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A compreensão dos fatores que influenciam o comportamento dos voluntários para realizar o voluntariado nas organizações da sociedade civil requer um olhar do coletivo a partir do nível individual. A perspectiva teórica da Sociologia Pragmática fundamenta as práticas constituintes da ação do voluntário nas OSCs a partir da sua caracterização e de suas razões para agir. Distancia-se do olhar sobre o voluntário a partir dele próprio, como propõe a Psicologia, mas não ignora as ações dele enquanto ser humano, um ser de consciência e orientado pela punção, como descreve a teoria freudiana. É com base num dos regimes pragmáticos que o comportamento do voluntário é justificado (regime da justificação) e provêm do lado oculto do comportamento humano (MOSCOVICI, 2012), de fatores armazenados ao longo de uma vida no inconsciente (FREUD, 1974) e da sua capacidade reflexiva enquanto ator social (BOLTANSKI; THÉVENOT, 2006). Com tais fundamentos, os voluntários atuam como atores sociais, realizam acordos e justificam suas ações.

Ao analisar os fatores comportamentais nos voluntários que atuam em diferentes organizações da sociedade civil, constata-se que eles “criam” a sociedade civil organizada, definem regras de relacionamentos e padrões de comportamentos, estruturam as ações e as implementam a autonomia própria de organizações autogestionárias. Cada prática/ação/decisão tomada no nível coletivo não se dá a partir de um contexto vazio de significado, mas orientado por atitudes individuais, comportamentos vigiados pelo outro (voluntário), relacionamentos construídos no contexto da ação e pela interação reflexiva.

Os fundamentos teóricos estão na definição habermasiana de ação social, como comportamento subjetivo dotado de sentido, orientado e motivado por ele (HABERMAS, 2009). A referida ação social é realizada por voluntários que agrupam-se por interesses comuns (MACHADO, 1995) e, uma vez em grupo, representam papéis coordenados por um estado comportamental, legitimado pelos próprios atores sociais e pela estrutura organizacional (regras, valores, crenças) da OSC da qual participam. Os argumentos teóricos para tanto encontram-se em Boltanski e Thévenot (2006), Krieger (2011) e Karan (2014).

Como observado na dinâmica e estrutura no Rotary Club Carazinho e na Apae Passo Fundo, o agrupamento de voluntários e as ações de voluntariado dão-se num processo de ação e interesses (TOURAINE, 2011), descritas por Tenório (2004) como alianças/parcerias firmadas tacitamente entre voluntários, comunidades (grupos distintos que partilham interesses comuns) e organizações. A maioria dos membros da Diretoria atual da Apae Passo Fundo e em todas as gestões anteriores, desde a sua fundação, são rotarianos, membros do Rotary Club Passo Fundo. Neste caso específico, o interesse está em manter a Apae Passo Fundo funcionando, ou seja, prestando as atividades fins a qual foi criada, de forma a impedir que ocorra o oportunismo dos gestores. Nesse sentido, conforme enfatiza a Sociologia Pragmática, trata-se da legitimidade como um fenômeno construído e originado pela interseção dos movimentos de atores sociais e da estrutura organizacional (KRIEGER, 2011).

As justificações das ações de voluntariado dão-se por meio de acordos firmados no cotidiano das OSCs investigadas. Cada voluntário exerce a ação voluntária numa organização escolhida por motivos particulares (interesses) e não coletivos, mas o bem comum é um dos axiomas que conecta os interesses individuais aos coletivos, como sustenta Karam (2014). Contudo, na perspectiva organizacional, as campanhas de solidariedade, denominadas “ações sociais”, são decisões coletivas e efetivamente são construídas coletivamente nas reuniões de planejamento. No Rotary Club Carazinho, por exemplo, a busca pelo bem comum, descrito por Krieger (2011), ocorre nas reuniões ordinárias (nível coletivo), mesmo que tais decisões tenham sido articuladas entre os voluntários desta OSC durante o tempo transcorrido entre uma reunião ordinária e outra. No momento em que a ação social é apresentada formalmente ao grupo de voluntários como um “projeto a ser implementado”, já há um consenso estabelecido (acordo construído), o qual culmina num curto debate seguido de “aprovação por unanimidade”. Nesse momento há a legitimidade do acordo edificado entre os voluntários, que coordenará o estado comportamental de todos os membros da OSC.

Nessa dinâmica de acordos construídos coletivamente encontram-se as habilidades dos voluntários em construir associações e de entrar em acordos com base em generalidades (BOLTANSKI; THÉVENOT, 2006). Nesse sentido, afirma-se que as ações de voluntariado, a partir do nível do indivíduo isolado, são representativas do pragmatismo (THÉVENOT, 1998), pois o voluntário demonstra ter capacidade de se afastar da realidade, refletir sobre ela e de se reinserir na comunidade como um ator social. Isso porque o voluntário é um ator social com capacidade crítica, capaz de legitimar suas ações no grupo social ao qual pertence (comunidade), representada formalmente pelas organizações da sociedade civil escolhida para realizar o voluntariado. Apoiando-se em Thévenot (2006) e Karam (2014), pode-se afirmar

que a conduta do voluntário em favor do consenso é decorrente do ambiente, ou seja, da dinâmica estrutural da OSC.

Trata-se de um processo de legitimação do voluntário decorrente dos seus movimentos enquanto ator social atuante e se reconhecendo participante da estrutura. Ao mesmo tempo, o voluntário é um ator capaz de construir coalizões por meio de acordos e regras de comportamento já institucionalizadas na comunidade (BOLTANSKI; THÉVENOT, 2006; KRIEGER, 2011; KARAM, 2014). Na Sociologia Pragmática, a representatividade daquilo que é coletividade dá-se pela cité Cívica, ou seja, o indivíduo renuncia aquilo que lhe é particular, pois tem por princípio superior o bem público. Entende-se o voluntário renunciando de seu tempo, usando suas habilidades e realizando ações particulares para doar- se ao coletivo. Assim, desprende-se de ações de interesses no nível individual para atuar no nível coletivo, representando um papel reconhecido por ele próprio como “maior” e expresso com palavras e frases que retratam a ação social de “lutar por uma causa” na expectativa de que isso não transcenda seus reais interesses pessoais intrínsecos.

Com base nos axiomas, a realidade se transforma e muda de cité, pois ela não é fixa à realidade dos voluntários. Há interesses e intenções ocultas nos atos de fala dos voluntários. Desta maneira, o axioma do bem comum interliga/conecta todos os conjuntos de hipóteses por meio de uma ordem de grandeza (KRIEGER, 2011). Conforme explica Karam (2014), os atores sociais, quando assumem compromissos, não clarificam seus princípios, desta forma buscam o bem comum mesmo que seus interesses pessoais estejam presentes, pois o ambiente depende intrinsicamente da conduta do voluntário. Consciente ou inconscientemente, o voluntário produz um filtro de crenças semelhantes aos demais voluntários com a finalidade de minimizar eventuais conflitos de interesses (KANAANE, 1995), o que poderia gerar disputas e dificultar acordos (BOLTANSKI; THÉVENOT, 2006; KARAM, 2014). Assim configuram-se ações sociais dos voluntários justificadas por palavras e expressões, como “afinidade”, “somos iguais”, “pensamos do mesmo jeito”, “a gente se dá bem aqui”, entre outras. No entanto, também representam a gratificação de um tipo de necessidade humana, que Schutz (1978) descreve como sendo a necessidade social de relacionamento interpessoal. Ser admitido num Rotary Club, ingressar na Cáritas ou atuar na diretoria da Apae significa “pertencer a”; é um processo de inclusão de uma pessoa humana ao convívio de outras pessoas humanas, que têm os mesmos interesses.

A respeito, Schutz (1978) afirma: a inclusão é um determinante no convívio grupal, pois confere segurança e identidade social. Smith (1999), por sua vez, considera isso egoísmo por referir-se a melhor escolha para si (realização pessoal). A escolha por uma organização da sociedade civil em detrimento de outra, e por conseguinte à comunidade a qual pertencer, também é considerado egoísmo (SMITH, 1999), como mencionado anteriormente, pois é a busca pela realização pessoal (uma necessidade humana básica, conforme sustenta SAMPAIO, 2009) por intermédio da felicidade do beneficiado (satisfação do outro), ou seja, uma gratificação para que o comportamento humano retorne ao seu estado de equilíbrio (SAMPAIO, 2009). Tal sentimento de felicidade que julga ser provedor é decorrente da ação de voluntariado e a sua realização só foi possível após estabelecer acordos com outros voluntários na organização da sociedade civil a qual pertence, portanto, o modo como deu-se a construção do acordo se relaciona diretamente a pessoas particulares, como afirma Boltanski e Thévenot (2006).

No estudo do egoísmo e no contexto das organizações da sociedade civil, é perceptível as representações dos tipos psicológico e ético, descritos por Hobbes (2012), naqueles voluntários que declaram fazer ação voluntária porque faz bem a si mesmo. Na presente Dissertação são apresentadas falas dos voluntários, as quais ilustram esta interpretação e encontram-se vinculadas primeiramente à ação social (unidade de registro) e ao egoísmo, enquanto categoria analítica correspondente. Um mesmo voluntário pode percorrer, num único estrato de fala, diferentes categorias analíticas que caracterizam seu comportamento diante do voluntariado, sejam elas egoísmo, interesses ou intenções. Nesse sentido, como propõe a Sociologia Pragmática, conforme o voluntário explica as ações sociais, suas práticas, a situação e o contexto em que a mesma foi realizada, organiza seu relato em uma trama compreensível, a qual é mediada simbolicamente pelas cidades (KRIEGER, 2011).

O comportamento dos voluntários das OCSs é justificado por eles mesmos em suas falas pelo propósito da caridade, entendido na perspectiva de Dohme (2001) como “amor ao próximo”. Contudo, suas ações e o relato (“trama”) da referida ação relevam que o comportamento caritativo é uma demonstração de poder por deter recursos que outros (os “ajudados”) não possuem. A explicação teórica encontra-se em Hobbes (2012), que afirma ser o comportamento caritativo um prazer do voluntário, tratado pelo próprio como sendo natural e alienado a tal ponto que demonstra um comportamento altruísta e a ação social como encantadora. Assim, novamente recorrendo à mediação simbólica das cidades (KRIEGER, 2011), afirma-se que os voluntários organizam o relato de tal forma que permitem uns julgarem positivamente os outros, pois a situação torna-se um conjunto bem ordenado de

interações vividas entre as pessoas e os objetos e seu ambiente imediato. Isso ocorre também na forma como se dão as escolhas dos voluntários para ocuparem cargos de gestão na OSC, em especial os seguintes: presidente, secretário, diretores, tesoureiro.

Cargos de gestão tradicionalmente são considerados cargos que conferem poder ao seu ocupante. Sobre poder e liderança, os relatos dos voluntários permitiram afirmar nem sempre aquele que recebe o título de presidente (Apae Passo Fundo e Rotary Club Carazinho) ou líder da equipe de trabalho (Cáritas Paroquial), é quem de fato constrói os acordos coletivos com o grupo de voluntários. Por exemplo, no Rotary Club, a figura do presidente é muito respeitada por todos, independentemente de suas habilidades, e o voluntário é indicado para “aprender a ser”. Isso significa que todos voluntários membros da referida OSC passaram por todos os cargos de gestão, confirmando a ideia representada pela roda dentada (símbolo rotário) de uma organização dinâmica, “que gira”. Porém, as ações do presidente, por exemplo, não se dão a partir de seus interesses, pois há uma autoridade implícita na gestão, geralmente representada por um voluntário mais experiente e pelos ex-presidentes, os quais atuam como “conselheiros” dos mais jovens e inexperientes nos diferentes cargos.

Diante do exposto, pode-se afirmar que as interações entre gestores/líderes e os voluntários que formam a OSC são mediadas por referências normativas convencionadas por eles próprios ou pelos que os antecederam. O voluntário em cargo de gestão não necessariamente é reconhecido pela sua habilidade de persuadir ou dirigir outras pessoas, como se fosse um tipo de líder e que dispensa o uso de prestígio de uma autoridade formal (MYERS, 2014). A indicação de um voluntário para ocupar um cargo de gestão, em qualquer uma das OSC investigadas, é decorrente de suas práticas, ou seja, do que o voluntário faz. Nesse sentido, não são as “coisas” (regulamentos, diplomas, máquinas, prédios, outras) que qualificam os voluntários, mas suas “práticas” (o que o voluntário faz?), as quais são realizadas no cotidiano da ação social pela autoridade da justificação, como explicam Thévenot et al. (2001), Boltanski e Thévenot (2006), Krieger (2011) e Karam (2014).

As práticas dos voluntários nas ações sociais realizadas nas OSCs investigadas não são independentes do coletivo, mas orientadas para o bem comum e por interesses individuais, como permitem sintetizar os relatos apresentados pelos voluntários nos focus group, tanto na Cáritas quanto no Rotary Club. Como entendem Boltanski e Thévenot (2006), o voluntário é o resultado do elo do sujeito e sociedade civil com o Estado e outros atores sociais, porém com capacidade de estabelecer acordos com base em generalidades.

Interesse é um elemento de análise da Sociologia Pragmática e que aparece em dois mundos que ilustram os regimes de justificação, tanto na Cidade Cívica quanto na Cidade Mercantil. Na Cidade Cívica, os interesses imediatos do voluntário deveriam ser renunciados em favor de uma causa e, na Cidade Mercantil, o interesse refere-se às coisas, ao desejo e ao egoísmo, propondo desapego e distância emocionais (KRIEGER, 2011). Contudo, pode-se interpretar o interesse ainda pela perspectiva organizacional, que Mattiazzi (1977) considera ser um processo do comportamento, um componente na tomada de decisão no nível organizacional. E, na perspectiva comportamental, Lewin (1973) enfatiza ser relativo ao ator social enquanto indivíduo munido de interesses particulares, mas com habilidade para estabelecer relações em grupos sociais a fim de “atualizar” suas ambições e atitudes.

Desta maneira, retomando os fundamentos teóricos presentes nos mundos que ilustram os regimes de justificação, o comportamento dos voluntários das OSCs investigadas eleva-se ao nível de egoísmo, pois suas falas, como afirma Aristóteles (apud SANTOS, 1955), criaram uma trama compreensível em forma de um círculo de interesses sociais para beneficiar seus próprios interesses. Talvez por essa razão o voluntariado foi tantas vezes descrito pelos voluntários como sendo um trabalho, ou seja, atribuindo valor ou ganho (lucro, benefício) para cada ação social, como descreve Krieger (2011) na Cidade Mercantil.

Kondo (1989) defende que trabalho não é apenas um esforço realizado por dinheiro, mas por uma atividade que produza valor para outras pessoas. Recoloca-se Dohme (2001) na presente discussão, que aborda teoricamente o “trabalho voluntário” como uma expectativa do voluntário em fazer a diferença, praticar habilidades, desenvolvendo-se como pessoa ou ainda buscar satisfação em fazer parte de um grupo ou causa social.

A realização da ação social por meio de alianças/parcerias, como descreve Tenório (2004), representa a busca dos voluntários pela realização dos interesses coletivos, mas também dos interesses pessoais. Trata-se da Sociologia Pragmática como uma teoria da ação, a qual traz a representatividade das ações sociais realizadas pelos atores (voluntários) que realizam práticas nas OSCs. Assim, foi possível compreender o ator social como um indivíduo isolado mas a partir da sua atuação na comunidade que escolheu pertencer.

Nesse sentido, o presente estudo diferencia-se das demais pesquisas realizadas pela perspectiva teórica da Sociologia Pragmática. Como afirma Silber (2003), em estudos anteriores foi constatado que a falta de durabilidade dos acordos (grupos) leva o ator social a se autojustificar, ou seja, explicar porque tal decisão foi tomada ou qual embasamento utilizou. Nesta dissertação, no entanto, utilizou-se o regime de justificação da SP (THEVENOT E BOLTANSKI, 2006) para analisar como o ator social se autojustifica para

exercer o voluntariado nas diferentes OSCs. Para tanto foi necessário utilizar teorias auxiliares, principalmente as que abordam o comportamento humano e suas ações. Boltanski e Thevenot (2006) explicam que os atores sociais não inventam pretextos falsos para justificarem suas ações, pelo contrário, sempre há uma justificação legítima e o comportamento humano é o principal pilar da legitimidade de tais justificações.

A Sociologia Pragmática traz justificativas delimitadas por Cidades. As Cidades da Fama e Mercantil encontram-se presentes em diferentes relatos dos voluntários, no entanto a prevalência está na Cidade da Fama. Os voluntários utilizam as seguintes expressões e palavras para construir suas justificativas: solidariedade, fazer bem ao próximo, ajudar/auxiliar, caridade, piedade, altruísmo, sentir-se bem em ajudar o outro. Na Cidade da Fama, que traz “O Leviatã”, de Hobbes (apud KRIEGER, 2011) como referência, o egoísmo do ser humano perante uma sociedade civil é o principal fundamento teórico para compreender o voluntariado no Rotary Club, por exemplo, pois as relações entre os voluntários estão baseadas em persuasão, influências e conhecimentos. O mesmo ocorre entre os voluntários nas outras OSCs investigadas (Cáritas Paroquial e APAE Passo Fundo), mas a sua grandeza é atingida principalmente pelo reconhecimento do grupo de trabalho e pela sociedade local, menos pelo poder de influência. Segundo Boltanski e Thevenot (2006), os princípios norteadores das práticas dos atores sociais não são claros quando assumem tais compromissos, mas a estratégia metodológica adotada para a coleta dos dados (focus group) contribuiu sobremaneira para investigar as ações, as práticas, a situação e os momentos de atuação dos voluntários nas OSCs.

A Sociologia Pragmática não foi construída em pressupostos metafísicos, pois o seu principal interesse é pela compreensão de como os mundos estruturais são representados na realidade, em situações concretas, de como as pessoas se movem para justificar suas ações. O Mundo da Fama é caracterizado pelo reconhecimento, pelo exibicionismo, em construir uma imagem pública frente a uma sociedade. O Mundo Mercantil, por sua vez, é o que leva os voluntários à grandeza pelo interesse pelas coisas, pelo desejo e pelo egoísmo. Ambos os mundos constroem os fatores comportamentais dos voluntários para realizar a ação voluntária nas seguintes organizações da sociedade civil: Cáritas Paroquial, Rotary Club e Apae Passo Fundo. Mesmo que a maioria dos dados coletados aponta para o Mundo da Fama, não pode-se generalizar tais resultados pois, como a própria Sociologia Pragmática explica, os atores sociais perpassam livremente pelos demais mundos.

CONCLUSÕES

Nem todos atores sociais acreditam nas práticas de voluntariado como sendo uma ação desinteressada. Há descrença na bondade humana num contexto social de desengajamento, interesse e liberdade individualista (individualismo contemporâneo). As justificativas teóricas desta descrença estão nas características racionais do ser humano, que são a expressão real de impulsos e desejos inconscientes, orientadores do comportamento subjacente. Ao mesmo tempo, no Brasil, os índices da demografia das organizações da sociedade civil indicam crescimento constante e significativo desde 1990, com agregação de 2,1 milhões de pessoas, fenômeno que provoca questionamentos sobre quais são os fatores comportamentais que direcionam a escolha das pessoas na realização de ações de voluntariado.

Pela orientação teórica da sociologia pragmática, de Luc Boltanski e Laurent Thevenot, em especial pelo regime da justificação, foi possível aproximar a compreensão dos fatores comportamentais dos voluntários em organizações da sociedade civil à referida perspectiva crítica preliminar. O regime da justificação correlaciona o ator social com ele mesmo, mas considera o ambiente onde o ator social deve coordenar sua própria conduta (contexto da ação social realizada). Por tal opção teórica é que se apresenta o debate sobe fatores comportamentais dos voluntários nas OSCs, diferente da Psicologia Comportamental.

Nas OSCs atuam voluntários e eventualmente possuem um funcionário remunerado. Caracterizam-se como espaços de realização de ações sociais diversas, cujas denominações predominantes são filantropia e economia social e como fim o bem comum de grupos sociais e causas humanitárias. Sua relevância econômica está na representatividade de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro; o equivalente a R$ 32 bilhões movimentados por diferentes OSCs, que até então não são consideradas integrantes de um setor “econômico”. Sendo assim, um pressuposto teórico é de que as razões para atores sociais realizarem ações de voluntariado não estão restritas aos fundamentos da Cidade Mercantil, mas por fatores comportamentais descritos por comportamento egoísta e subjacente à ação do voluntariado, cuja expressão real encontra-se nos impulsos e desejos inconscientes reprimidos, presentes na

Cidade da Fama. Na Cidade Mercantil, atuam “trabalhadores”, que realizam “trabalhos de valor” e que produzem “benefícios” numa clara evidência de “interesse pelas coisas”, de satisfação de desejos e por egoísmo. Na Cidade da Fama, atuam “atores”, que encontram nas ações de voluntariado a reputação de “ser voluntário” e “de sucesso”, pois além do seu provir, contribui para prover o outro de “coisas”. A referida reputação é alcançada por meio do reconhecimento conquistado pela comunidade da qual faz parte, ou seja, da OSC que o