, a informação deve ser tomada no plano das “ações e representações dos sujeitos, em suas práticas sociais históricas e concretas, enquanto um elemento que permeia cada uma dessas práticas” (Marteleto, 1994, p.134).

Do ponto de vista dos pressupostos empíricos, a antropologia da informação procura centrar suas indagações

na problemática do conhecimento, sua produção, distribuição, organização na sociedade, como meios para a formação e o exercício da cidadania, no ambiente cultural das chamadas sociedades da informação e da comunicação (Marteleto, 2002, p. 104).

O estudo da informação e do conhecimento na perspectiva antropológica considera também o caráter pluriepistemológico do conhecimento onde todas as formas de conhecimento, tanto o conhecimento científico quanto o conhecimento prático e o senso comum, derivados do mundo da vida, são válidos e socialmente construídos. Ou seja, são conhecimentos que têm história, podem ser questionados, discutidos, afirmados e podem também variar de uma pessoa para outra e participar da disputa pelo poder de nomear no mercado de bens simbólicos (Marteleto, 2002). Como afirma Santos at al. “não há conhecimentos puros, nem conhecimentos completos; há constelações de conhecimentos” (Santos at. al, 2005, p. 55). Dessa forma, o estudo da informação e do conhecimento, na perspectiva da antropologia da informação, requer uma epistemologia diversa daquela que se consolidou no processo de construção do conhecimento da ciência moderna que se dava através da ruptura com o senso comum. Por isso, este trabalho busca compreender como se constrói e se desenvolve o senso comum e o conhecimento prático sobre a loucura por entender que estes elementos são fundamentais para os processos de transferência de