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constrangimentos/potencialidades

III – CONSTRANGIMENTOS E POTENCIALIDADES NO TRABALHO DA CPCJ

3.1. Fase Preliminar: Potencialidades/constrangimentos

Ao longo dos últimos 5 anos de existência da CPCJ de Amarante, os procedimentos quanto à organização dos processos, designadamente na fase preliminar, foram-se alterando e moldando às dinâmicas do território mas também às necessidades dos técnicos.

Inicialmente, houve por parte dos técnicos, muitas dúvidas quanto aos melhores procedimentos a adoptar, e foi com base na experiência que foram desenvolvendo um modelo adaptado de organização e intervenção.

Desta forma, a fase preliminar, passa, após recepção de denúncia, por uma série de procedimentos, nomeadamente verificar se existe historial da criança ou jovem sinalizada e sua família, designadamente se já se encontra a ser acompanhada pelo Ministério Público e, nesse caso, é-lhe comunicado a situação.

Caso seja situação urgente actuam imediatamente, geralmente, com uma visita domiciliária, mas se não for considerada situação de carácter urgente, é convocada a família ou quem tenha a guarda de facto e a criança e/ou jovem (caso tenha 12 ou mais anos).

No primeiro contacto/entrevista é dada informação sobre a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, os seus objectivos, modo de actuação, os princípios orientadores, os direitos inerentes aos pais ou quem tem a guarda de facto e explicado a importância do consentimento.

Após o consentimento para a intervenção, o gestor de caso verifica se estão a ser acompanhados por técnicos no âmbito de outros programas e/ou medidas, por forma a evitar sobreposição de intervenções e multiplicação de serviços a assistir a família. A priorização da intervenção ao nível das problemáticas e das famílias parece fundamental, de acordo com os entrevistados, uma vez que permite rentabilizar os recursos físicos e sobretudo humanos, nomeadamente ao nível das suas competências técnicas e multidisiplinares, garantindo a intervenção mínima dos técnicos da comissão restrita e a sua concentração noutros processos.

79 3.1.1. Opinião sobre o Consentimento

A questão do consentimento tem sido objecto de debates e reflexões alargadas se, para alguns, é uma questão encerrada, para outros está ainda longe de o ser.

Com base nas entrevistas foi possível compreender, que ao nível da intervenção, a fase preliminar, nomeadamente no que concerne à obtenção do consentimento, é ainda uma questão delicada. Por um lado, porque é efectuado a confrontação da família ou quem tenha a guarda de facto com a denúncia, muitas vezes o pedido de consentimento é efectuado ao/à próprio/a agressor/a que não tem consciência da situação e não compreende a situação em que se encontra evolvido/a, conforme frisa a ex-comissária e Presidente da Comissão de Protecção «(…) relativamente ao consentimento, já foi muito

debatido, e ainda ninguém sabe muito bem o que pensar sobre esta situação, porque às vezes vamos pedir consentimento a quem abusa, a quem bate a quem põe efectivamente a criança em perigo» (entrevistada n.º 7 – ex Presidente e comissária na modalidade restrita – Segurança Social)

Para além disso, o consentimento dificulta a possibilidade de intervenção imediata, havendo um hiato significativo entre a fase da abertura do processo e o consentimento, nomeadamente nas situações em que são efectuadas convocatórias sucessivas, com cartas registadas e avisos de recepção, visita domiciliária (em que não se encontra ninguém em casa), havendo, por último, a recorrência à GNR para efectuar notificação à família.

De acordo com os técnicos a empatia estabelecida com a família ou quem tenha a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos, é fundamental para a obtenção do consentimento. A par do medo e da revolta muitas vezes sentido pelos intervenientes, os técnicos procuram estabelecer uma relação de confiança e atitude de colaboração com a família e o jovem.

Apesar das dificuldades circunscritas à questão do consentimento, a maioria dos entrevistados considera este procedimento importante porque permitirá uma maior implicação e participação da família da criança ou jovem sinalizada, uma vez que é será transversal às várias fases do processo, nomeadamente da fase diagnóstica, de aplicação e do acompanhamento da medida e do arquivamento.

Contrariamente, o não consentimento impede, logo à partida a intervenção da CPCJ, tornando estéril a possibilidade de qualquer diligência e a necessária remissão do processo para o Ministério Público.

É colocado à reflexão por alguns dos técnicos entrevistados o facto de o consentimento ser dado sem haver uma efectiva compreensão da amplitude da intervenção, ou seja,

sem que seja, efectivamente, compreendido por parte da família e do jovem o trabalho da comissão, o que implica que a retirada do consentimento seja efectuada numa fase posterior. Como sintetiza a ex-comissária do CLAP, «E acho que muitas das famílias que

até dão o consentimento, nem sempre são bem esclarecidas sobre o que era a comissão e como é que actuava. Por isso, muitas vezes retiravam o consentimento. E deveria ser explicado à família que realmente é uma direito aquela família querer ou não querer a intervenção da comissão… porque deve ser um espírito de colaboração e não coerciva» (entrevistada n.º 6 – ex- comissária na modalidade restrita – CLAP)

Outra questão prende-se como estereótipos construídos sobre a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens, muitas vezes criados pela própria comunicação social, e como tal o consentimento é dado pelas famílias com base no medo que lhes sejam retirados os filhos, e as crianças e os jovens o medo da institucionalização.

É desenvolvida a ideia de que a comissão tem um papel coercitivo e penalizador, em vez de colaborador e de protector dos direitos das crianças e jovens. É apontado pela técnica supracitada, o facto de a Comissão, nas suas duas modalidades, terem, ainda, um importante papel a cumprir na desmistificação destas questões, nomeadamente através da divulgação dos objectivos, dos seus princípios orientadores e modo de actuação. «nem a comissão alargada nem a comissão restrita conseguiram ainda cumprir com rigor os

princípios pela qual a Comissão existe. Por isso as pessoas nem sempre estão bem informadas, mas não é só aqui no concelho, daquilo que vou falando com os outros técnicos das outras comissões, sinto que isto é um fenómeno nacional». (entrevistada n.º 6 – ex-comissária na modalidade restrita – CLAP)

Outra das questões associadas ao consentimento, que se constitui num constrangimento, prende-se com os casos, (cada vez mais frequentes), de ruptura conjugal e/ou com a ausência de um dos progenitores, sendo a obtenção de consentimento dificultada.

Para além disso, a comissária da ADESCO na Comissão Restrita, tem vindo a apreender que é mais fácil a obtenção do consentimento por parte das famílias dos grupos sociais mais desfavorecidos, sendo a contestação e resistência maior nas famílias mais esclarecidas, conforme evidencia, «acho que, por vezes os agregados mais carenciados, até

mais desfavorecidos curiosamente, não negam, não se negam tanto, acho eu, naquilo que eu pude observar, não se negam tanto à nossa averiguação e a assinar o consentimento (…) nos agregados um bocadinho mais esclarecidos e assim, há algumas reticências, tem que se explicar muito bem, porque passa para Tribunal. Passa, se algum deles não der ou nenhum nos der consentimento (…) o procedimento normal é ir, de facto, para Tribunal (…) e essa primeira

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abordagem é complicada, é muito complicado em alguns casos! (entrevistada n.º 9 – comissária na modalidade restrita – ADESCO)