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Avançando em relação ao cenário até aqui exposto, apresento em seguida as ferramentas conceituais com as quais busquei organizar o meu olhar investigativo, a fim de criar um caminho teórico para compreender as possíveis representações de infâncias contemporâneas acionadas/propagadas nos PPPs. Escolhi conceituar, nesta seção, identidade e representação, deixando o conceito de infância para um capítulo posterior, pois considero que se faça necessária uma construção conceitual, dada a complexidade das discussões que vêm sendo empreendidas em torno do termo infâncias.

Inicialmente trago algumas reflexões, – mesmo que breves – sobre algumas mudanças ocorridas nas sociedades contemporâneas ocidentais, uma vez que tais mudanças vêm possibilitado novas formas de pensar o sujeito e sua vida em sociedade. É relevante fazer essas reflexões destas mudanças, pois os conceitos de identidade e representação, – com os quais irei pensar as infâncias contemporâneas – a partir de reconfigurações sociais, passam a ser discutidos sob novos olhares.

As sociedades ocidentais do fim do século XX vêm produzindo mudanças estruturais, promovendo diversas rupturas na forma como os sujeitos organizam a vida em sociedade. Uma dessas mudanças aparece nas discussões de Woodward, (2008) que menciona a globalização como um fenômeno que abala as antigas estruturas das comunidades nacionais. Segundo a autora, “a globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas.” (WOODWARD, 2008, p. 20)

Transformações como a globalização caracterizam uma fase mais recente da pós-modernidade, permitindo convergências de culturas e estilos, fragmentando o que, na sociedade moderna, era estável e natural. Observa-se um abalo nos sentidos até então fixos sobre classe, gênero, nacionalidade, etnia, sexualidade e identidade. Se, na sociedade moderna, os indivíduos caracterizavam-se por sólidas e unificadas formas de identidade, a pós-modernidade inaugura a ruptura das noções fixas e essencialistas sobre o sujeito social. (HALL, 2006)

As primeiras considerações desta seção apontam para o primeiro conceito que me proponho a discutir, identidade. No constructo teórico dos Estudos Culturais, a concepção abordada é de que há múltiplas identidades, sejam elas sociais ou

individuais.

Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicas(HALL, 2000, p. 108).

Hall (2006) aborda a questão da identidade refletindo sobre processos culturais e históricos que fazem deste um dos conceitos fundamentais no campo dos Estudos Culturais. Analisa três momentos históricos que colaboraram para o que se pode chamar de “crise da identidade”. O autor explica que o sujeito do período Iluminista era caracterizado por uma identidade fixa, já que nascia com ela. A identidade era essencial, unificada e imutável. A emergência do mundo moderno inaugura um outro tipo de subjetividade, o sujeito sociológico, que ainda possuía uma identidade essencial, mas que poderia ser reconstruída por intermédio das relações dele com outros indivíduos e instituições. Tratava-se de uma concepção interativa do eu. Hall (2006) evidencia que essas identidades (fixa e interativa) estão mudando.

Desta forma, ao investigar sobre as mudanças na forma de ver as identidades em diferentes momentos históricos, o autor afirma que a identidade é definida historicamente e não biologicamente. Evidencia que o sujeito pode assumir variadas identidades em momentos distintos da vida, de maneira não mais unificada e coerente, como era concebido em outros momentos históricos.

A partir do referencial apresentado, num movimento de articulação entre as ferramentas conceituais e meu campo de pesquisa, não é mais possível pensar em uma infância unificada. A infância é uma forma de nomear as primeiras etapas da vida dos seres humanos. A ela são atribuídos um conjunto de significados que narram esse período da vida e fixam uma identidade. A exemplo, é aceitável na cultura urbana contemporânea ocidental, fixar a identidade infantil, atribuindo características como pureza, imaturidade, alegria, fragilidade, ingenuidade. Contudo, o campo teórico no qual estou apoiada, auxilia-me na afirmativa de que essas concepções sobre identidade infantil são constructos sociais, históricos, culturais, múltiplos, variáveis e flexíveis a novas nomeações.

Neste ponto, considero importante trazer à discussão alguns elementos que se articulam com a produção das identidades, a saber: diferença e linguagem. Não

poderia marcar o conceito de identidade, sem recorrer à sua construção a partir da diferença - ambas produzidas pelos processos de significação da linguagem.

Recorro a Silva (2000) para me auxiliar a tecer as considerações acerca desses importantes conceitos, uma vez que são ferramentas que me ajudaram a pensar sobre as infâncias contemporâneas. A identidade, conforme afirma o autor, é marcada pela diferença. Ao definir “quem sou eu” o sujeito infere uma série de negações sobre “quem eu não sou”. As identidades são constituídas por complexas cadeias de negações que anunciam “quem o sujeito é” e “quem ele não é”. Nesse sentido, “assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da identidade (SILVA, 2000, p. 73).

Identidade e diferença partilham de uma característica fundamental: a linguagem. A linguagem neste contexto é compreendida como um sistema de significados que são atribuídos de forma constitutiva, em processos de nomeação, classificação e atribuição de sentido. Sedo assim, é por meio da linguagem e por meio de processos históricos e culturais, que criamos identidades múltiplas, marcadas pela diferença. É nessa perspectiva e apoiada nesse pressuposto que proponho um pensar crítico sobre as infâncias produzidas a partir dos PPPs de instituições públicas que atendem a Educação Infantil. Ancorada nos pressupostos dos autores mencionados, afirmo que identidade e diferença são constructos sociais e resultantes de processos simbólicos e discursivos, resultantes de negociações que não são harmônicos nem neutros. A esse respeito, Silva (2000) discute sobre o caráter do poder que envolve os sistemas de classificação que narram as identidades. Segundo o autor, é um campo de disputas e hierarquias.

Dividir o mundo social entre "nós" e "eles" significa classificar. O processo de classificação é central na vida social. Ele pode ser entendido como um ato de significação pelo qual dividimos e ordenamos o mundo social em grupos, em classes. A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas a partir do ponto de vista da identidade. Isto é, as classes nas quais o mundo social é dividido não são simples agrupamentos simétricos. Dividir e classificar significa, neste caso, também hierarquizar. Deter o privilégio de classificar significa também deter o privilégio de atribuir diferentes valores aos grupos assim classificados. (SILVA, 2000, P. 75)

Avançando e aprofundando o olhar sobre o conceito de identidade, considero importante adentrarmos em outro conceito, caro aos Estudos Culturais, e que permite analisar a forma como as identidades são construídas culturalmente. Refiro-

me ao conceito de representação. Para tanto, é preciso entender como a representação engloba sistemas de significados, posicionando os sujeitos de diferentes maneiras no interior das relações culturais.

Abro a discussão sobre representação com Hall (1997b), conceituando representação como a forma como as sociedades produzem sentido, utilizando a linguagem para fazê-lo. Na perspectiva aqui colocada, representação não significa narrar algo em sua essência, mas construir múltiplos sentidos, criados pela e na cultura, através da linguagem. Isso significa que não podemos dizer como um objeto ou evento realmente é. Nós criamos sentido para os objetos, sensações, vivências, utilizando a linguagem como veículo comunicativo (HALL, 1997b).

A linguagem permite criar um conjunto de práticas narrativas que produzem significados e “é por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (WOODWARD, 2008, p.17). A representação, portanto, faz parte de um processo cultural que permite a criação de sistemas classificatórios, posicionando sujeitos e fixando identidades. Os sistemas de representação estabelecem o que é “normal” na sociedade e pode ser entendido como a fixação de identidades aceitáveis. Indicam, ainda, o que é “anormal” ou desviante, fixando a diferença (WOODWARD, 2008).

Na costura entre os conceitos de identidade e representação, reafirmo o que foi argumentado por Woodward (2008, p. 17) ao destacar que

A representação, compreendida como um processo cultural, estabelece identidades individuais e coletivas e os sistemas simbólicos nos quais ela se baseia fornecem possíveis respostas às questões: Quem eu sou? O que eu poderia ser? Quem eu quero ser?

Assim, posso afirmar que as identidades infantis são criações produzidas por sistemas de representação que posicionam as crianças, atribuindo uma série de características que são validadas nas relações sociais e culturais. Essas relações não são nada harmônicas nem desprovidas de posicionamento político, como já citado anteriormente. Estão permeadas por relações de poder, pois quem narra a infância, na maioria das vezes, são os adultos. Eles representam a identidade social aceita, posicionando a infância como o outro diferente desta relação.

Ao estudar as infâncias estarei reportando-me ao conceito de representação, buscando compreender como a produção simbólica do que é ser infantil, ou do que

é ser criança, colabora para a invenção de diferentes posições em que os sujeitos são colocados e subjetivados.

Busquei valer-me dos conceitos de identidade e representação – perpassando pela reflexão sobre diferença e linguagem, porque essas ferramentas teóricas me auxiliam a compreender que as identidades infantis não são inatas ou nascem com os indivíduos. Elas não estão à espera de que “alguém” as revele. Ao contrário, vão sendo construídas na medida em que as infâncias são narradas e representadas pelos adultos através, por exemplo, da construção de documentos tal como os PPPs. Por se tratarem de conceitos que se articulam, optei por utilizar os dois – representação e identidade.

É relevante tratar sobre os dois conceitos nesta pesquisa, pois, sustentada pelas vertentes teóricas apresentadas ao longo deste capítulo, suspeito que a linguagem produzida através da cultura e narrada em documentos oficiais escolares, produz formas de viver as infâncias. Desta forma, as identidades produzidas evidenciam o que significa ser criança e quais comportamentos são aceitáveis nesse período da vida. Ao elaborar narrativas sobre as infâncias, fundamentados frequentemente pelo viés da medicina desenvolvimentista e pelas teorias psicológicas modernas, os PPPs acabam produzindo representações que reverberam na constituição de identidades infantis.

As contribuições conceituais do campo dos Estudos Culturais em Educação permitem compreender a identidade não como algo natural, fixo, essencial e previamente estruturado. Conforme destaca Williams (2013), somos convidados a promover rupturas no nosso senso seguro de significados, olhando para a identidade no plural, ou seja, identidades.

Como veremos na próxima estação do mapa investigativo, os processos históricos auxiliam quanto à leitura dos sistemas de representação e à constituição de diferentes identidades infantis. Isso porque ao longo da história as representações sobre as infâncias e as crianças mudaram, articuladas às relações socioeconômicas, desenvolvimento científico, emergência da escola moderna e outros fatores que veremos a diante.

4 POLÍTICAS QUE CONSTITUEM IDENTIDADES: O PPP COMO UM ARTEFATO CULTURAL

Em certo sentido, pedagogia significa “diferença”: educar significa introduzir a cunha da diferença em um mundo que sem ela se limitaria a produzir o mesmo e o idêntico, um mundo parado, um mundo morto. (SILVA, 2000, p. 60)

Para mim enquanto educadora, o excerto de Silva (2000) é motivador. Até então nunca havia pensado na pedagogia sob esta ótica. Nunca havia pensado na educação tendo a perspectiva da diferença visto como enriquecedor das práticas pedagógicas. Quando li o que o autor propunha, dentre outras coisas a pensar sobre o currículo, imediatamente pensei sobre o meu material empírico (PPP). Refleti sobre o quanto este documento é educativo, é um instrumento de escolhas políticas e que dificilmente abre caminhos para uma pedagogia da diferença. Na medida em que lia e ajustava o olhar analítico, observava que este importante documento constituinte das práticas educativas escolares, em muito produzia o mesmo, o idêntico, o já falado, o naturalizado.

É sobre o material empírico que elegi que dedico este capítulo. Proponho-me a pesquisar sobre a sua emergência no cenário educacional, o que prevê a legislação vigente ao orientar sobre a elaboração do mesmo e qual a sua importância para o trabalho desenvolvido nas escolas. Além disso, inspirada pelos pesquisadores do campo dos Estudos Culturais, venho discutir o caráter político presente na elaboração dos PPPs e suas reverberações na constituição das infâncias infantis contemporâneas.

A ideia de planejar o trabalho escolar não é uma ideia nova. A educação brasileira tem sido organizada por leis que, ao longo dos últimos 50 anos, sofreram três importantes alterações através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A primeira LDB foi sancionada em 20 de dezembro de 1961 pela lei 4.024, após 13 anos de embates políticos. A lei não fazia referência nem orientava quanto à prática de planejamento da atividade escolar, nem tampouco mencionava a elaboração de algum documento que pudesse ser similar ao que atualmente conhecemos como PPP. Caberia ao Conselho Federal de Educação indicar aos sistemas de ensino as disciplinas básicas e os conteúdos mínimos a serem ministrados nas unidades escolares. (BRASIL, 1961)

atender às demandas da organização política vigente na época: a ditadura militar. Em 11 de agosto de 1971 foi sancionada a segunda LDB na forma da lei 5.692, fixando novas diretrizes para a educação nacional. A principal mudança em relação à lei anterior foi a reconfiguração dos níveis de escolaridade denominados de 1º e 2º graus. A educação no 2º grau seria basicamente profissionalizante, atendendo as demandas técnicas e científicas que estavam sendo criadas pelo governo da época. Ainda não eram vistos indicativos de Projeto Político-Pedagógico, mas vários artigos da lei tratavam de práticas de planejamento curricular (BRASIL, 1971).

Em geral, a organização curricular e as práticas pedagógicas eram elaboradas por especialistas, planejadores e inspetores, nos Conselhos Federal e Estadual de Educação. Os conselhos elaboravam as diretrizes para o Sistema de Ensino Federal e Estadual, pautados na LDB vigente. Desta forma, o Ministério da Educação tinha a incumbência de elaborar um Plano Geral do Governo - para colocar em prática as mudanças propostas pela nova LDB - e assim propagar o conteúdo do Plano Geral para a elaboração dos Planos Estaduais. As escolas subordinadas a cada sistema deveriam aplicar os pressupostos determinados pelos conselhos, garantindo que a organização de todas as atividades escolares estivesse em harmonia com o Plano Geral do Governo. A LDB de 1971 apresentava, ainda, referência ao regimento escolar como um documento orientador da atividade escolar. O artigo 70 determinava que

As administrações dos sistemas de ensino e as pessoas jurídicas de direito privado poderão instituir, para alguns ou todos os estabelecimentos de 1º e 2º graus por elas mantidos, um regimento comum que, assegurando a unidade básica estrutural e funcional da rede, preserve a necessária flexibilidade didática de cada escola. (BRASIL, 1971)

As instâncias governamentais (nos níveis federal e estadual) elaboravam os planejamentos que deveriam vigorar nas escolas, com enfoque na organização pedagógica, administrativa e financeira: dias letivos, tempo de permanência na escola, obrigatoriedade de frequência e aprovação para as próximas séries. Na escola é provável que o regimento escolar representasse o principal documento normativo de funcionamento da mesma.

A abertura política na década de 1980 e as reformas neoliberais em emergência chegaram até o campo educacional com novos debates que, após mais de uma década, resultaram na terceira LDB, fixando novas diretrizes educacionais

por meio da lei 9.394 sancionada em 20 de dezembro de 1996. As reformas neoliberais previam uma descentralização do poder do Estado, permitindo às escolas maior autonomia para a organização de suas atividades. A nova lei, que vigora até a atualidade, foi o resultado de debates que iniciaram na década de 1970, quando a escola passou a ser vista como um espaço de reprodução dos ideais do Estado, acentuando as desigualdades sociais. (VASCONCELLOS3, 2013)

O Projeto Político-Pedagógico aparece pela primeira vez na legislação educacional brasileira, como um dos elementos representativos desse cenário de mudanças políticas, sociais, econômicas e reivindicações por uma escola democrática. Foi forjado por meio de encontros e publicações no campo educacional que culminou com a inclusão da proposta do PPP na LDB de 1996, após mais de uma década de debates. Popularizou-se pela sigla PPP, mas aparece em leis, documentos e produções científicas com várias nomenclaturas: projeto pedagógico,

proposta pedagógica, projeto político-pedagógico, projeto educativo, projeto pedagógico-administrativo, plano escolar, projeto político-curricular e outros

(VASCONCELLOS, 2013).

A lei 9.394/1996 apresenta o PPP como um documento de elaboração obrigatório nas instituições escolares nos seguintes artigos:

Art 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I – elaborar e executar sua proposta pedagógica. Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. (BRASIL, 1996)

Apesar de a LDB não ser meu material de pesquisa, é relevante dedicar algumas linhas para tratar sobre suas reverberações, uma vez que o PPP é elaborado a partir de suas concepções sobre sociedade, escola, infâncias.

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O referido autor não se vincula à perspectiva teórica em que essa dissertação se insere. Entretanto, ele é trazido para o âmbito desse texto porque suas contribuições sobre o modo como o Projeto Político-Pedagógico pode ser compreendido são bastante difundidas no Brasil. Além disso, o autor traz esclarecimentos quanto ao percurso histórico legal e o surgimento do documento no Sistema Brasileiro de Educação, dos quais me vali a fim de apresentar esse percurso ao leitor que não conhece o PPP.

A LDB dissemina e produz ressonâncias que se desdobram em documentos (como o PPP) e atuam na produção de identidades. A LDB produz dispositivos sobre a infância ao regular aspectos essenciais a serem considerados nos currículos, ao orientar quanto às práticas metodológicas, ao eleger os campos do saber que devem ser privilegiados e ao fomentar quais princípios o Estado elege como prioritários na constituição da educação. A exemplo, liberdade de aprender, pluralismo de ideias, vinculação entre trabalho e educação escolar, igualdade de condições para ensinar e aprender e outros. Desta forma, a LDB acaba acionando determinadas formas de representar os sujeitos infantis4, o que - de certo modo - colabora para a constituição identitária de crianças escolares que não deixam de ser os principais sujeitos que propulsionam a elaboração dos PPPs. Assim, fixa identidades através das normas que elabora.

É importante considerar que esse processo de constituição de identidades é sutil. Aproprio-me das palavras de Silva (2000) quando explica que

A normalização é um dos processos sutis pelos quais o poder se manifesta no campo da identidade e da diferença. Normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. (SILVA, 2000, p. 56)

A normalização regulada pela LDB – e que se desdobra na elaboração dos PPPs nas escolas - buscam formar identidades infantis enquadradas em uma norma que posiciona a infância como um período de certa incapacidade, que necessita de tutela, de controle por parte do Estado, uma infância como projeção de um sujeito socialmente produtivo e que necessita de atenção e cuidados diferenciados. Tenho observado essas representações sobre infâncias ao longo da pesquisa, enquanto fazia leituras atentas de vários PPPs – os que fizeram parte da investigação e outros que li na etapa do projeto.

A esse respeito remeto-me às perguntas próprias do campo dos Estudos Culturais, às quais fui instigada a pensar ao longo do Mestrado: quem fala sobre a infância? Qual o interesse em falar sobre a infância? São os adultos, sujeitos

4 A LDB não apresenta de forma explícita concepções sobre a infância. Minha intenção é evidenciar o quanto a LDB, mesmo que de forma implícita, elege tipos de identidades infantis, na medida em que normaliza, normatiza e regula as práticas nas instituições de ensino.