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5 VOLUNTÁRIOS, ESCOLHAS E COMPORTAMENTOS

5.1 PERFIL DOS VOLUNTÁRIOS

Os voluntários participantes da pesquisa caracterizam-se pelo gênero e faixa etária, tendo como variáveis a profissão que desempenham ou desempenharam durante sua vida profissional e renda. Tais variáveis de perfil se apresentam diferentes em cada tipo organizacional e também determinam comportamentos específicos nas reuniões em que se definem as ações sociais e nos momentos das práticas sociais.

Nas três organizações há predominância de gênero feminino que atuam em atividades de gestão em relação ao conjunto de voluntários que nelas atuam. Na Cáritas Paroquial, a idade média dos voluntários é de 50 anos e a maioria é aposentada, enquanto que no Rotary Club a faixa etária é menor, 44 anos. Na APAE Passo Fundo encontram-se voluntários de maior faixa etária, acima de 55 anos, os três cargos no Conselho Fiscal são ocupados, exclusivamente, por homens, enquanto que os cargos de presidente e vice-presidente são ocupados exclusivamente por mulheres.

Há diferenças entre as OCSs no que se refere ao perfil do voluntário. Na Cáritas Paroquial há predominância de aposentados e donas de casa, enquanto que no Rotary Club Carazinho e na APAE Passo Fundo preponderam profissionais que ainda estão no mercado de

trabalho, considerados fundamentais na articulação junto as diferentes organizações (empresas, órgãos públicos, outros) para atingir os objetivos organizacionais. No Quadro 9, as unidades de recorte do discurso dos sujeitos evidenciam “quem sou” e “o que sou” nas ações de voluntariado.

Quadro 9 – Discurso dos voluntários sobre o perfil profissional, por tipo organizacional.

Organização Sujeito Discurso dos voluntários

Cáritas Paroquial

CP05 “Me aposentei [...] e tu tem (sic) capacidade de exercer outras coisas”. CP11 “Tô aposentada por tempo de serviço”.

CP10 “Eu também já me aposentei”.

Rotary Club Carazinho

RC01 “Sou servidor público federal e presidente do Rotary E-Club”. RC02 “Sou arquiteta e também tenho uma loja”.

RC03 “Sou empresário”.

APAE Passo Fundo

APF01 “Sou professora universitária”. APF02 “Sou jornalista”.

Fonte: Dados da pesquisa (2015).

Em cada OCSs, os voluntários demonstram suas habilidades técnicas e competências profissionais para justificar a contribuição social em ações de voluntariado. Ao afirmar que é professora universitária, APF01 tem a intenção de dizer que o conhecimento sobre Pedagogia confere-lhe poder intelectual na ação de voluntariado na APAE, enquanto que CP05 evidencia a necessidade de ser aceita num grupo social diferente daquele ao qual pertenceu durante sua vida profissional e o faz por meio da doação do seu tempo em uma ação social. No discurso do voluntário RC01 estão evidenciadas questões de espaço de trabalho ampliado no cargo de Presidente do Rotary E-Club (espaço virtual), sem deixar de ser um “servidor público”.

Os voluntários também diferem entre si no quesito renda. Na Cáritas Paroquial predominam voluntariados de classe média baixa, como donas de casa, trabalhadores rurais migrados para a cidade, professores de ensino básico aposentados, profissionais da economia doméstica (donas de casa, costureiras, bordadeiras e outras). São voluntários com baixa escolaridade (a maioria possui até o ensino fundamental), mas que não medem esforços para “trabalhar” na Cáritas Paroquial.

Para essas voluntárias, a ação social é descrita como um trabalho e elas assim o descrevem: “Eu sou vendedora, na lojinha e ajudo... nas feiras quando tem feira” [CP01];

“Ajudo a cuidar da lojinha, hm... e auxilio no pavilhão, né?” [CP02]; “Eu faço parte da diretoria de Carazinho e de Passo Fundo, e faço trabalho voluntário diversos” [CP03]; “Ah, eu faço crochê, faço nos panos de prato, nas toalhas...” [CP04]; “Eu faço voluntariado uma vez por semana, ou quando dá, né? [risos]. Por isso já se diz voluntário! Eu trabalho com artesanato, faço flores de fita, voal, sianinha, tudo que é tipo, todo artesanato, eu faço!” [CP05].

Entre os membros do Rotary Club observam-se discursos de valorização dos aspectos relacionais, com ênfase em como tais relações são construídas com vistas à continuidade da organização. Assim, o perfil dos voluntários está entrelaçado pela dinâmica da roda dentada, símbolo da engrenagem em movimento, tão presente nos discursos reproduzidos a seguir:

Atualmente eu moro em Pelotas e foi lá que eu conheci o Rotaract, que é um programa [...] para jovens de 18 a 30 anos. Faz mais ou menos dois anos que eu conheci o clube [...]. Na última gestão eu fui presidente do clube. Nesta gestão eu sou protocolo e também sou diretora jurídica do distrito. E o Rotaract é voltado prá... tanto prá serviços voluntários, mas também para liderança de jovens; é o desenvolvimento de lideranças dentro do clube. Então ele atua nestas duas frentes e estou hoje à convite do [RC03], que eu encontrei esta semana. Vi uma caixa de arrecadação de alimentos do Rotary e me apresentei. Então eu vim aqui conhecer vocês hoje. Meu padrinho é rotariano, então eu me sinto em casa. E tenho minhas professoras aqui. (RC05)

O Rotary é uma organização de futuro. A gente não pensa somente o agora, a gente pensa o futuro, e o futuro também depende desta... desse intercâmbio, porque há muito nós não tínhamos [jovens] interessados [em realizar intercâmbio]. E nós entendemos que é [...] algo muito positivo e que deva ser estimulado. Como o [RC07] falou, cada atividade depende de cada um de nós e se cada um de nós [fizer algo], somado ao todo se torna com uma dimensão maior. Fico feliz de ter a [RC05] aqui! [Ela] foi minha aluna. Ela é uma pessoa envolvida na atividade dela dentro do Rotaract e o Rotary é isso! O Rotary é ações humanitárias em mais de 220 países, levando então a construção da paz mundial e de ações locais, distritais, nacionais e internacionais. (RC11)

Considerando que o Rotary é uma reunião de pessoas, o perfil dos rotarianos pode ser descrito pelos traços comuns de inteligência, competência, dedicação para transformar uma dada realidade. Para tanto, o rotariano precisa ter consciência que faz parte de uma “grande obra” e que tem uma grande missão, compartilhar. Não é a sua habilidade técnica que o faz voluntário num clube de Rotary, mas sua capacidade de mobilizar recursos materiais e humanos em torno de um objetivo social (contribuir com a Fundação Rotária para comprar doses de vacina, adquirir cadeira de rodas, comprar equipamentos para formar uma orquestra, outras), bem como sua paciência para valorizar as tradições e ser um agente guardião da história.

Na APAE Passo Fundo, o perfil requerido do voluntário envolve prestação de serviço, com doação de tempo e de talento para as causas sociais, especialmente movido pela solidariedade, sem vínculo empregatício ou de obrigações trabalhistas e previdenciárias, como

prevê a Lei n. 9608, de 18 de fevereiro de 1998. As atividades de voluntariado são diversas, tanto em práticas sociais que envolvem contato direto com os assistidos, como em atividades internas de natureza administrativa (secretariar reuniões de diretoria, controlar os usos e a origem dos recursos financeiros, elaborar projetos, etc.) ou em atividades externas e em eventos para arrecadação de fundos, como preparação do estúdio e dos alunos para produção do produto “Calendário da APAE” e arrecadação de donativos e elaboração da “Feijoada da APAE” (Figura 18).

Figura 18 – Foto da diretoria e cozinheiros responsáveis pela Feijoada APAE

Fonte: Arquivos da APAE Passo Fundo.

Na Cáritas Paroquial também foi possível perceber a predominância do convívio de apenas uma geração, bem como do desenvolvimento de atividades operacionais (vender roupas, desfiar a lã, costurar as peças, bordar toalhas, fazer chá...), tais características são representadas nas falas dos seguintes voluntários:

Eu fico com a costura, faço barra, ajudo a pregar e fazer reparos. (CP06) Eu ajudo a desfiar a lã. (CP09)

No Rotary atuam voluntários de classe média alta, com grau de instrução de ensino superior, carreiras consolidadas e estáveis. Predomina-se o convívio de diferentes gerações, desta maneira os conteúdos essenciais são transferidos para os mais novos. Realizam e envolvem-se em atividades que os sujeitos demonstram suas competências profissionais de forma a contribuir para que as ações coletivistas planejadas desenvolvidas em conjunto e em interação com a comunidade.

Sou advogada atuante, membro do Rotaract [...] já fui presidente e hoje sou diretora jurídica [...] Rotaract é voltado para o desenvolvimento de líderes. (RC05)

Quanto a ocupação na Cáritas percebe-se o tempo livre e dedicação integral ao ato voluntário, no entanto no Rotary e APAE são profissionais ativos no mercado e se comprometem com as organizações em exercer o voluntariado de forma organizada inclusive por datas.

Nas falas dos voluntários está evidenciado o uso de seu tempo para atividade de voluntariado e a estrutura facilitadora da organização:

Eu faço voluntariado... uma vez por semana. (CP05)

Rotary tem um sistema organizado que já tem mais de cem anos e a gente usa esta estrutura pra poder fazer aquilo que a gente, não digo que não faríamos se estivéssemos fora, mas aqui dentro temos esta estrutura organizada para se envolver, e o Rotary tem determinadas propostas que cada clube procura atender naquelas necessidades que o Rotary apresenta, (através do) o governador. (RC01)

Pertenço ao Conselho Fiscal, como tal, minha responsabilidade é de verificação e aprovação das contas da entidade. (APF02)

Na Caritas Paroquial há preocupação geral em realizar ações de voluntariado com vistas a manter o Centro de Juventude. Ao contrário no Rotary, as ações sociais buscam o envolvimento com a comunidade, englobam cidadãos e voluntários numa mesma ação, fortalecendo vínculos. De uma forma mista a APAE-PF se dedica para a comunidade e com a comunidade em diversas ações dos mais diferentes tipos.

Quanto aos aspectos comportamentais dos sujeitos, os voluntários apresentam características variadas desde a faixa etária até a classe social pertencente. Porém revela-se que é necessário atingir certa idade para dedicar-se ao voluntariado, uma fase estável na vida, de meia idade. Ainda assim nenhum voluntário é desqualificado/rejeitado, pois cada um doa o que tem, seja conhecimento, tempo, trabalho e esforços para mudar a realidade que reconhecem.

Os voluntários, principalmente, no Cáritas Paroquial, trataram a ação de voluntariado com o termo “trabalho”. A maioria dos voluntários é aposentada e busca uma ocupação rotineira, um compromisso, que eles mesmos definem como “trabalho voluntário”.

Discutindo o sujeito como voluntariado, Teodósio (2001) que esclarece os motivos que conduzem o indivíduo para uma atividade remunerada não são os mesmos que conduzem a exercer o chamado trabalho voluntário, já que não é uma atividade remunerada de forma monetária. Para o autor, a hipotética remuneração, seria a retribuição ou pagamento de ordem simbólica, emocional e ideológica, recebendo amizades, contato humano e convivência. Desta maneira, seria o trabalho voluntário uma ação espontânea não remunerada, exercida por diferentes razões, dispondo seu tempo e trabalho para contribuírem na melhoria da sociedade na qual se inserem. A afirmação do autor se consolida na fala do sujeito CP05:

Assim ó... sabe o que é a remuneração pra mim? Eu [...] sabe qual é a remuneração: é chegar e assim ó... ir num lugar e encontrar algo que eu fiz, ó isso ai foi eu que fiz, essa é a remuneração pra mim. Pra mim meu Deus do céu! Reconhecimento.

Lhuilier (2013) considera o trabalho como uma dominação social. O autor refere-se a uma perda emancipatória de caráter do homem para conservar a ordem. Seria uma forma de domesticação do homem como uma divisão social a técnica do trabalho. Para Freud (1974), o trabalho é representado por pressões e explorações que o sujeito sofre, complementado que a aversão natural pelo trabalho é a soma da pressão da necessidade, e desta maneira nascem os problemas sociais mais intrínsecos.

No Rotary Club foi discutido o conceito de trabalho. Com a fala de RC11, apresenta- se a síntese do entendimento dos voluntários rotarianos:

O trabalho voluntário [...] nunca acaba. O trabalho voluntário é um olhar solidário às necessidades das pessoas. O Rotary trabalha também com caridade, mas ele trabalha num sentido humanitário.

Ao repetir quatro vezes a palavra “trabalho” em apenas duas frases, RC11 enfatiza os diferentes sentidos do trabalho, já publicizados por Morin (2001), e que contribuem para afirmar a respeito:

 da sua não finitude, numa analogia ao “horário de trabalho” praticado no mercado de trabalho formal, em que o compromisso da pessoa finda quando o tempo relógio aponta um horário específico e pré-determinado em contrato de trabalho;

 da sua utilidade em prol do bem comum, ao afirmar sobre sua utilidade “às necessidades das pessoas”;

 do egoísmo de quem o pratica, que é representado pela palavra “caridade”;  do interesse do coletivo (organização rotária) ao correlacionar trabalho com

Para Marx (1983), discutir trabalho em caráter positivo considera-se a auto realização do homem, por meio de autonomia pois este transforma a natureza das coisas, seus semelhantes e de si mesmo; em caráter negativo implica sofrimento e alienação. Com o trabalho alienado, sob a ótica capitalista, o homem transforma-se em mercadoria, totalmente desumanizado, transformando sua existência apenas para o trabalho e não para realização da vida humana.

Em síntese, os voluntários que atuam nas organizações sociais investigadas se caracterizam pelo gênero feminino, uma faixa etária acima de 44 anos, cujos cargos de gestão são ocupados por mulheres. A maioria se identifica pela sua profissão, seja o voluntário aposentado ou aquele que está ativo no mercado de trabalho, o que revela seus interesses em doar experiências que carrega consigo, como enfatiza Mattiazzi (1977).

São aptidões, fatores da personalidade, cultura e experiências os determinantes da busca de atividades específicas de voluntariado, que se apresentam ao ator social como uma necessidade humana a ser gratificada (SAMPAIO, 2009). Os voluntários evidenciam tais aspectos no seu perfil quando afirmam sentirem-se melhor por estarem em companhia de outros voluntários que tem interesses e visões de mundo semelhantes (comunidades).