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Segunda tese de sustentação – remédio remuneratório

Há ainda a defesa proveniente do argumento de que tais distorções – tanto a utilização da média da expectativa de vida, quanto a diferença de tempo de contribuição – teriam sua validade e legitimação na diferença salarial existente entre os sexos. Tal tese baseia-se na ideia de que, uma vez que o fator previdenciário consiste em um multiplicador do salário de contribuição e este, por motivos externos, encontra-se disforme, onde, segundo dados da supracitada Fundação estatística, constatou-se que a mulher, no Brasil, recebe, em media, 72,9% da remuneração paga aos homens, seria possível corrigir tal defasagem. Contudo, tal hipótese não se verifica, conforme será observado a seguir.

O aspecto remuneratório ora apontado não leva em consideração outros fatores intrínsecos à valorização por área produtiva mercadológica. Em princípio, é possível atribuir-se como causa de a população feminina economicamente ativa receber menos a sua posição ou função de trabalho no mercado. Dados do próprio IBGE referentes ao ano de 2011 apontam que as distribuições nas diversas áreas trabalhistas definem bem a posição socialmente direcionada pelo público feminino. O homem se faz mais presente nas áreas do setor privado com carteira assinada, do setor privado sem carteira assinada, por conta própria e na posição de empregadores com 59,6%, 59,5%, 60,5% e 69,9% respectivamente, enquanto a mulher domina os campos de Funcionalismo Público Estatutário ou Militar com 54,2% e, principalmente, como trabalhadora doméstica, chegando a um percentual de 94,8%.

Esta última reconhecidamente consiste em profissão desprovida de total paridade de direitos e de difícil regulamentação por parte dos direitos trabalhistas. Dessa forma, não se pode olvidar do fato de que, ao estar nitidamente presente nesse campo, a mulher encontra dificuldade em igualar sua renda com o homem. Outro ponto a ser levantado é o destaque masculino na posição de empregador, ou seja, na condição de supremacia a um subordinado. Notório que, nessa condição, a

remuneração percebida se encontra, ao menos, um degrau acima das demais, porquanto dependente de um ônus prévio ao seu lucro.

Fazendo-se um simples cálculo dessa supracitada compensação de remuneração, podemos identificar a seguinte situação: usando-se como exemplo dois trabalhadores, um do sexo masculino e outro do feminino, com empregos idênticos, iniciados ao mesmo tempo (ambos aos 18 anos), com rendas na proporção da distorção levantada pelos dados da supramencionada Fundação de Estatística, qual seja, hipotéticos R$ 3.000,00 reais para ele e R$ 2.376,00 reais (72,9%) para ela e, considerando 35 anos de tempo de contribuição para o primeiro e 30 para a segunda, chegamos a um total de R$ 1.260.000,00 acumulados em renda para o homem e R$ 855.360,00 para a mulher, durante seus períodos produtivos, o que gera uma diferença de R$ 404.640,00. Caminhando com esse exemplo para os valores obtidos como benefício da aposentadoria de ambos, teremos o seguinte panorama: ele com 35 anos de contribuição, 53 de idade e salário de contribuição de R$ 3.000,00, que, multiplicados pelo correspondente fator previdenciário f= 0,665 (constante de tabela fixada pelo IBGE 2013), teremos um benefício mensal de R$ 1.995,00, que, durante seus 18 anos de sobrevida esperados, renderia um montante de R$ 430.920,00, enquanto, para ela, verificaríamos 35 anos (30 contribuídos e 5 adicionados para fins de cálculo do fator), 48 anos de idade e salário de contribuição de R$ 2.376,00, que, multiplicados pelo correspondente fator previdenciário f= 0,558 (retirado da mesma tabela), obteremos um valor por mês de R$ 1.325,80, que, durante seus 30,3 anos de expectativa de sobrevida, somariam um total de R$ 482.060,88, tendo como consequência um saldo de R$ 51.140,88 em favor do sexo feminino. Logo, não é difícil identificar que o saldo decorrente dessa situação de incremento no número de anos contribuídos para fins de cálculo do fator previdenciário é substancialmente pequeno (12,63%) em relação ao déficit durante o período laboral. Na verdade, o que se constata é que a mulher obtém vantagem quando da entrada na inatividade, por conta de poder usufruir de tal benefício por mais tempo que o seu oposto sexual, tendo em vista sua larga vantagem na expectativa de vida.

Em verdade, o efeito gerado por conta desse acréscimo incentiva a retirada precoce da mulher da vida laboral, tendo em vista que, segundo informações da própria cúpula do Ministério da Previdência Social, conforme se constatou anteriormente, a redução na renda pelo fator previdenciário não estimulou

o trabalhador a estender seu período laboral. Como a idade mínima não é requisito para a aposentadoria (apenas se deve respeitar o período de carência), a mulher que ingressa na vida laboral cedo e opta por receber menos ao final, desfrutará da aposentadoria por bastante tempo.

Com isso, a mulher entra na inatividade cedo e causa uma perda para o mercado em termos de mão de obra, sem contudo consertar sua distorção salarial. Dessa forma, o que se observa é que o ganho individual da trabalhadora é temporal (tempo de gozo do benefício) e não remuneratório, visto que não corrige nada.

Nessa esteira de improvável benesse em reduzir o tempo necessário para aposentadoria para melhorar ou endireitar a diferença salarial, é possível identificar outros grupos de trabalhadores que também se encontram em posição desfavorável em sua vida laboral e que, porém, não gozam de proteção ou atenção especial quando se fala de benefício previdenciário. A etnia negra tem semelhança muito grande com o segmento sexual feminino quando se fala em mercado de trabalho, no que diz respeito à desvalorização salarial, como se demonstra abaixo49:

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE:

49

Disponível em <http://www.dieese.org.br/analiseped/2013/2013pednegrosmetEspecial.pdf> Acesso em 02 nov. 2013.

A inserção dos negros na estrutura produtiva nos mercados metropolitanos foi superior a dos não-negros na maioria das regiões, porém a remuneração mostrou-se inferior em todas elas. Na Região Metropolitana de Salvador, onde é maior a presença de negros na estrutura produtiva, havia, no período analisado, disparidade mais significativa nos rendimentos – com os ganhos por hora dos trabalhadores negros correspondendo a 59,86% do valor que recebem os não-negros. Já, em Fortaleza, onde o percentual de afro-brasileiros entre os ocupados correspondia a 75,6%, registrou-se situação menos desigual, mas, mesmo assim, o valor da hora trabalhada pelos trabalhadores negros ficava limitado a 75,66% do recebido pelos não-negros.

No caso dos afrodescendentes, inclusive, além de representarem maioria dos trabalhadores (a tabela apenas mostra dicotomia: negros e outras etnias), encontram-se em maior grau de inferioridade remuneratória. Enquanto os dados do IBGE apontam uma defasagem média de 27,1% das mulheres em relação aos homens, o estudo feito pelo DIESSE aponta 36,11% de redução salarial dos negros comparativamente às demais etnias. Além do mais, quando pensamos em negros do sexo masculino, além de carentes de equivalência de pagamento salarial, seu problema é acrescido do encargo temporal de contribuição à Previdência Social para que possam almejar o conforto de suas aposentadorias, o que traz uma dupla injustiça social.

No Brasil, a abordagem do tema das classes exploradas ou que se encontram em desvantagem vem sempre acompanhada de alto teor de polêmica, uma vez que, ao se buscar a solução do problema ou redução dessa adversidade, se recorre ao seu ponto de partida, fato gerador, origem histórica, o que nem sempre é algo fácil. Nesse caso, o que se constata com maior imparcialidade é que, historicamente, as mulheres foram submetidas a tarefas consideradas de menor responsabilidade ou de menor importância social. Sua entrada tardia no mercado de trabalho ocasionou um atraso na largada da conquista social comparativamente ao seu par, o que até hoje não se conseguiu reparar. Não por acaso a Consolidação das Leis do Trabalho dedicou um capítulo inteiro específico para proteção do trabalho feminino, bem como as diversas leis extravagantes que cuidam do tema (Lei da Licença-maternidade, por exemplo). Contudo, o que não se pode admitir é um serviço público social, voltado para retribuir de forma proporcional a contribuição despendida pelo trabalhador ao longo de sua vida laboral, ser usado como trampolim para acabar com problemas de origens diferentes. No trabalho, as tarefas executadas pelo obreiro do gênero masculino são de mesmo esforço e suor que seu oposto sexual, não se figurando justo e razoável que esta precise contribuir por

menos tempo para obter seu benefício.

No próximo capítulo do presente trabalho, serão buscadas fontes internacionais de dados previdenciários, utilizando-se como comparativo ao modelo brasileiro, e mostrando as novas necessidades e tendências em matéria securitária no âmbito social.

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AS APOSENTADORIAS PELO MUNDO