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3.3.1 Apresentação do Fator:

O fator previdenciário, criado pela Lei 9.876/1999, que foi publicada em 29/11/1999, consiste em uma fórmula de cálculo utilizada para frear as aposentadorias precoces no Brasil oriundas apenas do Regime Geral de Previdência Social. Atualmente as formas de se aposentar voluntariamente são por tempo de contribuição e por idade, sendo a aplicação do fator previdenciário obrigatória para a primeira e facultativa para a segunda. Tal cálculo consiste em uma fórmula adotada pelo Ministério da Previdência Social, por meio do INSS – autarquia federal gestora das contribuições sociais dos trabalhadores regidos pelo Regime Geral de Previdência Social e responsável pela concessão dos benefícios previdenciários de tal regime –, levando-se em conta itens considerados chaves para se saber o real valor do benefício pretendido pelo segurado. Ao se chegar no número final de tal fator, este é multiplicado pelo salário de contribuição para se obter o salário de benefício, dando caráter percentual a tal número, na medida em que expressa um algarismo variável, sendo 0,195 o mínimo e 2,244 o máximo, onde 1 correspondente a 100% do valor do salário de contribuição. Mostra o Anexo da Lei 8.213/1991 a seguinte disposição:

Em que:

f = fator previdenciário;

Es = expectativa de sobrevida no momento da aposentadoria; Tc = tempo de contribuição até o momento da aposentadoria; Id = idade no momento da aposentadoria;

a= alíquota de contribuição correspondente a 0,31.

Entende-se não haver discussão acerca da influência que o fator previdenciário tem no pagamento dos benefícios previdenciários em geral. Trata-se de forma inteligente e moderna de encarar a seguridade do obreiro, com a utilização de critérios que buscam dar eficiência e contagem atuarial aos valores e períodos pagos a este. Contudo, esse fator modificador de benefícios não conseguiu atingir os planos aspirados por seu criador, o Ministério da Previdência, como se pode reconhecer por meio do discurso ora transcrito41:

O diagnóstico foi apresentado pelo Diretor do Regime Geral do Ministério da Previdência Social, Rogério Costanzi, em audiência pública, de acordo com informações divulgadas pela Agência Câmara de Notícias. O diretor disse que, mesmo com o fator previdenciário, criado em 1999, o governo não conseguiu ampliar a idade média para a aposentadoria, que se estabilizou em 54 anos entre os homens e em 51 anos entre as mulheres desde 2002. Segundo ele, homens e mulheres, ao cumprirem o tempo mínimo obrigatório para pedir a aposentadoria, de 35 e 30 anos, respectivamente preferem se aposentar, mesmo sabendo que podem ter um desconto de até 30% no valor do benefício. O diretor reforçou ainda que o governo não tem uma proposta para reverter a situação. Segundo o diretor, geralmente os trabalhadores preferem se aposentar antes do tempo e continuar na ativa para acumular o valor da aposentadoria e do salário ou, em casos empregados na faixa dos 50 anos de idade que não conseguem recolocação no mercado de trabalho, a aposentadoria precoce também é utilizada, diz a agência.

Embora tal situação seja constatada, do ponto de vista de

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Disponível em:

<http://not.economia.terra.com.br/noticias/noticia.aspx?idNoticia=201203281057_TRR_81034543>. Acesso em: 22 nov. 2013.

sustentabilidade dos Fundos Previdenciários, tal fator trouxe uma forma alternativa de corrigir as deformações trazidas por um passado onde sequer se exigiam as contribuições sociais pagas regularmente. Com isso, passou a ser possível fazer previsões mais concretas com as despesas e formas de pagamento dos benefícios, que passaram a se equilibrar com o perfil do trabalhador no mercado de trabalho.

Com relação ao fator em si, alguns comentários são importantes a respeito dos itens para o cálculo de tal instituto, que, como se verá, encontra-se bastante obsoleto em relação ao atual cenário do país.

3.3.2 O elemento “tempo de contribuição até o momento da aposentadoria”:

Inicialmente, no que se refere ao “tempo de contribuição até o momento da aposentadoria”, segundo os critérios adotados hoje no sistema brasileiro, em um primeiro momento, haveria uma diferença entre mulher e homem, uma vez que, tanto para trabalhadores da área privada quanto servidores públicos, se exige do sexo feminino 5 anos a menos de tempo contribuído. Assim, uma mulher que chegasse aos 30 anos de contribuição necessários para se aposentar, teria tal item inferiorizado em comparação com o homem, para fins de cálculo final no benefício em questão. Porém, visando a correção desse aspecto, a lei 8.213/91 estabeleceu em seu artigo 29, § 9º:

§ 9oPara efeito da aplicação do fator previdenciário, ao tempo de contribuição do segurado serão adicionados:

I - cinco anos, quando se tratar de mulher;

II - cinco anos, quando se tratar de professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio;

III - dez anos, quando se tratar de professora que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.

Com tal parágrafo, homens e mulheres, ao chegarem em condições de se aposentar, deverão ter o mesmo valor numérico para a conta deste elemento previdenciário. Com tal acréscimo, cria-se uma ficção da importância a ser usada para se equiparar o quantitativo do fator previdenciário e, por extensão, o valor do

salário de benefício, da trabalhadora com o trabalhador.

Esse aumento imaginário colocado gera, por si só, diferença nos valores em caixa de todos os Fundos Previdenciários pátrios. A saber, trata-se de fornecer subsídios ao quantitativo final do benefício previdenciário feminino com a utilização de tempo não contribuído, ou seja, gera clara vantagem comparativamente ao homem.

É sabido que os Fundos de Previdência espalhados não só pelo Brasil, mas pelo mundo, encontram-se em situação de déficit nos seus cofres, ou seja, maior quantidade de passivo do que de ativo para arcar com os custos de pagamento dos benefícios oferecidos. Isto ocorre por força do fenômeno mundial de envelhecimento populacional, no qual cada vez mais pessoas estão usufruindo dos valores pagos a título de benefício previdenciário. A saída parece ser mesmo a busca por novos fundos de pensão, de caráter complementar, de forma que venha a desonerar os Estados e Municípios de pagamentos de benefícios que não são possíveis de serem arcados, dada a nova realidade vivenciada. Aponta a doutrina de Pereira de Castro e Lazzari42:

Mais 15 Estados estão estudando a viabilidade de implantação de um fundo de previdência complementar. O déficit dos regimes de previdência dos Estados e municípios já se aproxima de R$ 50 bilhões por ano, o dos servidores federais será de R$ 61 bilhões em 2012.

Hoje, a contribuição de Estados e municípios nos regimes de previdência vai de 11% (Rio de Janeiro), no mínimo, a 22%, no máximo (no Rio Grande do Norte). Com os fundos as alíquotas de contribuição cairão a 7,5%, como foi aprovado em São Paulo, ou 8,5%, no Funpresp e como será no Rio de Janeiro.

3.3.3 O elemento “Expectativa de sobrevida no momento de aposentadoria”:

Quanto ao ponto “Expectativa de sobrevida no momento de aposentadoria”, não há explanação no referido anexo referente ao sexo destinado a tal expectativa, cabendo ao parágrafo 8º do artigo 29 da referida lei definir tal parâmetro, do qual extrai-se:

§ 8o Para efeito do disposto no § 7o, a expectativa de sobrevida do

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segurado na idade da aposentadoria será obtida a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, considerando-se a média nacional única para ambos

os sexos.(grifo nosso)

Note-se que, ao utilizar a média apurada de ambos os sexos, tal dispositivo não traduz a realidade social porquanto privilegia a mulher, notoriamente por viver uma quantidade superior de anos à do homem.

Dados atuais do IBGE, divulgados neste ano, referentes à tábua de mortalidade de 2012, estimam uma expectativa de vida ao nascer de 71 anos para o homem e 78,3 anos para a mulher, estabelecendo aí uma diferença de 7,3 anos médios.

Dessa forma, o período contributivo da mulher, além de inferior ao masculino, renderá frutos (aposentadoria) mais cedo e por mais tempo que o homem, sendo totalmente contrário aos princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade.

Esse ponto foi, inclusive, discutido no Supremo Tribunal Federal, por ocasião de julgamento de Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 648.204/RJ, Relatora Ministra Cármen Lúcia, que negou provimento ao Agravo, entendendo que as razões do mesmo pairavam sobre inconstitucionalidade de tal fator, quando na verdade se discutia a justa aplicação do mesmo43. Na ocasião, a tese defendida pelo recorrente em tal processo apontava que:

(…) a jurisprudência utilizada para sustentar o entendimento da decisão ora recorrida não guarda relação com o caso em exame. O que se pretende com a presente demanda não é o reconhecimento da inconstitucionalidade do fator previdenciário, mas tão somente sua correta aplicação. O equívoco na aplicação do fator previdenciário no cálculo da RMI do benefício da parte autora reside especificamente no tocante à variável expectativa de vida.

(…) deveria ter sido utilizada a expectativa de vida masculina ao invés da

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Com a devida vênia, percebe-se a confusão no julgamento da Ministra quando, de sua decisão, extrai-se o seguinte corpo textual: “(…) 4.Ademais, afastada a inconstitucionalidade alegada, a questão relativa à correta aplicação da “tábua de mortalidade” para o cálculo da renda mensal inicial demandaria o reexame da legislação infraconstitucional, especificamente a Lei n. 8.213/1991. Nesse sentido: “AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. CÁLCULO DA RENDA MENSAL INICIAL – INCIDÊNCIA DO FATOR PREVIDENCIÁRIO. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 842.3531-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe 19.8.2011). 5. Os argumentos do Agravante, insuficientes para modificar a decisão agravada, demonstram apenas inconformismo e resistência em pôr termo a processos que se arrastam em detrimento da eficiente prestação jurisdicional. 6. Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.

expectativa de vida média, ambas apuradas pelo IBGE. O referido ponto não foi objeto de análise na decisão monocrática. Ao aplicar de forma incorreta o fator previdenciário, a autarquia violou os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade.

(…) É fato público e notório que a expectativa de vida dos homens é inferior à das mulheres. Assim, em tese, um homem e uma mulher com a mesma idade e idêntico histórico contributivo deveriam apresentar fatores previdenciários diversos, isto é, o do homem deveria ser mais favorável que o da mulher, pois a expectativa de vida daquele é inferior a desta.

Nessa mesma esteira de brilhante raciocínio defendido no referido recurso, entende-se que o correto seria se utilizar de duas fórmulas para o cálculo do fator previdenciário, uma para o homem e outra para a mulher. No primeiro caso, a expectativa de sobrevida utilizada seria com base na expectativa inicial de vida prevista para o homem, segundo dados do IBGE. No segundo, utilizar-se-ia os moldes do caso anterior, com a substituição da expectativa de vida pela feminina. Assim, tal item, que na fórmula do fator previdenciário é utilizado como divisor e, portanto, tem influência de decréscimo no valor final, teria um valor menor para os homens e consequentemente causaria uma menor diminuição, enquanto que para as mulheres causaria o efeito inverso, trazendo absoluta justiça condizente com o tempo que cada um dos sexos terá para gozar do benefício.

4. As teses em favor da manutenção do cálculo diferenciado:

4.1 Primeira tese de sustentação – a dupla jornada de trabalho