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Neste capítulo busco entender a presença do catolicismo popular português e sua importância como fenômeno religioso no espaço público das sociedades modernas. Além de tratar das origens dos cultos aqui estudados, procurou-se demonstrar as reinterpretações e as inovações dessas práticas, de acordo com as dinâmicas sociais contemporâneas. Todavia, vimos casos de dificuldades de mobilização comunitária para que estas festas perdurem. Nesse contexto, as inovações fazem-se necessárias para que os papéis e práticas sociais tenham sentido na atualidade.

No capítulo 2 desta tese traz-se uma análise de Toldy (2013) sobre a secularização em Portugal, a qual a teóloga alia-se à ideia de Steffen Dix (2010), de que “Portugal é modernamente uma país ao mesmo tempo secularizado, religioso e católico”.

Toldy (2013, p. 54-5) questiona se, de fato, em Portugal pode-se falar em secularização, apontando dois caminhos de análise: o da inutilidade do conceito de secularização (que pretende cobrir toda a realidade do papel da religião no espaço público) e o do reconhecimento da existência de modernidades múltiplas, as quais a ideia de religião e de modernização não são necessariamente antagônicas.

É nesta direção que a tese que aqui defendemos se ampara no fato de que Portugal por ser ao mesmo tempo “religioso, secularizado e católico” (DIX, 2010;

TOLDY, 2013), pode ser caracterizado com elementos de uma sociedade postsecular (HABERMAS, 2007, 2008, 2013).

Assim, demonstraram-se casos de veneração à RSI, à NSF e ao ES, os quais refletem a presença da religião no espaço público da sociedade portuguesa, mediante ao que podemos chamar de um catolicismo de cariz popular, associado a vinculação dessas comunidades a uma santa católica, à Terceira Pessoa da Santíssima Trindade e à figura de Nossa Senhora.

Neste contexto de análise, demonstro que os sentimentos que ligam os grupos sociais aos seus exemplares são capazes de mobilizar nos fieis à vivência do ritual (celebração coletiva do culto religioso), em momentos que podemos denominar de extraordinários.

Destaco aqui que a presença da religião no espaço público reflete a solidariedade cívica entre os cidadãos do Estado de direito democrático, o qual valoriza da coexistência entre seus cidadãos crentes e não crentes. É neste cenário que defendo que Portugal possui características de uma sociedade postsecular.

Para seguir esta argumentação demonstro, no próximo capítulo, uma sensibilidade às trajetórias das mulheres e da religião católica ao longo da história portuguesa, e sua interligação. Proponho apresentar a memória de uma mulher exemplar e outras mulheres de seu tempo, como uma forma de refletir sobre a força dos exemplares que ultrapassam os tempos e são capazes de influenciar grupos sociais na sociedade contemporânea.

4 MEMÓRIAS DE D. ISABEL DE ARAGÃO E OUTRAS MULHERES

Busco na tarefa de reconstruir memórias de mulheres Medievais uma forma de compreender seus modos vida, o pensamento vigente da sociedade da época, as estratégias de manutenção e gerencia de seus bens e de sua liberdade. Tal exercício de reelaboração do passado propõe-se a analisar como essas senhoras construíram os seus ideais e empenharam-se em pô-los em prática. Diante da sociedade androcêntrica do Baixo Medievo e Idade Moderna apresento exemplos de mulheres que empreenderam estratégias de resistência ao domínio patriarcal ao longo dos séculos.

Nessa reconstrução de memórias analiso narrativas literárias e testamentais, ou mesmo, documentos que registraram os seus discursos proferidos em cerimônias públicas. O conhecimento de tais trajetórias possibilita olhar de forma crítica a situação da mulher na sociedade atual e inspirar à luta pela igualdade de gênero no contexto contemporâneo.

Ainda que este capítulo se dedique as memórias de mulheres ao longo do Baixo Medievo e Idade Moderna, a protagonista desta tese é a senhora D. Isabel. Tratarei no capítulo 5 as memórias da infanta aragonesa, rainha consorte de Portugal, personagem multifacetada, figura lendária, santa católica. Como vimos anteriormente, as práticas dos rituais que atravessam os séculos, mostram-se capazes de revivificar a sua memória na sociedade portuguesa contemporânea. Segundo a historiadora Maria Filomena Andrade:

À hora da morte, Isabel tem uma vida repleta e plenamente vivida no compromisso de uma rainha que governa o seu povo porque intercede por ele na guerra e protege-o da fome e das misérias, em tempo de paz. Esquecer todas estas dimensões reduzindo-a de uma ‘boa mulher’ é pobre e injusto para com aquela que, sendo canonizada pelas suas virtudes é, sem dúvida, exemplo de uma excelente governante como rainha consorte de Portugal (ANDRADE, 2015, p.272).

Ao defender similar concepção a de Andrade (2015), a qual sustenta que D. Isabel foi muito além de uma caridosa rainha de seu tempo, proponho nesta tese analisar os reflexos de sua exemplaridade, para além de sua figura de santa construída por hagiógrafos e cronistas.

Mas antes de trabalhar com a categoria sociológica da exemplaridade (capítulo 6) dedico-me a entender os modos de pensar e de agir da cristandade feminina no Baixo Medievo, nomeadamente, o grupamento de mulheres da aristocracia portuguesa, que

detinham consideráveis riquezas provenientes de sua condição social. Questiono de que maneira, tais mulheres passaram a viver sob a influência de uma moral franciscana. E, de igual modo, apesar de possuírem um reduzido campo de atuação, na maioria das vezes, limitado ao âmbito doméstico, condição refletida nos papéis de mães, esposas, irmãs e viúvas, ainda assim, foram importantes estrategistas diplomáticas, empreendedoras e deixaram as suas marcas na história.

As questões, supracitadas, serão tratadas ao longo deste capítulo com o intuito de analisar sociologicamente de que forma as condições históricas daquelas mulheres impactaram na possibilidade de se pensar em tipificação de algumas atitudes e comportamentos femininos. À vista disso, paralelamente à proposta de investigar a mulher e a religião cristã, no contexto Medieval, apresento algumas tipificações elaboradas para esta tese, as quais se utilizam como instrumento de apreciação.