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SEÇÃO 5 ACTANTES, CONTROVÉRSIAS E DINÂMICA ORGANIZACIONAL

5.4. Tempo e mudança: a Empresa X longitudinalmente

5.4.1. Fase 1: primeiros passos

A primeira fase é caracterizada pela concepção da empresa, assinatura do contrato social e dissolução da sociedade original com a saída de L3. A empresa surgiu como uma ideia de L2, ex-funcionário de uma grande consultoria de gestão e amante de tecnologia desde pequeno. L2 tinha algumas ideias que considerava inovadoras e gostaria de testar. Ele sempre foi muito ambicioso e tinha bons conhecimentos na área de computação. Após amadurecer alguns projetos de produtos e serviços de TI, por meio das discussões com alguns amigos e seu pai, L1, L2 pediu demissão do local que trabalhava para abrir o seu próprio negócio. L1, que era um experiente consultor e ex-diretor de empresa, aceitou prover o investimento inicial para a empresa de L2, desde que L2 o ajudasse na sua própria consultoria de gestão, a Empresa Y1. L2 aceitou a oferta e fez uma proposta para um amigo seu da faculdade, L3, para entrar na sociedade e cuidar da parte operacional da Empresa X.

Eu o conheci através de um amigo da faculdade. Ele era meio que “agregado” da república. Quando ele aparecia na rep, o que não era sempre porque ele era de outra cidade, nós conversávamos muito de tecnologia e as ideias batiam. Só não batia a execução, como eu descobri depois (Entrevista 1 de L2)

Após a assinatura do contrato social e a contratação de um desenvolvedor, L1, L2 e L3 abriram o seu escritório físico da Empresa X em um edifício comercial. A equipe inicial era composta por L2 - chefe administrativo, L3 - chefe operacional, F1 – vendedor da Empresa Y1 que auxiliava na Empresa X e F2 - desenvolvedor. O quadro de funcionários era bastante enxuto, o escopo de trabalho pouco formalizado e os funcionários eram remunerados seguindo as boas práticas de mercado do interior, com contratação CLT e uma média salarial mais elevada do que a média das fases seguintes. O surgimento das controvérsias que levariam a saída da L3 da sociedade possui duas correntes de explicação distintas. A primeira, está associada à baixa versatilidade e performance profissional de L3. A gota d’água teria sido o envio acidental de um tutorial escrito em linguagem de baixo-calão para um grande cliente (a Acadegym) que cancelou seu contrato após receber o arquivo. A segunda corrente explicativa, atribui a dissolução da sociedade à falta de valorização de L3 somada ao seu

sentimento de isolamento. L3 se sentia isolado por estar dentro de uma empresa em que relações familiares tinham um peso muito elevado no processo decisório da empresa.

Para a primeira corrente explicativa, a visão prevalecente é a de L2. Segundo ele:

[...] Não tinha muita entrega, o aplicativo era feio, não funcionava direito, algumas coisas não rodavam e eu precisava me envolver muito na operação, o que não era a ideia inicial. A ideia era justamente ter um sócio [L3] para eu não ter que me envolver na droga da operação. Não fazia sentido. Eu estava ficando muito no operacional. Eu tinha que gerenciar meu sócio e os funcionários juntos. Só que meu sócio não programava direito, então ele era um peso morto pra gente. O trabalho que ele sabia fazer [como UX/UI design], não tinha como ser feito porque não havia muita coisa para ser desenvolvida ainda (Entrevista 1 com L2)

L2 continua:

Acho que ele [L3] era muito especialista, não era tão generalista quanto o meu UX atual que chega até o modelo de negócios do cara. Falha em algumas partes, obviamente, mas é melhor do que ele para as necessidades da empresa. A relação com os clientes foi se deteriorando. Ocorreu aquele episódio do tutorial que eu já te contei… E eu já vinha conversando com o L1 argumentando que não havia porque eu pagá-lo. A gente conversou com ele [L3], várias vezes, e não deu. Aí eu o chamei um dia e falei: “A Empresa X tem tantos mil reais de dívida com a Empresa Y1, que injeta dinheiro na empresa desde os primeiros dias. Ou dissolvemos a sociedade e cada um compra o seu prejuízo, ou eu compro o seu prejuízo e você cai fora.” A segunda opção foi o que aconteceu (Entrevista 1 com L2)

Em outra entrevista, L2 complementou a sua fala anterior. Disse que L3 possuía 15% das ações e que a dívida da Empresa X com a Empresa Y1 variava de R$80.000,00 a R$90.000,00. Pela fala de L2, a impressão que temos é a de que seu ex-sócio, L3 era um líder ruim (não cuidava do que deveria cuidar), acomodado (não buscava coisas fora do seu escopo), pouco profissional (deixou vazar o tutorial xingado) e limitado operacionalmente (aplicativo

feio e que não funcionava direito). Isso daria motivos de sobra para a postura agressiva de L2, de intimar L3 a sair da sociedade e comprar a sua parte. Após a dissolução da sociedade, F2, seu único desenvolvedor, também teria abandonado a empresa, tendo sido cooptado por L3 que estava trabalhando em uma concorrente da Empresa X.

Foi então que, por trás dos panos, F2 que morava com o L3, entrou em contato com a W4TI [empresa concorrente] e foi trabalhar com o meu ex- sócio. A saída do F2 foi uma bo***. Eu estava em um projeto de consultoria, numa sexta-feira, o F2 me ligou e perguntou:

- Você vai passar do escritório? Precisamos conversar. - Cara, eu não vou, só segunda… do que você precisa? - Não, precisa ser pessoalmente…

- Cara, eu estou a vários quilômetros de distância, do que você precisa? - Ah, então, eu não queria falar isso pelo telefone, mas eu vou sair. - Ah, beleza. Quanto tempo eu tenho para ajeitar as coisas? - Ah, então, na segunda-feira eu não venho mais.

Isso era sexta-feira, quatro e meia da tarde. E ele era o desenvolvedor principal da empresa (Entrevista 1 com L2)

L2 fala com amargor sobre as dificuldades que passou à época, tendo que conduzir a empresa somente com o estagiário F3 recém-contratado. Considera a postura de F2 muito pouco profissional, apesar de já saber que L3 e F2 moravam juntos. A atitude de F2 foi um dos motivos que gerou uma cláusula bizarra no contrato de prestação de serviços dos novos funcionários da Empresa X. A cláusula impedia os funcionários que viessem a se desligar da Empresa X a “aliciar” (oferecer oportunidades de emprego) para os trabalhadores que ficaram na empresa.

A segunda corrente explicativa, relativiza parte das afirmações anteriores. Seu principal interlocutor é o ex-funcionário F6 transladando o discurso do ex-funcionário F1 em prol de L3. Antes de reproduzir esse discurso, F6 procura deixar claro a relação bastante ruim entre F1 e L2.

F1 ficou bravo porque nem um centavo disso [de um contrato de investimento de R$200.000,00] entrou como remuneração ou bonificação

para ele. O F1 ficou muito nervoso e começou a procurar outros lugares para trabalhar. Aí entra uma sacanagem dele [do F1 para com o L2]. Ele começou a usar recursos da empresa para viajar para a capital e se promover no mercado de trabalho lá. Então, assim, eu sinto que os dois lados estão um pouco errados. O F1 não é flor que se cheire, mas L2 também não é. Estamos falando aqui quase de um Casos de Família (Entrevista com F6)

Segundo F6, a trama é complexa e pode estar um pouco enviesada, mas ele pessoalmente acredita na versão de F1. F1 afirma que as relações de L2 e L3 foram se deteriorando com o tempo por uma suposta mistura do âmbito familiar com o âmbito profissional nas tomadas de decisão da Empresa X. Isso levou ao rompimento da sociedade.

F1 me disse que L2 e L3 vestiam a camisa da empresa. Ambos “rachavam de trabalhar,” “mergulhavam de cabeça” nas coisas da empresa e “davam o sangue” pela causa. Mas nunca sobrava dinheiro, nunca o trabalho rendia, sempre eles estavam com as contas apertadas. Aí, um belo dia, o L3 começou a olhar com mais atenção para o balanço da empresa e o que estava acontecendo. Ele viu que havia conta de cartão de crédito de L2 jantando com a namorada, conta de estacionamento, ou seja, gastos particulares que estavam entrando na conta da empresa. Pelo o que me contaram, foi isso que acabou levando a uma deterioração da amizade dos dois e produziu a dissolução da sociedade (Entrevista com F6)

F6 continua:

Ao meu ver, o depoimento de F1 faz sentido, pois estamos falando de uma empresa familiar de baixo faturamento. Aí aparece um cara que não é da família e começa a mexericar demais. Parece-me um bom motivo para a dissolução da sociedade (Entrevista com F6)

Nesta segunda versão, L2 é um bom trabalhador, mas mistura o fluxo de caixa com o pró-labore, prejudicando a remuneração de L3. L3 também é um bom trabalhador, mas não acha certo a postura de L2 e contesta sua atitude. Por ambos terem personalidades fortes e

discordarem quanto à forma de gerenciamento do negócio e sua regulação financeira, a situação fica insustentável até a sociedade ser dissolvida. Ressaltamos, novamente, que tais afirmações não são verdades absolutas, mas depoimentos que passaram por um telefone sem fio de F1 para F6 e de F6 para o pesquisador. Além disso, salientamos que F1 tem um processo trabalhista contra a Empresa X (perdido).

Temos, então, duas versões diferentes dos motivos de rompimento da sociedade na Fase 1. Ao nosso ver, os relatos não são totalmente antagônicos ou complementares. Eles representam visões alternativas de um mesmo episódio. O único fato inquestionável é que houve a dissolução da sociedade original que regulava a Empresa X, levando-a para uma situação de crise e instabilidade.