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Um corpo em movimento, uma infância que brinca: o lúdico na educação infantil

6.1 A reiteração de uma infância dotada de essência

6.1.2 Um corpo em movimento, uma infância que brinca: o lúdico na educação infantil

Nesta seção, problematizo representações que vinculam o brinquedo e o brincar às características “essenciais” de uma infância dita “natural”. Nos PPPs analisados, há evidências de uma preocupação em organizar toda a atividade pedagógica nas escolas de Educação Infantil, voltadas para um ambiente lúdico, que envolva brinquedos e brincadeiras.

Há algumas décadas, o brinquedo e suas práticas, através do brincar e do lúdico, têm sido amplamente difundidos por meio das mídias, como a televisão, o cinema, o teatro, os livros, e novos significados têm sido a eles atribuídos, a partir de sua circulação nesses meios. Neste estudo, examino o brinquedo como um artefato cultural, cujos atributos são constituídos culturalmente, nas práticas sociais e de consumo.

de suas narrativas, representações de um aprendizado prazeroso e significativo, devendo ser promovido a partir de ações pedagógicas que envolvem o brincar. O corpo infantil está em pleno desenvolvimento. A criança é representada como um sujeito ativo, que demanda brincadeiras, jogos e atividades lúdicas para aprender com prazer, manter-se ativa, viver feliz. Nesse sentido, a ludicidade e o brincar são narrados nos PPPs como elementos fundamentais, primordiais do cotidiano da Educação Infantil, conforme destaco a seguir:

Mais do que uma atividade a ser realizada no âmbito da educação, o brincar passa a ser uma das linhas mestra no cotidiano da Educação Infantil. Pelas brincadeiras se constroem vínculos, aprende-se a linguagem humana, além de passar a gostar de si próprio, ao manter relações com o outro. (P4, p. 13)

Trabalhamos com a criança de forma global, desenvolvendo as áreas afetivas, cognitivas, psicomotoras, através de estímulos adequados, valorizando sempre suas produções e oportunizando experiências ricas e desafiadoras, onde brincar é prioridade! (P3, p. 7)

Os campos de experiências devem priorizar o brincar e os direitos de aprendizagem, a brincadeira é uma das formas que a criança utiliza para se expressar através do corpo e é através delas que o currículo acontece na E.M.E.I. (P1, p. 26)

Desta forma, promover jogos e brincadeiras que envolvam aprendizagens educativas, na perspectiva dos PPPs, estariam em conformidade com as necessidades dos infantis, que brincam “por natureza”. Longe de considerar que brincar não é importante para as crianças, o que busco problematizar é que a partir da relação “brincar e crianças”, posta em circulação através dos PPPs como algo “naturalmente” dado, percebe-se a propagação de uma

Representação de [...] infância bela e encantadora, vivida por meninos e meninas repletos de capacidade inventiva, acompanhada por brincadeiras e cheia de possibilidades que lhes oportunizam entrar em um mundo de fantasia e imaginação (SEVERO, 2018, p. 76).

É importante tecer algumas considerações sobre o brincar e o brinquedo e sua relação com a natureza infantil, uma vez que nos PPPs vemos estabelecida uma relação direta entre aprender e brincar. Na atualidade os brinquedos são produzidos em larga escala e comercializados, de maneira que seu público é constituído primordialmente por crianças. Desta forma, é comum, na atualidade, associarmos o brinquedo à infância. Porém, em outros tempos e espaços, esta

relação nem sempre se estabeleceu desta forma.

Em 2017 Farias realizou uma pesquisa sobre lojas de brinquedos, problematizando o que elas nos dizem sobre as infâncias do nosso tempo. A autora dedicou parte de sua pesquisa a entender como o brinquedo foi sendo constituído, ao longo do tempo, como objeto destinado para as crianças. Trago as considerações desta autora, pois a perspectiva que estou pondo em evidência é o caráter cultural do brinquedo (e também do brincar), enquanto artefato produzido, e as formas de significação do objeto e suas práticas, na constituição das infâncias contemporâneas.

Farias (2017) destaca que na Antiguidade alguns objetos que emitiam sons e balançavam, como chocalhos e guizos, eram entregues às crianças recém-nascidas como amuletos para afastar o “mau-olhado”. Os brinquedos foram criados pelos adultos que, em determinada época e em determinado lugar, atribuíam-lhe características distintas, como o misticismo e até mesmo o entretenimento dos próprios adultos.

Somente a partir do século XVI é que o brinquedo começa, gradualmente, a ganhar um caráter pedagógico, com funcionalidades úteis para uma boa educação. Entre XVIII e XIX há registros em livros e escritos que remetem ao brinquedo e ao brincar uma função educativa. Esse foi um período de grande enfoque pedagógico atribuído aos brinquedos. A partir do século XX o brinquedo e suas funções (divertir e educar), tomam uma nova configuração, difundindo-se pela produção industrial e inserido em um contexto que convoca, muitas vezes, ao consumo(FARIAS, 2017).

Já no século XXI alguns brinquedos foram tecnologizados. A preferência por brinquedos movidos por controle remoto, celulares, vídeo games e robôs ganham visibilidade, constituindo o desejo das infâncias desse tempo, conforme sublinha Momo (2014). Nesse sentido, os PPPs analisados silenciam esse processo de tecnologização das infâncias contemporâneas.

As contribuições de Farias (2017) e Momo (2014) tornam-se importantes na medida em que demonstram o caráter inventado da relação “brincar e crianças”, contrariando – de certa forma – o caráter quase que natural que essa relação é representada nos PPPs.

Muito provavelmente em função disso, é quenas proposições contidas nos PPPS o brincar ganha centralidade, como é possível perceber nos excertos que seguem:

O brincar é a peça “central” da aprendizagem de nossos alunos, sendo assim, a proposta pedagógica desta instituição proporciona o direito ao brincar livre nos espaços da escola, a (re) construção de espaços temáticos e ricos para o brincar simbólico e também os momentos de brincadeiras dirigidas. (P1, p. 23)

Objetivos do brincar:

expressando emoções, sentimentos, pensamentos e necessidades a partir de diferentes estímulos, buscando o conhecimento e amadurecimento cognitivo, emocional e afetivo, através da observação, experimentação, construção e comparação. (P4, p. 3 do plano de atividades)

Conforme o destaque retirado do PPP número 1, o brincar é considerado fundamental, sendo classificado como brincar livre, brincar simbólico, brincar de forma dirigida. Em todas as formas de brincar, o objetivo principal é o desenvolvimento das crianças. No PPP número 4, este objetivo destacado é apresentado como o primeiro objetivo para todos os níveis da Educação Infantil. O brincar seria o “meio natural” a partir do qual a criança se desenvolveria. Dornelles (2005, p. 11) afirma que alguns entendimentos acerca da infância

Estão de forma tão naturalizados em todos nós, educadores e educadoras, pais, mães de crianças pequenas, que somos impedidos de pensar problematizando os discursos que a produzem desse modo.

Entretanto, retomando o que foi problematizado anteriormente, o brinquedo e o brincar nem sempre estiveram associados à infância. Walkerdine (1995) argumenta que, até o início da modernidade, o brincar não era visto como uma prática propriamente infantil, uma vez que praticamente não havia a separação entre adultos e crianças. Grupos de diferentes faixas etárias brincavam. Essa relação (brincar e crianças) é reforçada uma vez que o uso do brincar como recurso pedagógico, ganha força nas instituições criadas para dar conta de educar e proteger as crianças (WALKERDINE, 1995).

Concordo com Farias (2017) quando ressalta que o adulto, ao inventar o brinquedo, atribuía a ele funções, dando-lhe sentido de acordo com os seus interesses. De acordo com a perspectiva da autora, convergindo com as discussões que venho tecendo, o brinquedo é um suporte de representações, pois “a própria forma desse artefato representa algo, traz em sua materialidade elementos que se referem a algo, há nele alguma semelhança ou indicação de relação com alguma

coisa.” (FARIAS, 2017, p. 48)

Posso afirmar que o objeto brinquedo e as práticas do brincar trazem consigo uma historicidade, estão relacionados, em certa medida, ao contexto cultural em que estão inseridos. A importância atribuída ao artefato brinquedo passa por processos de significação, transformando-o de um simples objeto para um material mágico, encantador, estimulante para a imaginação e a criatividade das crianças.

Evidencio, em seguida, trechos onde o brincar está relacionado ao lúdico e à fantasia, articulados à ideia de que brincar significa prazer para a criança e que esta é a forma mais adequada de promover aprendizados em todas as áreas, afetivas, emocionais, cognitivas e motoras.

É no brincar que as crianças interagem entre a fantasia e o mundo real. Através do lúdico que a criança constrói suas aprendizagens, conhecimentos, estruturando-se física e emocionalmente como sujeitos; por isso o brincar deve fazer parte do cotidiano de forma prazerosa e dinâmica. O ambiente deve ser favorável a este ato pedagógico, tendo também espaço e materiais apropriados, tornando-se assim uma atividade atrativa, para que as aprendizagens sejam construídas de forma saudável. (P2, p. 19)

Segundo Brandão (2001, p. 141) “Neste contexto a educação infantil é tomada como um espaço que envolve gente, criatividade, relações sociais, construção do conhecimento e de que deve ser acima de tudo, lúdico.” Todo esse processo pode ser resumido na sala de aula, de forma prazerosa, em que a levam a aprender brincando. (P3, p. 9)

Com o brincar a criança descobre o mundo e também externaliza as suas vivências. (...) A criança através do brincar se apropria do seu entorno (imaginário e real). O brincar, enquanto atividade, precisa estar presente no cotidiano da escola infantil. (P4, p. 13)

A partir desses trechos, observa-se a reiteração de uma representação de criança fortemente ligada ao entendimento de que a infância é uma etapa da vida peculiar, intimamente vinculada à ludicidade e ao brincar. Além disso, magia, encantamento, bem como o distanciamento de mazelas, de desprazeres e de obrigações atrelam-se a essa representação. Resumidamente, é possível afirmar que os PPPs propagam uma representação de criança como um ser “brincante, que espontaneamente elabora fantasias e dispõe de criação imaginativa” (SEVERO, 2018, p. 76).

Em aproximação à perspectiva cultural e histórica, destaco que o brinquedo está inserido em um sistema de representações, cujos significados atribuídos a ele constituem-no como tal, pois suporta as funcionalidades a ele atribuídas pela sociedade em cada tempo e lugar. Para que o brinquedo exista, é preciso que as

pessoas deem sentido a ele (FARIAS, 2017).

De acordo com as considerações tecidas, afirmo que o brinquedo e o brincar são objetos e práticas constituídos pela cultura. A materialidade dos objetos com os quais convivemos, neste caso o brinquedo, por si mesma não o define. São as representações, os sentidos atribuídos a esses elementos, que regulam as suas finalidades. A forma como o narramos, como lhe conferimos importância e a quem o designamos criam o brinquedo como algo necessário para a infância. Ele é compreendido, na perspectiva teórica à qual articulo este trabalho, como um constructo social e cultural, que contribui para reforçar certas representações que poderão forjar as identidades infantis contemporâneas.

Apresento outra importante referência teórica para problematizar o brinquedo e o brincar na Educação Infantil. Trata-se das proposições de Bujes (2000), que realiza um ensaio sobre brinquedo, brincar e jogo e seus efeitos para a construção das identidades infantis. Segundo a autora, o brinquedo, e as práticas lúdicas de brincar, são culturais porque fazem parte de uma rede de práticas da nossa cultura, associando-se a certos lugares, em determinados tempos, sendo representados de diferentes maneiras em diferentes linguagens. O objeto brinquedo só adquire significado a partir do sentido que a ele é atribuído através da cultura.

Para analisar os PPPs e como eles estão representando as infâncias a partir do brinquedo e do brincar, busquei referência nas proposições de Bujes (2000), pois a autora reflete sobre os efeitos que as práticas da família e da escola, associadas ao brinquedo e ao brincar, reverberam na constituição das crianças pequenas. A autora busca entender como o jogo/brinquedo está implicado na constituição dos processos identitários do sujeito infantil. Além disso, problematiza as afirmações da psicologia que vem representando um importante fundamento explicativo para as práticas de jogar e brincar, assumidos como verdades que se tornam hegemônicas.

Bujes (2000) realizou um estudo sobre a íntima relação entre criança e brinquedo, atribuída e facilmente aceita na sociedade contemporânea. Para a autora, brincar e jogar têm sido enfoque de inúmeras pesquisas, formulações de teorias, que objetivam aprisionar o seu significado.

Vale destacar a concepção de sujeito infantil adotada por Bujes, que tomo como referencial importante neste trabalho, a fim de problematizar as representações de infâncias contemporâneas, postas em evidência através da ludicidade. A autora considera que o sujeito infantil

É constituído nas práticas culturais de significação em que se articulam, simultaneamente, cultura, economia e política, e mesmo o conhecimento que me conduz a ver o sujeito infantil desta forma, é o produto de uma construção histórica e culturalmente contingente (BUJES, 2000, p. 206)

O brincar tem sido amplamente considerado como uma ação “natural” da criança, algo que faz parte de sua essência infantil. Atribui-se, comumente, este fazer da criança como algo prazeroso, espontâneo, desprovido de interesses e, principalmente, um meio para o aprendizado. O PPP número 1 reifica esta afirmativa ao destacar que é preciso

Preservar a essência da infância e todas as suas vivências, descobertas e singularidades, utilizando o brincar como principal mediador da aprendizagem; baseando-se na educação de valores e cidadania. (P1, p.13)

Teorias modernas, como a psicologia do desenvolvimento, criaram entendimentos que atribuem à infância necessidades voltadas ao lúdico. Em decorrência disso, esse período vem sendo compreendido com a idade do domínio do lúdico. Conforme explica Bujes (2000, p. 208)

O brinquedo e o brincar teriam sua importância determinada pelo fato de que seriam inerentes à ‘natureza infantil’, natureza esta concebida inicialmente, nestas teorias, como de ordem biológica e, mais recentemente, como de caráter social.

Tais teorias investem em categorizar os sujeitos em fases do desenvolvimento e, da mesma forma, categorizar os brinquedos e brincadeiras, indicando etapas e modalidades, associando os brinquedos aos estágios do desenvolvimento cognitivo infantil.

Associado ao brincar, o brinquedo passa a ser um objeto que precisa ser esquadrinhado pela ciência, cujas funções associam-se às etapas da infância, tendo sido utilizados nas escolas na promoção de jogos e brincadeiras. Ao pedagogizar o brinquedo/brincadeira, as escolas de educação infantil suscitam formas de aprender, ensinam comportamentos, e contribuem para a produção das identidades infantis. A esse respeito apresento um trecho retirado do PPP número 2 o qual afirma que:

O brincar na educação infantil é, para a criança, uma forma de descobrir o mundo, desenvolver capacidades como atenção, criatividade e imaginação, organizar emoções e iniciar os primeiros relacionamentos no meio de convivência.

Portanto, é necessário que o brincar, coordenado pelo adulto, seja uma constante no processo educativo, para que crianças de diferentes idades, brincando juntas, desenvolvam- se e aprendam. (P2, p. 14)

Os processos de significação são operados de maneira ativa na escola, uma vez que estas instituições promovem experiências envolvendo a ludicidade, contribuindo para a produção de sentido ao acionarem o “fazer brincando”, atuando ativamente na produção das identidades dos sujeitos envolvidos com essas práticas. Nesse ponto considero importante evidenciar a relação entre representação e identidade, que, conforme destaca Bujes (apud Silva, 1997),reverberam na produção de significados na sociedade. Por meio da representação, instituem-se jogos de significados, negociações que forjam identidades, resultado de relações que não são harmônicas nem desprovidas de poder (BUJES, 2000).

A partir das perspectivas do pensamento pedagógico moderno, brinquedos e brincadeiras na escola de educação infantil são formas de suprir demandas “naturais” desse período, por isso a relevância em articular as escolhas curriculares a um fazer permeado pelo lúdico. Além disso, jogos e brinquedos estariam associados a práticas com efeitos positivos, aparecendo como meio possível de aquisição da autonomia e do desenvolvimento cognitivo.

O ato de brincar deve constituir-se na metodologia, por excelência, não apenas para forja de conceitos8 sócio-históricos, mas para todo trabalho com Educação Infantil. A brincadeira é uma atividade social relevante, vinculada ao desenvolvimento dos conceitos essenciais da área (tempo-espaço-grupo), pois “no brinquedo a criança cria uma situação imaginária”. (VIGOTSKY, 1999, p. 123), capaz de vinculá-la afetiva e praticamente às estruturas sociais, espaciais e temporais do mundo real. (P2, p. 14)

Os trechos retirados dos PPPs e apresentados nesta seção, reificam o pensamento hegemônico sobre a infância como etapa em desenvolvimento que necessita do brincar para se desenvolver.

A ludicidade é amplamente narrada como parte do fazer pedagógica da educação infantil. No Brasil, na metade do século XX, os jardins de infância começam a se disseminar, primeiramente com o atendimento às crianças filhos/as de comerciantes, funcionários públicos e militares. Nesse contexto, crescia e se

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disseminava o pensamento de que a educação infantil seria um meio de oferecer melhores condições de aprendizagem, e quanto mais cedo, melhores seriam essas oportunidades. A infância estava, aqui, sendo constituída como uma etapa que demandava intervenção constante, para fazer “desabrochar as condições naturais de cada criança.” (BUJES, 2000, p. 219)

É possível indicar, apoiada na perspectiva problematizadora proposta por Bujes (2000), que os significados atribuídos aos brinquedos e ao brincar, reverberam efeitos que imprimem sentidos, tornando naturalizado o fazer lúdico como uma demanda essencial da infância. Nesta direção, Severo (2018, p. 81) argumenta que a infância ainda é vista como um período vivenciado por “uma criança que é meiga, virtuosa, preservada dos sofrimentos, livre de privações e que ocupa seu tempo somente com brincadeiras, situações divertidas e experiências prazerosas”.

O que pretendo demonstrar nas discussões propostas pelos Estudos Culturais e pela vertente de cunho pós-estruturalista, é o caráter precário e transitório dos significados que atribuímos ao criarmos sentidos incontestáveis sobre as coisas (tal como sobre o que é “a” infância ou sobre o que/como são as crianças). Conforme destaca Bujes (2000), as concepções sobre infâncias, as teorias sobre desenvolvimento infantil e o sentido designado ao brinquedo/brincar, estão sendo reafirmados pela perspectiva das teorizações modernas, como se fossem elementos atemporais, válidos para todas as culturas, em todos os espaços geográficos, que assumem o poder de falar sobre o que é ser criança e como viver o período da infância.

Vale destacar que a Psicologia do Desenvolvimento e a emergência do ideário científico do final do século XIX, tiveram um papel significativo ao consolidarem os significados de uma infância natural, que é lúdica e brinca por “essência”. No ato do brincar, o corpo e o movimento se tornam fundamentais. Assim, a criança que brinca é a criança que se movimenta e é ativa. Essa é mais uma forma possível de representar as infâncias, atribuindo sentido ao ato de brincar, como indico nos recortes do PPP número 4.

O desenvolvimento, a aprendizagem e a construção do conhecimento devem levar em conta o movimento. A criança descobre, entende, compreende e elabora o mundo e as coisas ao seu redor através do corpo. Segundo a ordem filogenética da humanidade, nós aprendemos primeiramente a nos movimentarmos, situar-nos no ambiente e explorá-lo. A partir daí, desenvolve-se a linguagem na interação com o meio. Assim, a fala nasce através das interações do movimento humano. (P4, p. 12)

Muitas pesquisas vêm mostrando que o desenvolvimento saudável das crianças está ligado às questões de movimento. (...) Wallon ressalta que a motricidade e a percepção do eu corporal são indissociáveis e necessárias ao desenvolvimento do eu psíquico. (P4, p. 12)

Vale ressaltar, ainda, que compreender a criança como alguém que naturalmente brinca, se movimenta e deve se manter ativa, constitui uma forma possível, entre tantas outras, de produzir sujeitos, nesse caso o sujeito infantil, o diferenciando do adulto.

A categoria infância, assim como as proposições a ela relacionadas, são criações muito recentes, são invenções modernas. A esse respeito Bujes (2000, p. 227) conclui que

Os brinquedos, enquanto elementos da vida social que se configuram com determinados sentidos para as crianças, oferecem oportunidades para que elas percebam a si e aos outros como sujeitos que fazem parte do mundo social, e acabam por se constituir em estratégias através das quais os diferentes grupos sociais usam a representação para fixar a sua identidade.

Estudos de Meira (2003) trazem reflexões acerca das infâncias contemporâneas constituídas através do brincar e dos espaços sociais para elas criados. A autora analisa o lugar ocupado pela cultura do brincar, apresentando as infâncias contemporâneas constituídas na arte circense, nas cantigas, nas brincadeiras infantis praticadas no Brasil. O destaque que proponho a partir do trabalho da autora, é sobre um eixo de contribuições importantes sobre o brincar, ao referenciar Walter Benjamin, filósofo e sociólogo alemão, que cunhou suas premissas entre o final do século XIX e início do XX. O autor propõe uma historicização sobre o brinquedo, analisando uma crescente massificação deste artefato, inscrevendo-o em um processo de homogeneização. Para Meira (2003, p. 28), articulada aos estudos de Benjamin, “os brinquedos evocam as formações do social, são objetos que revelam em sua configuração os traços da cultura em que se inscrevem”.

Ao longo do percurso histórico proposto por Benjamin, Meira (2003) vai demonstrando como as práticas do brincar vão narrando infâncias diferentes. É o caso da massificação de brinquedos tecnológicos, por exemplo. Como ocorre com