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Práticas informacionais dos familiares de portadores de sofrimento

6 INFORMAÇÃO E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

6.1 Análise da pesquisa de campo

6.1.2 Práticas informacionais dos familiares de portadores de sofrimento

A identificação das práticas informacionais dos familiares dos portadores de sofrimento mental é um dos principais objetivos do trabalho. Nesse sentido, todo roteiro de entrevista foi pensado tendo em vista este objetivo como pode ser verificado no anexo 01. Baseando-nos em Araújo (1998) concebemos as práticas informacionais como as ações de recepção, geração e transferência de informação, realizadas por sujeitos sociais em diferentes circuitos comunicacionais. Dessa forma, a concepção de informação que nos orienta, sem nenhuma pretensão em invalidar outras abordagens, é aquela proposta pela antropologia da informação que concebe a informação, o conhecimento e a comunicação como “fenômenos que tomam corpo nas práticas e representações sociais, tanto quanto nas relações que se estabelecem entre os sujeitos coletivos” (Marteleto, 2002, p. 102). Ao adotarmos essa orientação teórica, concebemos que o sentido da informação é reconstruído no momento da recepção a partir das individualidades dos sujeitos receptores e do contexto de recepção. Portanto, o processo informacional é algo sempre aberto e inacabado.

O roteiro da entrevista foi constituído, em grande parte, por questões abertas onde procuramos criar condições para que o particular, o modo como cada informante lida com o adoecimento mental de seu familiar pudesse aflorar. Nesse sentido, procuramos enxergá-lo como um instrumento para direcionar a entrevista e não perdermos o foco. Por exemplo, sempre que falávamos a palavra psicossocial e percebíamos que não havia sido compreendida, explicávamos logo em seguida que se referia ao ‘tratar em casa’59.

59

Nos contatos com o grupo–alvo que fizemos antes das entrevistas, percebemos que o termo psicossocial é de difícil compreensão para os mesmos. Dessa forma, fizemos uma redução semântica no termo para o aspecto que consideramos central nessa abordagem que é o ‘tratar em casa’. Observamos que alguns profissionais da saúde também utilizam essa estratégia nas suas interações com os familiares a fim de facilitar a comunicação.

A partir das indagações – conte-me um pouco da história da doença de (n):

quando e como foi a descoberta da doença, qual foi o tratamento indicado e como tem sido a vida de sua família junto com (n), procuramos compreender o cotidiano dos familiares e os

episódios marcantes na relação com o familiar doente. Dos dez informantes, seis receberam a orientação para internar seu familiar doente quando este teve a primeira crise. Para um informante, essa orientação ocorreu em crises posteriores que foram mais graves. Os três casos que não receberam essa orientação são casos de adoecimento recente ou que tiveram um agravamento da doença nos últimos quatro anos.

Na questão, como você ficou sabendo que o tratamento da doença mental pode

ser feito em casa, procuramos identificar de que forma a informação sobre o atendimento

psicossocial chegou até o informante. Com pouca penetração na mídia, talvez, em função de sua complexidade, a abordagem psicossocial do tratamento da doença mental foi apresentada a quase todos os informantes da pesquisa através dos profissionais da área da saúde dos hospitais psiquiátricos onde fizeram as últimas internações dos seus familiares portadores de sofrimento mental ou da equipe de saúde mental do município. Apenas um informante mencionou um panfleto encontrado na rua, por ocasião da comemoração do Dia Nacional de Luta Antimanicomial, em 18 de maio de 1998. Naquele momento, a prática adotada para o atendimento de doentes mentais graves ou em crise, pelo serviço municipal de saúde mental, era a internação em hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte. A reação diante dessa informação, é o que procura identificar a pergunta, Então, como se sentiu? o relato desse sentimento foi fundamental para perceber o nível de resistência do informante em relação à proposta do tratamento psicossocial. Em um extremo, o informante no. 10 cujo acesso a essa abordagem, inicialmente, se deu através de um panfleto relata o seguinte: “Eu senti a maior felicidade do mundo porque até então ... tudo que eu queria era um lugar para eu tratar o meu filho que fosse do meu lado... (....) [o hospital psiquiátrico] tira a pessoa do nosso meio; o que

só aumenta o nosso sofrimento”. No outro extremo, o informante no. 01 relata o seguinte quando foi informado pelo psiquiatra de que o filho poderia fazer o tratamento em casa: “Ah, eu senti muito mal... Eu senti muito mal porque ele não me obedece. Ele me fala coisas que eu morro de vergonha... Me faz vergonha.”

Na indagação, de uma maneira geral, você recebe informação sobre o

atendimento ao portador de sofrimento mental, nessa abordagem psicossocial, através de que forma? As reuniões com os grupos de familiares na Clínica Psicossocial foi a principal fonte

de informação dos informantes da pesquisa sobre este tipo de tratamento. Além disso, as interações com os médicos e demais profissionais da área da saúde como psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros tem sido uma fonte de informação sobre o adoecimento mental e a abordagem psicossocial. Nestas interações, que se caracterizam pela comunicação face a face, os informantes podem conversar sobre a doença do familiar, esclarecer dúvidas e, conseqüentemente, melhorar a compreensão sobre o adoecimento mental em função de receberem uma informação de forma adequada a suas capacidades cognitivas. Três informantes relataram também que procuram ler tudo que encontram sobre o assunto em livros, revistas e jornais. Apenas um informante relatou já ter visto alguma coisa sobre doença mental, no caso, depressão, em um programa de televisão. As reuniões, encontros e seminários realizados pela Associação Loucos por Você que faz parte do Movimento Nacional de Luta Antimanicomial é a principal fonte de informação para um informante. Os demais informantes não têm muito contato com a Associação Loucos por Você, nem com as atividades que essa instituição promove.

Na indagação, na sua opinião, você contribui para informar outras pessoas sobre

o atendimento psicossocial ao portador de sofrimento mental? Se sim, relate-me uma situação em que isto tenha ocorrido? procuramos identificar se os informantes também

geram60 e transferem informação sobre o tratamento da doença mental na abordagem psicossocial. Por serem espaços abertos ao diálogo como propõe Freire (1977), as reuniões com grupos de familiares promovidas pela Clínica Psicossocial são também o principal espaço onde os informantes geram e transferem informação. Nesses encontros, os familiares falam sobre as experiências, angústias e alegrias experimentadas no dia-a-dia como cuidadores, se apropriando, muitas vezes, do discurso técnico da reforma psiquiátrica para relatarem essa vivência. Seis informantes entendem que geram informação sobre o tratamento psicossocial nesses encontros e em outros espaços como na sala de espera para consulta, nas interações com conhecidos e vizinhos. Dois informantes afirmam que já participaram de eventos em outros locais onde apresentaram relato de suas experiências como cuidadores de portadores de sofrimento mental. Com exceção de dois informantes que compreendem de forma mais clara os aspectos políticos inerentes ao tratamento manicomial, para os demais informantes a defesa da abordagem psicossocial se dá em função da eficácia do tratamento. Para o informante no. 04, depois que a filha passou a freqüentar a Clínica Psicossocial, “ela teve uma melhora... houve assim um clima de paz aqui em casa. [Por isso], já falei com várias pessoas que tem esse problema...[que] deveria ser encaminhado para lá [Clínica Psicossocial] porque você vê hoje uma pessoa da sua família em hospital de doido é a coisa pior que tem”.