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3.4 ORIGENS DO CULTO DO PARÁCLITO

3.4.2 Festas dos Tabuleiros de Tomar

No ano de 2015 pude acompanhar uma das maiores festas dedicadas ao Espírito Santo em Portugal, que ocorre no Concelho de Tomar, constituído por 40. 677 habitantes (INE, 2011). Tomar localiza-se na Província do Ribatejo, a 135 km de Lisboa. Tais festas são denominadas de Festas dos Tabuleiros de Tomar e ocorrem com um interstício de quatro anos.

No período de Pentecostes, cinquenta dias após a Páscoa, durante quase duas semanas, diversos rituais são acionados, entre eles, o Cortejo das Coroas, rito que anuncia o início da Festa dos Tabuleiros. Outro desfile da festa é o Cortejo dos

Mordomos o qual simboliza que o Bodo e a Pezâ57 estão garantidos à população. O ápice da festa do Paráclito dá-se no Desfile ou Procissão dos Tabuleiros, em um número variável de tabuleiros conduzidos por raparigas, em que estão representando todas às dezesseis freguesias do Conselho58. No ano de 2015 havia mais de 600 tabuleiros e no ano de 2019 este número chegou a 748 tabuleiros, representando as Freguesias do Concelho de Tomar.

Os tabuleiros são peças ornamentadas com flores de papel, verduras e espigas de trigo. Cada estrutura é constituída por 30 pães de formato especial e 400 gramas cada, inseridos equitativamente em 5 ou 6 canas. As canas partem de um cesto de vime envolvido em pano bordado e são presas, no topo, por uma coroa. Sobre a coroa é posta a Cruz de Cristo ou Pomba do Espírito Santo. O tabuleiro deve ter a altura da rapariga que o carrega.

O historiador Dr. Manuel Guimarães descreve com sensibilidade o cortejo em que as raparigas transportam os Tabuleiros:

As raparigas, figuras principais, desfilam em duas longas filas ao lado dos seus ajudantes (os rapazes) que seguem do lado de dentro, mas sempre atentos às companheiras. Dirigem-se à Praça da República onde o Cortejo enrola harmoniosamente até preencher sem sobressalto a placa central. Um representante da Igreja vem à Praça, paramentado, dar a benção aos Tabuleiros. Depois, a um sinal do sino, é a elevação, um momento inesquecível. Uma moldura humana impressionante aplaude comovida a este momento mágico, único, pela sua grandiosidade, simbolismo e beleza, único na nossa arte e na nossa cultura. (REVISTA FESTA DOS TABULEREIROS, 2011, p. 38).

Convém ressaltar que o vestido das raparigas em cor branco imaculado, simbolizando a pureza da Virgem Maria. A presença dos tons vermelhos representam as cores do Espírito Santo, e, por conseguinte, as cores a Ordem de Cristo.

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Os Bodos do Espírito Santo - refeição sagrada - instituídos pela Rainha Santa Isabel que, em Tomar, com a passagem dos anos, designam-se Pêza e é o último ato de cada Festa dos Tabuleiros. Acontece no dia a seguir ao Cortejo dos Tabuleiros - segunda-feira - e seguindo a tradição em uma forma de agradecimento a Deus, conta da partilha do pão, da carne e do vinho aos mais necessitados. Disponível em < http://www.tabuleiros.org/historial/p_3/> Acesso em 21 de abril de 2015.

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O conselho de Tomar é dividido em 16 freguesias, sendo que as mais populosas são a freguesia de Santa Maria dos Olivais e a freguesia de São João Baptista. Disponível em <http://www.cm- tomar.pt/index.php/pt/concelho> Acesso em 21 de abril de 2015.

Figura 39 - Cortejo dos Tabuleiros. Tomar, Julho de 2015.

Fonte: Foto da autora.

O Cortejo dos Tabuleiros adquiriu tamanha importância que deu nome à festa do Espírito Santo de Tomar. A significação da mulher na Festa dos Tabuleiros de Tomar representa, por um lado, a preservação de uma tradição e, por outro, manutenção da vertente de uma “promessa” ao Divino Espírito Santo, materializada pela oferenda do Tabuleiro e pelo próprio transporte processional. Conforme o trecho a seguir:

Apesar de a Festa, com o evoluir dos tempos se ter ido laicizando, o espírito religioso perdura por detrás de cada oferenda, de cada promessa do povo da nossa terra, ao Espírito Santo, matriz indiscutível da própria Festa. Por outro lado não existirá uma necessária teologia do Espírito Santo, senão forem mulheres a fazê-lo. Não é por causal sorte que os tabuleiros venham a ser transportados por moças que são as portadoras da Vida. Ao fim e ao cabo é a ligação entre o Espírito e a Mulher. (ROSA, 2011, p. 52).

As origens de tais festas remetem aos Celtas, ao culto pagão aos cerais, a deusa Ceres, aos períodos das colheitas e da celebração da fartura. Posteriormente, os romanos se instalaram no entreposto rodoviário e comercial denominado de Sellium (Século I a V), atual Tomar. A fertilidade de suas terras fez com que os romanos decidissem adotar as festividades e as oferendas pagãs. Mulher e Terra estão sempre intimamente ligadas. “No Ventre da Mulher, como nas entranhas da Terra, está a Vida.” (GRANADA, 2011, p. 34).

Figura 40 - No Cortejo dos Tabuleiros, as raparigas desfilam as margens do rio Nabão. Tomar, Julho de 2015.

Figura 41 - A condução do tabuleiro de pães e flores pelas mulheres.

Tomar, Julho de 2015.

Fonte: Foto da autora.

Assim, reafirmamos mais um elemento do catolicismo popular: a intensa participação das mulheres, diferentemente do que se constitui na religião institucionalizada, que concede a primazia à participação masculina.

Um elemento de integração comunitária dá-se pela decoração das ruas que recebem o cortejo. Todas são adornadas com flores de papel colorido produzidas em mutirões comunitários, por alunos das escolas e por moradores da localidade. Durante seis meses, aproximadamente, a população reúne-se para fazer os adornos. Há relatos de moradores locais afirmando que, neste período, “não há nem depressão nem monotonia na cidade”, pois “um espírito de cooperação e alegria paira em Tomar.”

Figura 42 - Ruas adornadas à espera da Festa dos Tabuleiros.

Fonte: Foto da autora

Figura 43 - Decoração do símbolo do Espírito Santo e da Cruz Templária.

No decorrer dos festejos, a população mantém pendentes às janelas colchas vermelhas e imagens alusivas ao Espírito Santo.

Figura 44 - Procissão das Coroas e dos Pendões do Espírito Santo.

Fonte: Foto da autora.

A Festa dos Tabuleiros é considerada um dos maiores eventos religiosos do país. A população tomarense, de cerca de 40 mil habitantes, recebe na semana dos festejos, aproximadamente, 500 mil visitantes. Como citado anteriormente, a origem do evento depara-se com as festas de colheitas à deusa Ceres, segundo a página oficial do evento, na internet59. Os organizadores da festa atribuem a sua cristianização à Rainha Santa Isabel, que lançou as bases do que seria a congregação do Espírito Santo de solidariedade cristã, que, em muitos lugares do reino, absorveu as primitivas festas pagãs. O Vigário Geral de Tomar fala sobre as mudanças que ele vem empreendendo, em entrevista realizada em julho de 2015.

Nós aqui em Tomar queremos redescobrir o Espírito Santo numa festa que, na medida em que o tempo foi passando foi-se laicizando e tornou-se mais profana do que sacra. Eu estou aqui há quase cinco anos e na minha primeira festa que foi há quatro anos achei que, de fato, está pobre demais. Muito

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folclore, muita música, muita flor, ah, mas pouca vivência. Quer dizer, fica faltando o espiritual. E quatro anos depois eu disse bom, eu tenho que dar um contributo para que a festa não seja só isso, não seja só aquilo que aparece, mas que seja algo mais. [...] Tomar tem mulheres fortes. Conseguem aguentar um tabuleiro de cerca de vinte quilos mesmo com a força do vento. Ora, se isso é aquilo que se retira num artigo de jornal acerca desta festa, então não é nada. Quer dizer, nós não temos nada. E a festa se acaba sem nada. Ontem um jornalista perguntava: mas então padre, a festa acabou. Gostou? Se a festa acabou então eu não gostei. Porque fato: o que acabou foi o folclore. Agora, durante estes quatro anos, aquilo que tem que subseguir é o Espírito Santo. Porque se nós não formos capazes de imprimir o Espírito Santo nestas festas, então significa que estas festas não vão ter muita duração. Por quê? Porque o folclore vai acabar por cansar. E eu reparei também que tem muita gente que vem do Norte e do Sul com expectativas que depois saem defraudadas. Porque depois da missa aparece sempre muita gente a pedir informações sobre o Espírito Santo. Mas onde é que está o Espírito Santo? (Entrevista concedida por DUARTE, Padre Mario, 2015).

As expressões do trecho acima demonstram as preocupações do clérigo sobre o sentido espiritual das Festas dos Tabuleiros, observado por ele no ano de 2015. De fato, a festa religiosa popular mistura-se aos coloridos dos tabuleiros, ao compasso da marcha das raparigas, ao clima lúdico dos jogos populares, estes últimos são adaptações de trabalhos da gente rural, como a corrida de burros, a luta de tração, a corrida de carroças, a subida em mastros, o corte de troncos a machado.

Em meio a todo este clima recreativo, as procissões alusivas ao Culto do Paráclito e recebem um elemento de inovação com Cortejos dos Rapazes ou o Cortejo das Crianças, que desde 1991 incorporam-se aos demais desfiles da festa.

Figura 45 - Cortejo das Crianças na Praça da República. Tomar, de 2015.

Acrescenta-se que, no ano de 2019, houve outra inovação em tais festas, levando-se em conta que elas ocorrem desde 1844, em Tomar, pela primeira vez na história das festas dos tabuleiros uma mulher foi escolhida como Mordoma da festa, a Senhora Maria João da Graça Lima Moraes, a qual sucedeu ao Senhor João Victal. Desde o ano de 1995, Maria João estava ligada às Comissões do Cortejo das Festas dos Tabuleiros. No ano de 1999, Maria João entrou para a Comissão Central da Festa. Na cerimônia de votação da escolha do novo Mordomo (a) para o ano de 2019, o resultado foi unânime à indicação do nome da Senhora Maria João.

Figura 46 - Mordoma da Festa dos Tabuleiros no Cortejo das Coroas de 2019.

Fonte: Mediotejo.net.

Figura 47 - Maria João Morais, a nova Mordoma das Festas dos Tabuleiros de 2019.

Em entrevista ao jornal eletrônico Mediotejo.net, a Mordoma dá um depoimento emocionado:

Festa dos Tabuleiros – é a Festa do Espírito Santo, a Festa da partilha, a nossa tradição, a nossa essência, o nosso passado, mas também o nosso presente e o nosso futuro. É a força e a união de um povo na defesa do seu património, dos seus valores, honrando todos os que, ao longo de tantos anos, a dignificaram e projetaram a nível nacional e internacional. É um orgulho fazer parte deste povo de garra e brio. (MEDIOTEJO.NET, dez, 2018).

Ela considera que a sua escolha pelo povo tomarense foi uma missão que se fez pela responsabilidade da realização da Festa dos Tabuleiros de 2019. A Mordoma expressa, ainda, que seu dever está determinado para que a “tradição se cumpra com dignidade” e, consequentemente, para a realização dos valores do povo tomarense.

Neste sentido, reflete-se acerca do pensamento de Joas:

As tradições como tais, afirmo eu, não produzem nada. Decisivo é o modo de sua apropriação pelos atores contemporâneos nas condições específicas em que vivem e no campo de tensão de práticas, valores, e instituições em que se encontram. (JOAS, 2012, p. 201-2).

Nas palavras de ambos, observa-se que as inovações das tradições são reinterpretadas à luz das novas reflexões sobre o mundo em que estamos vivendo. Assim é o catolicismo popular, está em constante reinterpretação de suas práticas pela população de fiéis os quais produzem as inovações para que o patrimônio do passado permaneça fazendo sentido para as comunidades do presente.