• Nenhum resultado encontrado

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA ACADÊMICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA ACADÊMICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO"

Copied!
116
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA ACADÊMICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REPRESENTAÇÕES DE INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS EM PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS DE ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Daniela de Souza Dias de Souza

Dissertação de Mestrado

Canoas/RS 2018

(2)

UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL PRÓ-REITORIA ACADÊMICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REPRESENTAÇÕES DE INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS EM PROJETOS POLÍTICO-PEDAGÓGICOS DE ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Daniela de Souza Dias de Souza

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil – Ulbra - como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Prof ªDrª Bianca Salazar Guizzo

Canoas/RS 2018

(3)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP

Bibliotecária responsável – Heloisa Helena Nagel – 10/981 S729r Souza, Daniela de Souza Dias de.

Representações de infâncias contemporâneas em projetos político-pedagógicos de

escolas de educação infantil / Daniela de Souza Dias de Souza. – 2018. 114 f.

Dissertação (mestrado) – Universidade Luterana do Brasil, Programa de Pós-

Graduação em Educação, Canoas, 2018. Orientadora: Profa. Dra. Bianca Salazar Guizzo.

1. Infância. 2. Educação infantil. 3. Projeto político-pedagógico. 4. Estudos culturais. 5. Representação. I. Guizzo, Bianca Salazar. II. Título.

(4)

Porque não vejo razão, para alguém fazer uma pesquisa de verdade, que não seja o amor a pensar, a libido de conhecer. E, se é de amor ou desejo que se trata, deve gerar tudo o que o amor intenso suscita, de tremedeira até suor nas mãos. O equivalente disso na área da pesquisa é muito simples: o susto, o pavor diante da novidade. Mas um pavor que desperte a vontade de inovar, em vez de levar o estudante a procurar terra firme, terreno conhecido.

Não há pior inimigo do conhecimento do que a terra firme.

(5)

Dedico esta dissertação à memória dos meus pais, Ubirajara Carvalho Dias e Alaydes de Souza Dias, companheiros e dedicados, foram grandes apoiadores na minha caminhada acadêmica. Eles foram e continuam sendo minha fonte de inspiração.

(6)

AGRADECIMENTOS

Inicio meus agradecimentos aos meus pais, os quais mencionei na dedicatória, pois desde muito pequena me incentivaram e motivaram a buscar, nos estudos, satisfação, descoberta, assim como me alertaram que nem sempre seria fácil e o quanto exigiria minha dedicação. Aos meus irmãos, Fernanda e Michel, e ao meu companheiro, Rodrigo, agradeço pela confiança, pelo exemplo e pela compreensão nos momentos de ausência. Essas pessoas foram fundamentais em minha caminhada enquanto estudante, cujo Mestrado representa uma parcela desse trajeto.

Aos companheiros e companheiras de estudos agradeço pelos aprendizados e pela convivência agradável, em especial à Lutiane, Carolina, Justina, Renata e Vanessa, amigas queridas com quem compartilhei os momentos felizes e desafiadores desta pesquisa.

Agradeço aos professores e professoras do PPGEDU da Ulbra. As aulas propostas por eles e elas foram fundamentais para que eu pudesse construir novas possibilidades de pensar a educação, oportunizando ferramentas teóricas e diálogos que abriram caminhos para as problematizações postas em destaque neste trabalho.

Estendo os agradecimentos às professoras da banca examinadora, Drª. Karla Saraiva, Drª. Fabiana Marcello, Drª. Maria AngelicaZubaran pela leitura cuidadosa do meu projeto e pelas valiosas contribuições feitas na qualificação do projeto do Mestrado.

Meu agradecimento especial à professora Drª. Bianca SalazarGuizzo que esteve muito presente e atuante nesta pesquisa. Agradeço pelos encaminhamentos, pelas sugestões, pelo incentivo e por acreditar nesta pesquisa.

Por fim, agradeço a oportunidade de ter cursado o Mestrado em Educação com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) do Ministério da Educação (MEC).

(7)

RESUMO

REPRESENTAÇÕES DE INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS EM PROJETOS-POLÍTICO PEDAGÓGICOS DE ESCOLAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A presente pesquisa consiste em uma análise documental sobre as representações de infâncias contemporâneas, acionadas em quatro Projetos Político-Pedagógicos (PPPs) de escolas de educação infantil, da região metropolitana de Porto Alegre. As discussões desenvolvidas tomaram como referência central a seguinte questão de pesquisa: que representações de infâncias são postas em evidência através dos documentos PPPs tomados como material empírico? Os objetivos consistem em: 1) investigar como as infâncias estão sendo representadas nos PPPs de quatro escolas públicas de educação infantil e 2) discutir que reverberações essas representações produzem nas identidades infantis.A presente pesquisa é de cunho qualitativo e está ancorada nos pressupostos teóricos dos Estudos Culturais em Educação, na vertente Pós-Estruturalista e nos estudos sobre infâncias. As lentes analíticas foram elaboradas a partir do estudo de três conceitos: identidade; representação e infâncias. Dentre os autores utilizados para discutir esses conceitos estão: Stuart Hall, Kathryn Woodward, Tomaz Tadeu da Silva, Maria Lúcia Wortmann, PhilipeAriès, Maria Isabel Bujes, Walter Kohan. As análises foram empreendidas a partir de dois eixos analíticos em que problematizo a reiteração de uma infância dotada de essência – e seus desdobramentos sobre cuidar, educar e brincar – e as infâncias capturadas para um projeto de cidadania. Os resultados provisórios demonstram que os PPPs são elaborados pautados nas teorizações da pedagogia crítica, acionando representações de infâncias com um forte apelo para uma “essência infantil”, que necessita de cuidados, afeto e propostas lúdicas. Além disso, reificam proposições sobre uma infância projeto, que precisa ser desenvolvida em todas as suas dimensões, para servir a um projeto de sociedade tomado como ideal.

(8)

ABSTRACT

REPRESENTATIONS OF CONTEMPORARY CHILDHOOD IN POLITICAL-PEDAGOGICAL PROJECTS

The present research consists of a documentary analysis on the representations of contemporary childhood, powered by four Political-Pedagogical Projects (PPPs) in Pre-Schools in the metropolitan region of Porto Alegre. The discussions that were developed had as main reference the following research question: what representations of childhood are highlighted by the PPPs as empirical material? The goals are: (1) to investigate how childhood is being represented in the PPPs of four public Pre-Schools; and (2) to discuss wich effects these representations produce on children´s identities. The present research is qualitative and is anchored in the theoretical assumptions of Cultural Studies in Education, Post-Structuralist and childhood studies. The analytical lenses were elaborated from the study of three concepts: identity; representation and childhood. Among the authors used to discuss these concepts are: Stuart Hall, Kathryn Woodward, TomazTadeu da Silva, Maria LúciaWortmann, PhilipeAriès, Maria Isabel Bujes and Walter Kohan. The analyzes were undertaken from two analytical axes in which I problematize the reiteration of a childhood endowed with essence - and its consequences on caring, educating and playing - and the childhoods captured for a citizenship project. The provisional results show that the PPPs are elaborated based on theories of critical pedagogy, triggering representations of childhood with a strong appeal for a "childish essence" that needs care, affection and playful activities. In addition, they reify propositions about a childhood project, which needs to be developed in all its dimensions, to serve a society project regarded as ideal.

(9)

Listas de siglas

CME - Conselhos Municipais de Educação CNE - Conselho Nacional de Educação ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente EC – Estudos Culturais

EF – Ensino Fundamental EI – Educação Infantil

LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional PPP – Projeto Político-Pedagógico

(10)

SUMÁRIO

1 INICIANDO O PERCURSO INVESTIGATIVO ... 9

1.1 O lugar de partida no mapa investigativo ... 9

1.2 Novos olhares, novas direções ... 12

1.3 Organizando o mapa investigativo ... 14

1.4 Caminhos construídos, lugares explorados: revisão de literatura... 15

2 CAMINHOS INVESTIGATIVOS ... 20

2.1 Primeiros passos... 20

2.2 Mudando rotas ... 23

2.3 Organizando os Documentos ... 27

3SITUANDO OS CAMPOS TEÓRICOS ... 29

3.1 Perspectivas teóricas ... 29

3.2 Ferramentas conceituais ... 33

4 POLÍTICAS QUE CONSTITUEM IDENTIDADES: O PPP COMO UM ARTEFATO CULTURAL ... 38

5 INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS – REVERBERAÇÕES DE UM PROCESSO HISTÓRICO E CULTURAL ... 45

5.1 Infâncias: representações pós-modernas ... 46

5.2 Lugar de criança é na escola? Ponderações sobre modos de institucionalizar a infância ... 54

6 FABRICAÇÃO DE INFÂNCIAS CONTEMPORÂNEAS: UMA ANÁLISE DOS SUJEITOS EM CONSTRUÇÃO... 60

6.1 A reiteração de uma infância dotada de essência... 62

6.1.1 Representação de infâncias articulada ao imperativo do cuidado e do afeto ... 67

6.1.2 Um corpo em movimento, uma infância que brinca: o lúdico na educação infantil 75 6.2 Infâncias capturadas para um projeto de cidadania ... 85

UM POSSÍVEL PONTO DE CHEGADA ... 95

REFERÊNCIAS ... 98

(11)

1 INICIANDO O PERCURSO INVESTIGATIVO

1.1 O lugar de partida no mapa investigativo

São múltiplos os olhares produzidos social e culturalmente sobre a infância, que remetem a práticas específicas de cuidado e atenção, voltados para esse grupo que ocupa cada vez mais destaque especialmente nas sociedades ocidentais contemporâneas. Explicar o que é infância, a que período da vida se refere e como se comportam as crianças, são algumas das preocupações de diferentes áreas do saber. É possível que nunca tenha se estudado tanto sobre infância como na atualidade. Os estudos biológico, psicológico, sociológico, pedagógico, jurídico, higienista e outros, tratam de entender, problematizar, discutir e explicar os sujeitos desde a mais tenra idade. Muitas áreas ainda compreendem que esse período abarca sujeitos frágeis, que requerem apenas atenção permanente e cuidado diferenciado.

Logo nas primeiras leituras investigativas, na pretensão de entender a infância contemporânea - e especialmente por estar vinculadaaum Curso de Mestrado em Educação na perspectiva dos Estudos Culturais (EC), assunto que tratarei adiante – percebi que seria preciso caminhar por lugares teóricos desconhecidos. Por esta razão, conforme me aproximava do campo teórico e me debruçava na escrita desta dissertação, sentia como se estivesse criando uma espécie de mapa. Um mapa para explorar terrenos investigativos que me pareceram, primeiramente, desconhecidos e estranhos. Assim, apresento as reflexões decorrentes da pesquisa de Mestrado como um mapa investigativo. Ele possui um ponto de partida, que não é tangível, portanto imaginário, demarcado por alguma certeza sobre de onde estou partindo. Apesar de todo o mapa apresentar rotas e lugares definidos, este mapa investigativo é o resultado de um processo inventivo, com contornos e curvas, caminhos e descaminhos, trajetos inventados e reinventados. O ponto de chegada era imprevisível. O caminho percorrido será apresentado na forma desta dissertação, ao passo em que avancei e explorei territórios que permitiram estudar sobre as infâncias.

Para iniciar o diálogo com o/a leitor/a proponho-me a apresentar o ponto de partida, as motivações, as inquietações que vêm instigando a elaboração da escrita que, nesta analogia com o mapa, representa a construção do caminho investigativo.

(12)

Ao longo do percurso, vários caminhos foram elaborados, demarcando novos lugares de discussão e diálogo acadêmico. Os lugares deste mapa não são fixos e, como procurarei apresentar nos próximos passos, sofreu deslocamentos tanto quanto novas leituras e novas experiências o permitiram.

Os primeiros passos eu dedico à apresentação das principais razões que motivaram minhas escolhas de pesquisa. Este é o ponto de partida do mapa investigativo. As escolhas são marcadas por dúvidas, inquietações, distanciamentos e aproximações. O elemento central desse terreno investigativo – como já deve ter ficado evidente no primeiro parágrafo – remete às discussões acerca da infância.

Quando ainda não estava familiarizada com a perspectiva na qual se insere essa dissertação (qual seja: Estudos Culturais em Educação, de viés pós-estruturalista), como pedagoga e educadora escolar, eu busquei estudar a infância com o objetivo de compreender ao máximo esse período do desenvolvimento humano. Acreditava que a partir deste ponto poderia criar subsídios adequados, colaborando para o desenvolvimento dos sujeitos infantis que me eram confiados a cada ano letivo. Nesse sentido, me vali de estudos na área da psicologia genética para dominar as chamadas fases do desenvolvimento infantil.

Eu acreditava que compreendendo como a criança desenvolvia-se nas diferentes etapas psicológicas e, sabendo como a criança aprendia ao passar pelas fases de desenvolvimento cognitivo, eu estaria bem preparada para oferecer um ambiente social escolar favorável. Além disso, poderia criar melhores estratégias para ensinar o que as crianças precisavam aprender. Em suma, a minha dedicação estava voltada no sentido de descobrir a “essência” da infância. Eu entendia que desta maneira poderia oferecer o "melhor" caminho para o desenvolvimento infantil.

Ocorre que quanto mais eu estudava e quanto mais eu procurava entender a infância, mais a prática em sala de aula – com alunos do 2º e 3º ano do Ensino Fundamental – apresentava caminhos “desviantes”. Isso ficou evidente quando me permiti olhar as crianças de maneira individual. Fui percebendo, então, que nem todos/as os/as alunos/as se enquadravam nas ditas fases de desenvolvimento; que as melhores estratégias nem sempre funcionavam e que compreender a infância1 provavelmente seria algo mais complexo do que encaixá-la em fases determinadas.

1

Aqui coloco infância no singular, pois era o modo como entendia na época a que me refiro. Mais adiante, no âmbito dessa dissertação, utilizarei o termo infâncias, bem como referir-me-ei a autores/as que têm utilizado este termo pluralizado.

(13)

Essa percepção foi aparecendo na medida em que eu conhecia melhor as crianças que não acompanhavam o aprendizado da mesma maneira que a maioria do grupo: crianças inquietas; agitadas; dispersas; agressivas; sem interesse pelo estudo escolar. Foram essas individualidades que me compeliram a buscar outras perspectivas para problematizar o universo infantil. Infelizmente as infâncias que citei acima são representadas, nas narrativas pedagógicas, como crianças problemáticas, sujeitos que precisam de especialistas para acompanhar seu desenvolvimento. Observo, na atualidade, grande preocupação por parte de especialistas em diagnosticar os “problemas” dessas infâncias, ou seja, a criança que não se "encaixa" está sofrendo de algum mal patológico.

Outras experiências fizeram-me questionar a forma como tratamos a infância na escola. Alguns familiares procuravam-me preocupados, pois percebiam que, já no 2º ano do Ensino Fundamental, seus/suas filhos/as (com sete anos de idade) não tinham mais tempo para brincar. A grade curricular “falava” por si só: período para brincar na pracinha somente para as turmas de Educação Infantil e de 1º ano; uma coleção de cinco livros didáticos com cerca de duzentas páginas cada; uma lista de material escolar que não considerava o peso que isso representaria para os pequenos carregarem. Não foi raro eu escutar dos alunos: “eu não consigo carregar a mochila; me ajuda a descer a escada! “ou “desse jeito vou quebrar as minhas costas!”.

No dia-a-dia, em contato com as crianças que iniciavam a vida escolar no Ensino Fundamental, ficava claro que elas solicitavam mais tempo para brincar e ser criança. Estudar estava relacionado a trabalho e tarefa. Enquanto educadora no 2º ano dos anos escolares iniciais do Ensino Fundamental, ouvia o desabafo de algumas crianças ao dizerem: “não gosto de estudar; não gosto de fazer temas”.

Para os meus/minhas alunos/as a escola representava um afastamento cada vez mais efetivo da possibilidade de divertir-se e de brincar. Entretanto, para os/as gestores/as, para os/as educadores/as e para a maioria das famílias, as características que apresentei anteriormente representavam o mínimo que uma boa escola deveria oferecer, que, como é de se esperar, precisava ser “forte”, precisava “puxar o aluno”. Estes termos, os quais muito escutei e que por vezes também pronunciei, eram sinônimos de uma boa escola, uma escola de qualidade e que, de certo modo, estava muito mais preocupada com o sujeito do porvir do que com a criança do presente.

(14)

Quando comecei a escutar as crianças e alguns/algumas responsáveis que se preocupavam com a forma como a escola lidava com as infâncias, questões inquietantes emergiram: o que representa para os/as responsáveis uma escola de qualidade? O que representa para as crianças uma escola boa para estar/estudar? Como a escola vem representando as infâncias? Como a escola entende as infâncias através de suas práticas? Na tentativa de responder a essas questões inquietantes, eu percebi um abismo entre falas, práticas e representações que tinham a criança como centro de interesse.

Enredada em meio a práticas e narrativas que me pareciam tão desencontradas, eu me sentia atraída por pesquisar/entender mais sobre o modo como os sujeitos infantis vêm sendo representados/compreendidos no espaço escolar e nos documentos que norteiam as práticas aí desenvolvidas, como o Projeto Político-Pedagógico (PPP), por exemplo.

Foi então que, ao ingressar no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Luterana do Brasil (PPGEDU/ULBRA), decidi investigar as tramas que compõem essa rede. Minha motivação guiou meu olhar investigativo para os documentos que são produzidos nas e para as instituições escolares. Em meio a uma teia composta pela minha experiência docente, pelo novo campo conceitual que eu estava conhecendo na Universidade e pelas inquietações que relatei anteriormente, novos entendimentos se constituíram. Sabendo que a organização das práticas escolares se dá a partir de documentos norteadores (embasados em leis e sustentáculos teóricos), suspeitei quepoderia encontrar neles possibilidades diversas de “ler” e pensar sobre as infâncias contemporâneas.

1.2 Novos olhares, novas direções

Vale uma breve descrição sobre os impactos na trajetória que eu construí até a elaboração da questão problematizadora desta investigação, visto que foram necessárias algumas rupturas em meu modo de pensar as infâncias. Quando eu ingressei no PPGEDU/ULBRA em 2016/1, percebi a possibilidade de adentrar nesse campo investigativo de análise documental. Na primeira conversa com a professora Bianca Salazar Guizzo, que veio a ser minha orientadora, eu levei algumas anotações, quase como um mapa conceitual, apresentando um problema, uma linha de ação e uma resolução possível. Tudo bem linear.

(15)

Minha maior preocupação era reduzir as distâncias entre o real e o ideal no que se referia às formas de entender as infâncias. Eu tinha a intenção de encontrar uma solução para salvar a educação, ao menos no meio em que eu trabalhava. Admito que foi bem pretensioso da minha parte. A primeira frustração apareceu quando percebi, logo nas primeiras leituras propostas no curso de Mestrado, que não caberia a mim achar uma solução possível para salvar a escola e as crianças que por ela circulam. Aliás, é bem provável que não exista solução alguma.

Na medida em que me apropriava das leituras sugeridas pelo Programa, via a necessidade de promover rupturas na minha forma linear de ver a educação escolar e as infâncias. Era o momento de partir para novas direções. A primeira ruptura, e possivelmente a mais difícil para mim, foi perceber que lidar com o campo das incertezas faria parte da pesquisa. Nesta dimensão, construí o entendimento de que não posso dizer como a infância é, mas posso pesquisar sobre como as infâncias, no plural, vêm sendo produzidas. A segunda ruptura foi quebrar a visão polarizada do mundo onde tudo se resume ou nisto ou naquilo. A terceira ruptura, e certamente esta não será a última – pois outras aparecerão – foi entender que não vou encontrar solução para as inquietações, mas posso, através da perspectiva dos Estudos Culturais, discutir, debater, dialogar e lançar um olhar sobre outras formas de pensar as infâncias.

Promovi uma primeira aproximação do campo investigativo, onde recolhi alguns documentos de livre circulação da escola em que eu lecionava, tentando

ouvir o que eles diziam sobre as infâncias. Esse material era composto por listas de

materiais escolares; planejamento curricular; grade de organização das disciplinas; regimento escolar e Projeto Político-Pedagógico. Uma parte desse material pode parecer trivial para a maioria das pessoas. Passam pelas mãos de responsáveis, alunos/as e educadores/as sem que chame a atenção para além de sua funcionalidade, ou seja, informar materiais necessários para o ano letivo; informar os conteúdos a serem tratados na escola e orientar sobre normas e condutas.

Ocorre que, quando eu olhei mais detidamente para os documentos escolares, eles não me pareceram nada triviais. É bem possível que eles nos comuniquem algo a mais ou criem realidades que são produzidas e reelaboradas no cenário educativo. Instigou-me a possibilidade de debruçar-me sobre esse tipo de documentos, procurando pensar e entender o que eles diziam que não estava, necessariamente, explícito. Motivou-me analisar as representações sobre infâncias

(16)

"escondidas" nas entrelinhas destes documentos.

1.3 Organizando o mapa investigativo

Considero esta seção fundamental na composição desta dissertação. É nela que organizo e evidencio os problemas de pesquisa, os objetivos, as escolhas investigativas e o objeto de análise. Os próximos capítulos, ou estações do mapa investigativo, estarão intimamente articulados a esta seção, que será desdobrada ao longo da dissertação.

Para organizar o terreno investigativo, entendi que seria preciso reelaborar as questões que me inquietavam, num movimento para reuni-las em uma pergunta problematizadora. Conforme indiquei anteriormente, motiva-me refletir criticamente sobre como a escola vem pensando as infâncias. Decidi, então, pesquisar os documentos escolares e buscar neles o que a escola diz, sem deixar explícito, sobre formas de representar essas infâncias. Nesse sentido, diante de várias possibilidades, escolhi pesquisar o Projeto Político-Pedagógico (PPP) de forma mais detida, por entender que, de acordo com a legislação vigente, é o documento de maior relevância que procura articular toda a prática escolar aos preceitos legais (LDB, 1996).

Destaco, então, que o material empírico desta dissertação – que ao longo do trajeto sofreu algumas alterações – foi constituído por quatro Projetos

Político-Pedagógicos de escolas públicas de Educação Infantil da área urbana da região metropolitana de Porto Alegre/RS. As análises foram produzidas com enfoque sobre

representações de infâncias presentes nesses documentos. A definição do material empírico deu-se ao longo de todo o primeiro ano de estudos e pesquisas e foi finalmente elegido somente após a apresentação do projeto à banca de qualificação. As sugestões das professoras que compuseram a banca (tanto relativas ao material empírico quanto relativas aos critérios de seleção) foram atendidas, fato que colaborou para o aprimoramento desta pesquisa. No capítulo metodológico estarei detalhando esse percurso.

Avançando na organização desta etapa do mapa investigativo, reelaborei minhas questões investigativas, agrupando-as em uma pergunta problematizadora, que traçou as rotas e os passos seguintes, a saber: que representações de infâncias

(17)

situadas na região metropolitana de Porto Alegre/RS?É possível desdobrar essa

pergunta para investigar as infâncias em suas diversas representações, como a infância que é aluno/a, sujeito do porvir que vai sendo constituído a partir do que se espera para o futuro, que precisa ser respeitada em suas especificidades e em seus ritmos e que será “salva” pela escola.

A partir da pergunta investigativa central e do material empírico, este estudo tem por objetivos:

 Investigar como as infâncias estão sendo representadas nos PPPs de quatro escolas públicas de educação infantil;

 Discutir que reverberações essas representações produzem nas identidades infantis.

Cabe retomar, nesse ponto inicial, que o lugar teórico em que me situo é o campo de investigação dos Estudos Culturais em Educação pela vertente pós-estruturalista. A perspectiva dos Estudos Culturais se delineou na segunda metade do século XX, tendo Stuart Hall como um de seus principais pesquisadores (COSTA, 2000). Os olhares do campo teórico trouxeram subsídios para pensar as infâncias pelas lentes da cultura, sendo entendida como constituidora, produtora e formadora de identidades.

1.4 Caminhos construídos, lugares explorados: revisão de literatura

A presente pesquisa partiu de um ponto investigativo sustentado por pesquisas já realizadas sobre a temática das infâncias e se desdobra em múltiplas reflexões. Apresento uma primeira aproximação com os teóricos através de uma revisão de literatura, em que busquei subsídios no catálogo Online da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), no Lume da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no portal Scielo e no Google Acadêmico. Também me vali de artigos que problematizam as infâncias na pós-modernidade.

Inicialmente apresento a tese de doutorado de Maria Isabel Edelweiss Bujes, intitulada infância e maquinarias, defendida em 2001.Bujes analisou o Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil (RCN) apontando para as formas de governamento das infâncias. A autora destaca como as verdades sobre a infância vão sendo produzidas por intermédio das relações pedagógicas. O processo civilizatório da Modernidade possibilitou a criação de infâncias e sua subjetividade. A

(18)

autora conclui que o referido documento é lido como um dispositivo de organização e controle de saberes que operam disciplinando as infâncias contemporâneas. (BUJES, 2001). Nesta pesquisa foram utilizados conceitos de inspiração foucaultianos, dos quais não pretendo me valer nesta dissertação. Porém, aproxima-se da minha pesquisa uma vez que ela também analisou as infâncias a partir de documentos orientadores para a educação infantil.

A pesquisa da autora Dora Lilian Marian-Diaz também dialoga com a minha. Ela propõe discussões sobre a infância contemporânea, através de sua dissertação de Mestrado intitulada Infância: discussões contemporâneas, saber pedagógico e

governamentalidade, defendida em 2009 na UFRGS. Argumenta que a infância está

presente nas narrativas sociais como construção cultural e histórica, ocupando um lugar central nas políticas e práticas escolares. Discute sobre a emergência de uma infância pós-moderna, em um contexto de redefinição de políticas públicas, novos conceitos que refazem a lógica familiar e novas condições que desenham sistemas educativos (DIAZ, 2009). A autora problematiza o que tem colocado as crianças no centro dos olhares e porque é preciso educar as infâncias. Estuda sobre como vão aparecendo historicamente as falas que particularizam e naturalizam a infância, dita como uma etapa que precisa ser desenvolvida. Argumenta, ainda, que:

O que enxergamos não são os indivíduos na sua realidade, (...) são os sujeitos marcados nas parcialidades táticas de um dispositivo que os produz como infantes, nos jogos de poder/saber que os desenham como portadores de uma essência natural (DIAZ, p. 17, 2009, grifo da autora)

No sentido de buscar subsídios teóricos que tratam das infâncias a partir de pesquisa documental – que é o enfoque desta – apresento o artigo de Fabiana Marcello e Maria Isabel Bujes, com o título Ampliação do ensino fundamental: que

demandas atende? A que regras obedece? A que racionalidade corresponde? As

autoras analisam os documentos que orientam a ampliação do ensino fundamental para 9 anos, investigando sobre as problemáticas do ingresso das crianças aos 6 anos de idade na escola. Destacam como os documentos analisados obedecem a algumas regras construídas historicamente, afirmando verdades próprias do nosso tempo. A pesquisa aponta para uma mudança de ênfase quanto à forma de representar a criança pequena: do sujeito vulnerável para uma infância autônoma. As infâncias representadas nos documentos analisados indicam para uma infância

(19)

sob a égide da qualidade; a criança como projeto para o futuro; a criança capaz, inserida na escola para atender ao projeto de sociedade. (MARCELLO; BUJES, 2011)

Outra pesquisa, relevante para as discussões que proponho, foi realizada por Mariângela Momo (2014).Apoiada na vertente dos Estudos Culturais ela realizou um estudo sobre como as condições culturais pós-modernas, como mídia, consumo e tecnologia, colaboram para a mudança do cenário global. Nesse cenário estão as crianças da Educação Infantil, foco de sua análise. A autora preocupa-se com as implicações que os componentes culturais realizam nos modos de ser criança. O estudo da autora apoia-se no argumento de que determinadas formas de viver certo tipo de infância está intimamente articulado às condições culturais da pós-modernidade. (MOMO, 2014)

Um artigo relevante no campo dos estudos sobre infâncias foi o resultado de um ensaio que utilizou documentos, promovido por Carvalho e Guizzo (2016). Chama-se Interesses das Crianças, Pedagogia de Projetos e Metacognição: artes

de governar a docência na educação infantil. É problematizado um conjunto de

saberes sobre práticas pedagógicas que delineiam formas de pensar que regulam as práticas docentes. Ao analisar 40 relatórios de estágios de discentes do curso de Licenciatura em Pedagogia, os autores identificam narrativas recorrentes, evidenciando táticas pedagógicas em nome do ensino ativo, motivado pelos estudos de John Dewey: escolhas pedagógicas que considerem os interesses das crianças; os projetos como a melhor escolha metodológica para o desenvolvimento da autonomia e o desenvolvimento da metacognição. Assim, as narrativas cumprem determinadas funções e constroem realidades. Conclui-se que a infância escolar está sendo narrada sobre uma perspectiva essencialista e com enfoque na aprendizagem. O que interessa para a criança emerge como elemento central. Constitui-se, assim, uma nova concepção de aluno/a e de infância (CARVALHO e GUIZZO, 2016).

Trago ainda três dissertações recentemente defendidas no Programa ao qual me vinculo: uma delas intitula-se “A loja de brinquedos na produção das infâncias contemporâneas: uma leitura a partir dos Estudos Culturais em Educação”, desenvolvida por Michelle Chagas de Farias (2017); a outra intitula-se “A comodificação da Educação Infantil”, elaborada por Lutiane Novakowski (2017); e – ainda – a intitulada “Infâncias online: uma análise das representações de crianças e

(20)

de infâncias no site Catraquinha” de autoria de Carolina da Silva Severo (2018). A primeira teve como propósito central discutir os modos como as configurações de nove lojas de brinquedos, localizadas nas cidades de Porto Alegre e de Canoas, narram as infâncias contemporâneas, bem como o que elas podem nos dizer sobre o brinquedo e o brincar. Farias (2017) argumentou que as lojas atribuem determinados significados ao brincar e aos sujeitos brincantes a partir dos brinquedos e dos produtos que oferecem. Novakowski (2017) discutiu o modo como

sites de instituições de Educação Infantil produzem verdades sobre as funções

dessa etapa da Educação Básica na contemporaneidade. Suas análises evidenciaram que a infância é vista como um investimento para o futuro. Sendo assim: “quanto mais habilidades, capacidades e conhecimentos as crianças puderem adquirir já desde os primeiros meses de vida, mais preparadas estariam para atender a demanda posta pela sociedade neoliberal” (NOVAKOWSKI, 2017, p. 9). Já Severo (2018) investigou sobre as representações de crianças acionadas e propagadas nas publicações de um site endereçado a pais, mães e educadores. A autora teve como principal objetivo apresentar e problematizar como as crianças e as infâncias eram representadas nas matérias publicadas e, de que modo, essas representações podiam contribuir para a constituição de identidades infantis contemporâneas.

As pesquisas que apresentei apontam formas diversas de olhar para representações de infâncias. Apesar de cada trabalho apresentar um caminho diferente para entender a temática, reconheço uma linha que costura todas essas pesquisas: as infâncias podem ser entendidas, tendo sua referência na abordagem dos Estudos Culturais, como uma construção histórico-cultural, atravessada por representações que posicionam as crianças desta ou daquela maneira. Concordo com Costa (2000) que esta é uma forma possível de olhar para as infâncias, não a verdadeira, não a melhor. Apenas uma lente através da qual pretendo ajustar o meu olhar.

O contato com pesquisas sobre meu campo investigativo permitiu eleger um conjunto de conceitos com os quais trabalhei no desenrolar desta pesquisa. Vali-me de três conceitos principais para pensar as infâncias contemporâneas, a saber:

infâncias, identidade e representação. Escolhi estes conceitos por entender que são

importantes para compreender como as infâncias estão sendo representadas nos documentos escolares.

(21)

Antes de prosseguir, e já finalizando este caminho introdutório, confirmo a relevância de uma retomada dos principais elementos constituintes desta dissertação, que tem como questão problematizadora investigar que representações

de infâncias são postas em evidência em PPPs de escolas públicas de educação infantil, situadas na região metropolitana de Porto Alegre/RS? O material empírico foi

constituído por quatro Projetos Político-Pedagógicos de escolas públicas de

Educação Infantil da região metropolitana de Porto Alegre. Com este enfoque meus

objetivos são: investigar como as infâncias estão sendo representadas nos PPPs e compreender que identidades infantis estão sendo incentivadas a serem produzidas.

(22)

2CAMINHOS INVESTIGATIVOS

Não há um porto seguro, onde possamos ancorar nossa perspectiva de análise, para, a partir dali, conhecer a realidade. (VEIGA NETO, 1996, p. 30 apud SARAIVA, 2009, p. 20)

No início do percurso investigativo me vi em meio a muitas possibilidades de investigar sobre as infâncias. Como tenho familiaridade com a educação institucionalizada, escolhi pesquisar sobre as representações de infância presentes nos documentos escolares.

Esta escolha se deu primeiramente ao observar que ainda não há muitas pesquisas que utilizam os documentos escolares como material empírico. Além disso, acredito que os documentos organizam as práticas no interior da escola, se desdobram em um fazer pedagógico que mobiliza estratégias, metodologias e interações que, de certo modo, comunicam a forma como a escola representa as infâncias.

2.1 Primeiros passos

Os primeiros passos no percurso metodológico representaram um desafio importante na construção dos caminhos investigativos. Conforme relatarei adiante, foi necessário mudar a rota, rever o percurso e afinar as escolhas metodológicas. Este processo não foi tranquilo, pois estava familiarizada, em pesquisas anteriores, a traçar caminhos metodológicos que pouco sofreram mudanças.

Para mim, a perspectiva teórica fundamentada pelo novo campo que conheci, – Estudos Culturais em Educação - representou esta etapa da pesquisa como um caminho investigativo elegendo alguns caminhos básicos de trabalho. Conforme a pesquisa avançava foi necessário mudar a direção e tomar novos caminhos.

A primeira direção consistiu em uma busca em sites de escolas, com o intuito de verificar a disponibilidade do material empírico que escolhi, os PPPs. Além disso pretendia observar o quanto seria viável pesquisar sobre infâncias através desses documentos. Num primeiro momento explorei o site de algumas escolas e percebi que havia disponibilidade de outros materiais interessantes para a análise. Essa decisão também foi reforçada quando me deparei com o primeiro desafio: a dificuldade de encontrar disponível na internet os Projetos Político-Pedagógico das

(23)

escolas. Percebi que seria necessária uma busca desse material físico, e não somente através da internet. A posição aberta e flexível à qual me referi anteriormente começou a fazer mais sentido em momentos como este, em que percebi que precisava mudar algumas direções.

Após a primeira aproximação com o material empírico, refletindo juntamente com a professora orientadora, alinhamos a primeira escolha quanto ao material que, naquele momento, entendemos que seria potente de ser analisado. Optamos, naquele momento, por investigar PPPs de diferentes escolas e outros materiais produzidos pelas mesmas (disponíveis na internet) que compõem um conjunto de elementos pedagógicos educativos, expressando as visões sobre educação, ensino, aprendizagem e infâncias. Sendo assim, pretendia analisar, além do PPP, material didático, lista de material escolar, regimento, agendas do aluno, portfólios, bilhetes e

site das escolas.

A aproximação inicial aos documentos encontrados na internet permitiu lançar um olhar sobre a importância de analisar os documentos escolares, pois as infâncias estavam ali, sendo narradas e representadas de formas diretas e indiretas, tanto em textos formais quanto em materiais que revelavam as escolhas pedagógicas.

A segunda direção consistiu em uma busca efetiva, a fim de reunir o material empírico. Naquele momento não me ative às questões regionais nem à categoria da escola como pública ou privada. Naquela ocasião eu entendia que esses dois aspectos não eram relevantes. Interessava-me pesquisar as narrativas e as representações sobre infâncias presentes nos documentos escolares, e utilizei como único critério a disponibilidade na internet.

Surpreendeu-me a dificuldade de encontrar PPPs para compor o material empírico. Conversando com algumas pessoas que trabalham em escolas e com familiares de alunos, a mesma dificuldade se confirmou. O PPP não é um documento de fácil acesso. Parece estar guardado a sete chaves, com acesso restrito a pessoas autorizadas, em geral vinculadas à gestão. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB, 1996) em vigor indica, em seu artigo 14º, a importância da gestão democrática quanto a elaboração do documento, contando com a participação da comunidade escolar, o que significa a participação de responsáveis, educadores/as, gestores/as e poder público. Se este documento deveria ser elaborado na perspectiva da gestão democrática, por que é tão difícil ter acesso a ele? Esta pergunta permanece suspensa e creio que não encontrarei uma

(24)

resposta definitiva para ela. Meu enfoque não é responder a esta pergunta, mas ela faz parte dos desafios investigativos com os quais me deparei.

No período de preparação do projeto de pesquisa, a primeira escolha quanto ao material empírico se configurou em pesquisar PPPs (Projeto Político-Pedagógico) e documentos escolares, como guia de atividades escolares, lista de material dos alunos, material didático, grade curricular e agenda de aluno.

Durante um semestre reuni alguns documentos escolares, e os organizei em conjunto de acordo com a instituição escolar. Denominei de Conjunto de Artefatos de Pesquisa (CAP). Os materiais referidos foram organizados em um quadro, que apresento em seguida.

Quadro1: organização do Conjunto de Artefatos de Pesquisa(CAP).

CAP Fonte Documentos encontrados

CAP 1 Ambiente virtual

PPP 2017

Lista de materiais do 1º ao 5º ano Regimento escolar

Grade curricular

CAP 2 Ambiente virtual PPP até 2022

CAP 3 Ambiente Virtual

PPP 2016 Regimento

Horários da Educação Infantil

CAP 4 Ambiente Virtual Material escolar de todo os anos

CAP 5 Ambiente Virtual Listas de materiais Guia escolar

CAP 6 Ambiente Virtual PPP 2012

CAP 7 Ambiente Virtual

PPP 2015

Componente curricular de música com conteúdos do 2° ao 5º ano

(25)

CAP 9 Ambiente Virtual PPP 2011

CAP 10 Familiares e educadores/as

Material didático Educação Infantil Agenda escolar 2015 e 2016 Portfólio CAP 11 Familiares e educadores/as PPP 2015 CAP 12 Familiares e educadores/as PPP marco referencial 2005 - 2010 Lista de Material Escolar

Regimento escolar

CAP 13 Ambiente Virtual

PPP 2016

Documento de orientação às famílias Folder de adaptação na Educação Infantil

Este quadro estava inserido no projeto de dissertação de mestrado apresentado às professoras que compuseram a banca examinadora que sugeriram reduzir o número de documentos para cinco CAPs.

2.2 Mudando rotas

Após a apresentação do projeto para a banca composta pelas professoras do programa, na ocasião da qualificação, que ocorreu em 13 de setembro de 2017, foi sugerido, além da redução dos CAPs, uma revisão tanto do material empírico quanto dos critérios de seleção dos mesmos. Após analisar as sugestões da banca, reconheci que o material empírico estava muito amplo, o que poderia dificultar o processo de análises. Além disso, havia somente um critério de seleção, ou seja, a disponibilidade do material na internet. A fim de construir um corpus com critérios claros e específicos e selecionar materiais para análise coerentes com o que me propus desde o início da trajetória da pesquisa, necessitei traçar novas rotas investigativas.

Neste ponto, com intuito de reorganizar o material empírico que já havia selecionado, debrucei-me em criar novos critérios de composição dos documentos. Decidi, nesse momento da pesquisa, que seria importante realizar anotações sobre as novas direções que optei por adotar. Nesse sentido, utilizei um diário virtual para anotar, registrar os próximos passos da pesquisa. Em geral os diários são utilizados para registro de observações realizadas em pesquisas etnográficas ou para registro de observação de fatos, comportamentos, lugares, etc. Porém, optei por utilizar um

(26)

diário, através do programa Word, para registrar cada passo da pesquisa daquele ponto em diante. O diário virtual foi um importante instrumento, pois nele anotei impressões, perspectivas, ideias e movimentos da pesquisa.

Utilizei o diário em cada momento que eu dedicava para procurar os PPPs, ler sobre os documentos, escrever sobre as minhas percepções, anotar o que foi possível realizar e o que não deu certo. Busquei imprimir minhas percepções diante das novas escolhas que seriam necessárias de serem adotadas, bem como a trajetória construída a partir de então, a qual nem sempre fui bem-sucedida. Em todos os momentos dedicados à escrita do trabalho, eu realizei o registro no diário virtual. Esse material ajudou-me a construir o caminho metodológico, os critérios para seleção do material empírico, o mapeamento dos documentos elegidos e a elaboração dos eixos analíticos.

Nesta dissertação não utilizarei excertos do diário, pois ele não foi o material empírico que utilizei. Porém, todas as novas direções adotadas após a revisão das sugestões da banca serão apresentadas ao longo do trabalho e foram elaboradas a partir dos escritos que construí, pouco a pouco, conforme realizava as anotações no diário virtual.

Após as orientações da banca e após diálogo com a professora orientadora, adotamos os seguintes critérios para seleção do material empírico:

 documentos: somente Projeto Político-Pedagógico;

 nível de ensino: escolas de Educação Infantil da rede pública;

delimitação geográfica: área urbana, Porto Alegre e/ou região metropolitana;  recorte temporal: PPPs elaborados nos últimos dez anos;

 quantidade de PPPs a serem analisados: no mínimo 4

É importante referir que a opção por escolher PPPs de instituições de Educação Infantil deu-se pelo fato de estes, certamente, referirem-se a crianças, já que é a etapa da Educação Básica que atende, exclusivamente, sujeitos de zero a seis anos. Caso optasse por eleger PPPs de instituições que atendem o Ensino Fundamental, poderia ocorrer de o documento não estar referindo-se exatamente a crianças, mas a jovens e adultos que também podem frequentar esta etapa de ensino.

(27)

Estabelecidos os critérios, realizei uma revisão dos materiais que eu já havia escolhido, segundo apresentado anteriormente no quadro 1. Nenhum PPP se encaixava na descrição dos critérios. A maioria das escolas ou não eram do Rio Grande do Sul ou faziam parte do sistema estadual de ensino, contemplando Ensino Fundamental e Médio.

Esta foi uma das vezes que, ao longo da pesquisa, percebi que o desafio seria maior do que planejado inicialmente. Diante desse novo fato, foi necessário realizar uma nova busca na internet, a fim de reorganizar os PPPs.

Realizei uma nova busca no Google Acadêmico. Encontrei vários PPPs, porém de outros Estados e a maioria erada rede estadual. Pesquisei no Google o título “projeto político-pedagógico de escolas de educação infantil em Porto Alegre”. Fui até a página 10. Encontrei apenas dois PPPs de escolas da rede privada. Também realizei uma extensa pesquisa entrando diretamente em blogs das escolas públicas de educação infantil, pesquisadas através do Google Maps e do site sindicreche. Nenhuma disponibilizava o documento. Também utilizei o título “projeto político-pedagógico” o que resultou em PPPs de escolas de outros Estados, em geral dos níveis finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Ao mudar o título para “projeto político-pedagógico da educação infantil” ou “... escolas de educação infantil de Porto Alegre” a pesquisa resultou em citações e livros sobre o assunto. Após alguns dias nessa nova busca, não consegui encontrar PPPs suficientes para comporem a pesquisa.

Claramente me vi diante da possibilidade de ter que mudar o material empírico. Certamente isso representou um momento de grande aflição, pois talvez fosse necessário mudar muitas direções da pesquisa. Neste ponto optei por buscar os documentos em outras fontes. Conversei com pessoas da área da educação infantil com o objetivo de conseguir os documentos fisicamente. Após esta nova direção, reuni quatro PPPs da região Metropolitana de Porto Alegre, os quais compõem o material empírico desta pesquisa.

Optei por detalhar o percurso metodológico, as mudanças de direção, as retomadas, as idas e vindas, pois este foi um dos aprendizados sobre pesquisa que levo em minha experiência acadêmica: não há certezas e direções que não possam ser reorganizadas. Minhas perspectivas mudaram significativamente desde a primeira organização de materiais, antes da qualificação do projeto, até o conjunto final de documentos escolhidos. Familiarizei-me com a abordagem de Saraiva

(28)

(2009) quando aponta para a importância de

Mostrar as idas e vindas, os borrões, os entulhos. Levantar a assepsia das análises bem acabadas, dos textos bem escritos, para mostrar a terra revirada, as mãos sujas de barro. As (des)organizações que vão surgindo ao longo do trabalho (SARAIVA, 2009, P. 22).

A escolha do material empírico representou, para mim, um pouco desse processo de “mostrar as mãos sujas de barro” da pesquisa, de que nos fala Saraiva (2009). Os momentos de incertezas e as rotas que precisei abandonar para adotar outras, se mostraram em vários momentos da pesquisa. Aos poucos fui compreendendo que, na perspectiva à qual estou vinculada, este processo seria parte do caminho investigativo.

Após o percurso descrito anteriormente, apresento a seguir os PPPs que compuseram o material empírico desta pesquisa. Optei por preservar o nome das instituições, por isso estarei nomeando os PPPs com a inicial “P” maiúscula, seguida dos numerais 1,2,3,4.

Quadro 2: material empírico utilizado na pesquisa

PPP Segmento Localização Elaboração Acesso

P1 Educação

Infantil São Leopoldo 2014 Material Físico

P2 Educação

Infantil Canoas 2014 Material Físico

P3 Educação

Infantil Canoas 2018 Material Físico

P4 Educação

Infantil Gravataí 2015 Material Físico

Escolhi produzir o material empírico desta pesquisa a partir dos PPPs (Projetos Político-Pedagógicos) em específico, primeiramente porque é previsto pela lei 9394 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 20 de dezembro de 1996, como o documento organizador de toda a prática escolar. O PPP é como um documento mestre nas escolas, está naturalizado e quase sempre é inquestionável. Sendo assim, quando pensamos em documentos escolares, esse é o documento de maior importância na escola atualmente.

(29)

elaborado pode demonstrar diferentes representações de infâncias e como estas são pensadas pelas pessoas que elaboram esse documento. O desenvolvimento humano, os processos educativos, o cenário interno e global, a avaliação, a relação da educação escolar com as necessidades do mercado de trabalho, a organização do currículo e outros aspectos, se relacionam diretamente com a produção das infâncias contemporâneas. Além disso, percebo a importância de analisar esse documento porque as práticas pedagógicas, a organização do espaço físico, as relações estabelecidas entre o sujeito "que sabe" (professor/a) e o "que não sabe” (aluno/a) são produzidas e reafirmadas através do PPP.

Mesmo que já tenha ficado evidente na descrição do material empírico, considero importante evidenciar que a metodologia que escolhi para investigar sobre como as infâncias estão sendo pensadas na escola foi a análise documental. A abordagem dos Estudos Culturais permite que as ferramentas conceituais sejam formadas ao longo do processo investigativo. Saraiva (2009) utilizou a análise documental em sua pesquisa de doutorado, então, escolhi aproximar meu olhar sobre o seu trabalho, com o propósito de buscar subsídios que me auxiliassem nas escolhas metodológicas.

2.3 Organizando os Documentos

Numa terceira direção investigativa, após definir o material empírico, seria necessário organizá-lo, a fim de construir o corpus da pesquisa. Utilizei um quadro (APÊNDICE A) para mapear os PPPs, na medida em que os estudava, e transcrevi excertos que tratavam sobre concepções de infância.

Após a transcrição dos excertos para o quadro, realizei uma segunda leitura, somente dos excertos eleitos, procurando recorrências e evidências sobre aspectos conceituais da infância. Desta forma, busquei, inspirada em algumas pesquisas que utilizaram documentos, assim como Marcello e Bujes (2011, p. 55-56), “capturar, na tessitura documental em questão, as regularidades, as recorrências, as nuances sobre os sentidos em torno dos sujeitos e dos conceitos que aí os constituem”.

Realizei marcações coloridas em grupos de assuntos recorrentes, que repetiam-se conforme eu lia os PPPs. Essas marcações permitiram visualizar algumas possibilidades de análise, tais como: infância protagonista; o brincar como inato e essencial à infância; emergência da naturalização de uma infância pura; a

(30)

infância permeada de cuidados; infâncias e afetividade; a infância diferente e os aspectos da inclusão.

O aprofundamento das leituras do campo teórico dos Estudos Culturais e dos referenciais utilizados na revisão de literatura forneceram importantes subsídios para criar dois eixos analíticos, que serão tratados em capítulo posterior.

Concentrar meus esforços investigativos no terreno da escola, utilizar as lentes teóricas dos Estudos Culturais de viés pós-estruturalista, permitiu-me sair do senso comum, desconstruir as frases prontas sobre educação e pensar de maneira crítica

Atualmente vejo-me envolvida aos pressupostos dos Estudos Culturais, o que tem me auxiliado a reorganizar minhas perspectivas. Minha busca investigativa não se organizou em descrever com precisão a infância, nem encontrar resposta para a pergunta: o que é a infância? Minha procura se deu no sentido de explorar como as infâncias contemporâneas estão sendo representadas, pensadas, construídas e (re)significadas.

(31)

3SITUANDO OS CAMPOS TEÓRICOS

Se desejarmos pensar em Estudos Culturais em Educação na América Latina, isso implica, mais uma vez, refletirmos sobre os entendimentos compartilhados acerca desse campo ou desse movimento que cruza fronteiras, inaugura formas diferentes de pensar sobre quase tudo que acreditávamos resolvido, e não se quer estável, definitivo, certo, demarcado, aprisionado em territórios geográficos, disciplinares, teóricos ou temáticos. (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 54)

Após ter construído, mesmo que provisoriamente, o lugar no mapa investigativo que representa os primeiros passos da pesquisa, cabe agora apresentar os próximos passos. Conforme ia conhecendo e aprofundando os estudos sobre o campo teórico à qual estava vinculada, fui construindo novos olhares acerca do que já sabia sobre a escola, a infância e os atravessamentos da cultura nessas e em outras instâncias da vida social. Um novo lugar de investigação estava sendo construído e criado. É neste ponto em que apresento as perspectivas teóricas deste trabalho, bem como as ferramentas conceituais que utilizei para pensar sobre as infâncias contemporâneas.

3.1 Perspectivas teóricas

Conforme já havia indicado anteriormente, situo este trabalho na perspectiva dos Estudos Culturais de viés pós-estruturalista. Cabe conceituar essas áreas que tomo como referências, pois o olhar analítico sobre os PPPs foi constituído a partir desse referencial.

O campo teórico dos Estudos Culturais emergiu no cenário pós-guerra, na Inglaterra do século XX, em um movimento de cunho intelectual e político. O mote central de estudo promovido pelos pesquisadores da área concentrava esforços em problematizar a cultura, provocando mudanças na concepção até então aceita. Nas palavras de Costa, Silveira e Sommer (2003, p. 37)

Os Estudos Culturais (EC) vão surgir em meio às movimentações de certos grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentais, de ferramentas conceituais, de saberes que emergem de suas leituras do mundo, repudiando aqueles que se interpõem, ao longo dos séculos, aos anseios por uma cultura pautada por oportunidades democráticas, assentada na educação de livre acesso.

(32)

Para este campo teórico, a cultura está presente nas ações cotidianas, nas escolhas, na forma de ver e entender a realidade, na construção de sentido sobre valores sociais, enfim, em cada instância da vida social e individual. Corroborando com os estudos de Stuart Hall (1997)2, Costa (2000, p.5) explica

Como a cultura investe, hoje, em cada recanto da vida social, não podendo mais ser concebida com o sentido estrito de acumulação de saberes ou de processo estético, intelectual e espiritual (...). Ela não é um componente subordinado, ela é eminentemente interpelativa, constitutiva das nossas formas de ser, de viver, de compreender e de explicar o mundo.

Há uma ruptura em relação ao conceito de cultura que circula pelo senso comum. Ela pode ser entendida como um conjunto de regras e valores acumulados e transmitidos entre as gerações. Pode ser conceituada, ainda, como alta cultura, ou seja, música, literatura, artes e uma série de comportamentos acessíveis à classe alta. Para os Estudos Culturais tais entendimentos são tensionados e colocados em xeque. Grossberg, Nelson e Treichler (2011) esclarecem que cultura é – para o referido campo teórico - um conceito complexo e é compreendida como tudo que envolve a vida cotidiana, comportamentos simbólicos, arranjos sociais que resultam em como, através da linguagem, as pessoas estabelecem, constroem, organizam, escolhem modos de ser e viver. Destacam, ainda, que este é um processo complexo, que demanda negociações que envolvem “articulação, conjuntura, hegemonia, ideologia(GROSSBERG, NELSON E TREICHLER, 2011, p. 29).

Desta forma, não se pode mais conceber cultura como um campo isolado do resto da vida cotidiana. Além disso, é através da cultura que compreendemos e explicamos os modelos teóricos do nosso mundo, como define Hall (1997a), e é por meio dela que as sociedades estabelecem o que é permitido e o que é negado, o que é aceitável e o que é repelido. Para o autor a cultura, na sociedade da modernidade tardia, ganha um olhar focal. Utiliza o termo “centralidade da cultura” para evidenciar como ela penetra em cada instância da vida cotidiana, produzindo e mediando tudo em cada recanto da vida social.

Destaco, ainda, que os Estudos Culturais possuem um caráter híbrido e multifacetado, sendo permeável sua vinculação com a área da Educação. A

2

HALL, Stuart. A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Educação & Realidade, v. 22, n.2, jul./dez., 1997.

(33)

educação articula-se com variados espaços sociais e nas mais variadas tramas das relações sociais. É possível reconhecer que a escola não é o único lugar privilegiado de construção de aprendizagens. A escola é uma entre tantas esferas da vida que, envolvida pelas relações culturais, desenvolve processos educativos. Apesar de reconhecer que os Estudos Culturais e os estudos sobre Educação possuem trajetórias convergentes, conforme nos mostram Wortmann, Costa e Silveira (2015, p. 34), a articulação entre ambos permite o estudo de “diferenciadas temáticas, bem como múltiplas ações educativas passaram a permitir que se lide com uma gama ampliada de instituições, práticas, artefatos e produções”.

Ao referirem-se à educação institucionalizada, as autoras abordam, ainda, que a articulação entre educação e os Estudos Culturais permite que esta primeira não fique limitada às fronteiras das diretrizes pedagógicas, dos planejamentos e do ato de ensinar, mas que possibilite a abertura de estudos que contemplem práticas, artefatos e produções que envolvem a cultura nos processos educativos. (WORTMANN, COSTA, SILVEIRA, 2015)

Pretendo valer-me das concepções trabalhadas através dos Estudos Culturais em articulação com a educação para analisar meu objeto investigativo – projetos político-pedagógicos – não para indicar as verdades ou evidenciar os equívocos, mas para problematizar as condições que levaram a construção das representações sobre infâncias nesse documento. Ao adotar o aporte teórico dos Estudos Culturais e sua articulação com a educação, pretendo investigar como artefatos, saberes e práticas estão sendo naturalizados nos documentos escolares, seja pelo embasamento legal ao qual respondem, seja pelo uso frequente desses documentos em práticas que são aparentemente inquestionáveis.

É valendo-me desse olhar que suspeito que o PPP exerce um papel fundamental como artefato cultural – conforme descreverei em capítulo posterior - que, ao descrever e projetar as infâncias, viabiliza condições para que ela seja criada na vertente cultural. Os saberes escolares que são forjados nos documentos escolares nos indicam como os sujeitos infantis estão sendo narrados, pensados e produzidos.

Pretendo, portanto, utilizar os Estudos Culturais em educação como um instrumento teórico para repensar a naturalização sobre infância que está sendo produzida através dos documentos escolares. Os sentidos atribuídos à infância, em geral, são fixados por conceitos pedagógicos quase inquestionáveis que

(34)

representam essa infância de forma engessada e natural.

Proponho-me a desfamiliarizar o olhar fixo com que tratamos as infâncias nos documentos escolares, especificamente nos PPPs, deslocando e ampliando a compreensão sobre os significados que estes documentos produzem. A esse respeito Wortmann, Costa e Silveira (2015) destacam que os Estudos Culturais inauguram uma possibilidade de compreender a pedagogia como prática cultural, conforme nomeou Henry Giroux em 1994, uma vez que realiza operações construtivas, moldam sujeitos e fabricam saberes.

Além da perspectiva teórica mencionada anteriormente, também me vali das ferramentas fornecidas pela vertente do pós-estruturalismo. Este foi o nome que se convencionou para explicar um movimento filosófico que iniciou na década de 1960, para marcar posições de divergência sobre o que as ciências exatas e os valores morais haviam estabelecido (WILLIAMS, 2013). As vertentes estruturalistas tendem a fixar conceitos como verdades absolutas. Ao contrário disto, Williams (2013) explica que para o pós-estruturalismo as verdades construídas não são estáveis, imutáveis e com fronteiras bem definidas. Em um sentido mais amplo, o pós-estruturalismo “põe em questão o papel das formas tradicionais de conhecer, no estabelecimento de definições” (WILLIAMS, 2013, p. 15).

O argumento pós-estruturalista compreende que a linguagem é o meio pelo qual atribuímos sentido ao mundo e a nós mesmos. A linguagem sofre um deslocamento significativo, pois, em uma perspectiva estruturalista, estaria a serviço de traduzir em palavras as coisas como elas verdadeiramente são. Sob a ótica pós-estruturalista, a linguagem é central na forma como os indivíduos organizam suas relações na sociedade.

Meyer (2000) argumenta que no processo de atribuir sentido às práticas sociais, as oposições binárias são criadas e descritas por teorias estruturalistas como homem/mulher, branco/negro, adulto/criança. Há sempre um lado ou um termo dominante que funciona como padrão de referência, sustentado pelo funcionamento do lado oposto que é a negação (por exemplo: homem/mulher, branco/negro, heterossexual/homossexual). O polo dominante, ao reconhecer sua oposição e negação no outro, torna-se naturalizado, essencializado e fixo. Essas posições são construídas e legitimadas na cultura através da linguagem.

(35)

3.2 Ferramentas conceituais

Avançando em relação ao cenário até aqui exposto, apresento em seguida as ferramentas conceituais com as quais busquei organizar o meu olhar investigativo, a fim de criar um caminho teórico para compreender as possíveis representações de infâncias contemporâneas acionadas/propagadas nos PPPs. Escolhi conceituar, nesta seção, identidade e representação, deixando o conceito de infância para um capítulo posterior, pois considero que se faça necessária uma construção conceitual, dada a complexidade das discussões que vêm sendo empreendidas em torno do termo infâncias.

Inicialmente trago algumas reflexões, – mesmo que breves – sobre algumas mudanças ocorridas nas sociedades contemporâneas ocidentais, uma vez que tais mudanças vêm possibilitado novas formas de pensar o sujeito e sua vida em sociedade. É relevante fazer essas reflexões destas mudanças, pois os conceitos de identidade e representação, – com os quais irei pensar as infâncias contemporâneas – a partir de reconfigurações sociais, passam a ser discutidos sob novos olhares.

As sociedades ocidentais do fim do século XX vêm produzindo mudanças estruturais, promovendo diversas rupturas na forma como os sujeitos organizam a vida em sociedade. Uma dessas mudanças aparece nas discussões de Woodward, (2008) que menciona a globalização como um fenômeno que abala as antigas estruturas das comunidades nacionais. Segundo a autora, “a globalização envolve uma interação entre fatores econômicos e culturais, causando mudanças nos padrões de produção e consumo, as quais, por sua vez, produzem identidades novas e globalizadas.” (WOODWARD, 2008, p. 20)

Transformações como a globalização caracterizam uma fase mais recente da pós-modernidade, permitindo convergências de culturas e estilos, fragmentando o que, na sociedade moderna, era estável e natural. Observa-se um abalo nos sentidos até então fixos sobre classe, gênero, nacionalidade, etnia, sexualidade e identidade. Se, na sociedade moderna, os indivíduos caracterizavam-se por sólidas e unificadas formas de identidade, a pós-modernidade inaugura a ruptura das noções fixas e essencialistas sobre o sujeito social. (HALL, 2006)

As primeiras considerações desta seção apontam para o primeiro conceito que me proponho a discutir, identidade. No constructo teórico dos Estudos Culturais, a concepção abordada é de que há múltiplas identidades, sejam elas sociais ou

Referências

Documentos relacionados

De seguida, vamos adaptar a nossa demonstrac¸ ˜ao da f ´ormula de M ¨untz, partindo de outras transformadas aritm ´eticas diferentes da transformada de M ¨obius, para dedu-

Equipamentos de emergência imediatamente acessíveis, com instruções de utilização. Assegurar-se que os lava- olhos e os chuveiros de segurança estejam próximos ao local de

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

Na primeira década da existência do Estado de Minas Gerais, a legislação educacional mineira estabeleceu o perfil de professor estadual, imputando como formação

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se A espectrofotometria é uma técnica quantitativa e qualitativa, a qual se baseia no fato de que uma

Figura 8 – Isocurvas com valores da Iluminância média para o período da manhã na fachada sudoeste, a primeira para a simulação com brise horizontal e a segunda sem brise