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FESTIVAIS: ENTRE ROTAS E ONDAS

4.3 FESTIVAIS DE VIOLEIROS

Alguns, como Ramalho (2000) e Ayala (1988) apontam diferenças entre campeonato, congresso e festival e é preciso, inicialmente, que se mostre em que aspectos essas produções diferem para que adiante se possa visualizar com mais clareza as mudanças

que vão acontecendo e que formatos vão sendo privilegiados. Embora haja em menor número, vale ressaltar a existência dos encontros, que possuem a mesma formatação dos congressos.

Para descrever o modelo que corresponde aos campeonatos, surgem aqui informações dadas pela União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo (UMES) que, em parceria com a União dos Cantadores Repentistas e Apologistas do Nordeste (UCRAN), organizou a primeira e a segunda edições do Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas, realizado em São Paulo, em 1997 e 1999, respectivamente, além do 1º Campeonato Paulista de Poetas Repentistas, realizado de outubro a dezembro de 1997.

O 2o Campeonato Brasileiro de Poetas Repentistas teve 19 etapas; oito pré- eliminatórias, duas semifinais e a final realizada no dia 19 de dezembro. O campeonato, que contou com a participação de 80 cantadores, foi vencido por Raimundo Caetano. Em segundo, terceiro e quarto lugares ficaram Edmilson Ferreira, Raimundo Nonato e Nonato Costa. Além dos quatro semifinalistas: Oliveira de Panelas, Ismael Pereira, Chico de Assis e Rogério Menezes. A exemplo dos campeonatos anteriores, realizados pela UMES e a UCRAN, o critério utilizado foi o da disputa individual, como nos tradicionais desafios de pé-de-parede, formato que garante a autenticidade do improviso e dá mais colorido e emoção aos espetáculos. (UMES, 2012) Quanto ao congresso, este formato pode ser descrito conforme o testemunho de Bráulio Tavares, admirador da arte da cantoria e um dos organizadores dos congressos que aconteceram em Campina Grande nos anos 1970:

[…] acho que eram três eliminat rias. Quinta, sexta, sábado e no domingo tinha a final. Então, na quinta cantavam cinco ou seis duplas e se classificavam duas. Na sexta e no sábado mesma coisa, então, duas, duas e duas. Essas seis duplas classificadas faziam a noite final concorrendo a três prêmios, geralmente, porque cada ano tinha (…). Quando você tinha mais grana, mais verba, aumentava o número de prêmios e tal. (2012, p. 09) O festival, por sua vez, atualmente adota formatações muito variadas. As descrições apresentadas indicam que o campeonato consistia em um processo mais longo, podendo durar meses, com um número maior de eliminatórias, enquanto o congresso desenvolve-se em torno de três ou quatro dias. Já o festival destaca-se como um evento que, prioritariamente, acontece em apenas um dia. Ainda que se possam ser encontradas produções que se desenrolem em dois ou três dias, como é o caso do Festival de Violeiros Norte/Nordeste, que acontece em Teresina, ou o Festival Nacional de Viola e Poesia, que acontece em Juazeiro do Norte, não há etapas eliminatórias e, sim, apresentações, que serão avaliadas a fim de se definir os vencedores. Nos formatos adotados pelos campeonatos e pelos

congressos, a grande final ocupava um lugar de destaque, haja vista a expectativa que se criava em torno do evento, pois, a cada dia havia resultados parciais e, por fim, havia a apresentação das três melhores duplas, que disputavam a primeira, a segunda e a terceira colocação. O destaque nos campeonatos realizados em São Paulo é que a disputa se dava de modo individual e não por duplas, imprimindo ao evento uma dinâmica diferente das demais competições realizadas à época.

Com o passar do tempo, a incidência de campeonatos diminuiu consideravelmente, enquanto os formatos congresso e festival passaram a ser utilizados como sinônimos. José Alves Sobrinho,63 e também Bráulio Tavares, envolvidos diretamente na realização de festivais em Campina Grande, a partir dos anos 1974, referem-se aos eventos como congressos, embora fique claro que a estrutura correspondia ao que hoje se denomina festival. Entretanto, alguns estudiosos afirmam que congressos eram eventos cuja pauta estava voltada para discussões de classe, de modo que a apresentação dos cantadores fazia parte da programação, mas não parecia ser o que justificava a realização dos referidos eventos.

Nesse sentido, o cantador Ivanildo Vila Nova diz que “A gente s chama de congresso quando passa a ter mais de uma noite. Se são duas noites de pontos corridos, três noites com eliminat rias, aí é um congresso. Uma noite s é um festival”. (2013, p. 09). Oliveira de Panelas, por sua vez, afirma: “É uma coisa s : congressos e festivais, desafio, campeonato. É tudo sinônimo para nós, é a mesma coisa. É e não é, né? Congresso é uma coisa (…). Mas para n s “Vamos congressar, o campeonato X, o desafio tal (2012, p. 15)”. O que se pode inferir é que a nomenclatura está atrelada à estrutura e que o formato campeonato foi extinto em função de sua proposta, que propunha uma disputa mais individual, mantendo características do desafio, enquanto a lógica predominante dos demais eventos primava pela parceria, aspecto constituinte da tradição poética improvisada.

Atualmente, predominam eventos denominados congresso ou festival, cujo uso passou a ser imperativo a partir dos anos 70, firmando-se como manifestação representativa da área. Os nomes dados costumam ser: Festival de Violeiros, Festival de Violeiros e Repentistas, Festival de Trovadores e Repentistas, Festival de Cantadores, Festival de Poetas Repentistas, Festival de Poetas, Violeiros e Repentistas, dentre outros, cuja variedade indica a diversidade de artistas que podem partilhar o mesmo espaço. A referência a violeiros, repentistas, trovadores e cantadores indica que a viola sempre figura como o instrumento de destaque, mas há diferenças no modo como cada um se vale do verso cantado. O trovador

63Repentista paraibano da geração mais antiga, em entrevista publicada na Revue Plural Pluriel, n. 10, cedida em

indica uma referência à prática medievalista francesa do troubadour, facilmente confundido com o jongleur ou com o ménestrel. Embora ambos vivam do labor poético, é preciso apontar algumas diferenças entre eles:

[...] o troubadour era o autor, o compositor, o jongleur, ele executava aquilo que outro “encontrava”. É o jongleur joglar, jogador que se aplica à imagem estereotipada de um artista itinerante e sempre atarefado; quanto ao

ménestrel (nessa ordem a palavra apareceu no Norte da França), é um jongleur que possui uma função estável, atrelada ao serviço desempenhado

para uma corte ou para um senhor64. (MARROU, 1971, p. 09)

Responsáveis pela introdução de uma nova concepção de amor, os trovadores tiveram notabilidade durante os séculos XII e XIII; a partir daí, entraram em decadência. Os maiores representantes vinham do Sul da França e adotavam a langue d’Oc como dialeto literário, chamada de limousin pelos catalães e provençal pelos italianos, enquanto os próprios poetas a denominavam romana a fim de diferenciá-la do latim (MARROU, 1971, p. 67). Esta era utilizada com adequações de modo a corresponder às necessidades rítmicas poéticas, ampliando o repertório de rimas, de modo que as pesquisas apontam a existência de 1001 fórmulas utilizadas para rimas e 1422 fórmulas silábicas, revelando a ampla criatividade poética dos trovadores, capazes, como Pierre de Corbiac, de criar 840 versos com a mesma rima.

Além de poetas, os trovadores eram também músicos, haja vista que sua arte se dá de modo híbrido, a partir do entrecruzamento de música e palavra, pois “[…] essa poesia é “lírica”, no sentido pleno da palavra: feita para ser cantada, com acompanhamento de instrumentos e não apenas para ser escrita, impressa, lida, no máximo recitada […]”65

(MARROU, 1971, p. 79). Seguindo a linha concernente aos demais gêneros da poesia oral, as trovas precisavam ser veiculadas mediante uma performance que dava corporeidade ao texto a partir da voz, conforme o conceito de Zumthor (1990, p. 48): “A performance é a materialização (“a concretização”, dizem os alemães) de uma mensagem poética por meio da voz humana e do que lhe acompanha, o gesto ou mesmo a totalidade dos movimentos

64[…] le troubadour étant l’auteur, le compositeur, le jongleur,lui, exécute ce que l’autre a trouvé . C’est au

jongleur joglar, joglador que s’appliquerait le moins mal l’image stéréotypée d’un artiste itinérant et souvent besogneux; quant au ménestrel (dans cet ordre d’idées, le mot appartient en propre à la France du Nord), c’est un jongleur porvu d’un office de caractère stable, attaché au service, ministerium, d’une cour ou d’un seigneur.

65[…] cette poésie est “lyrique”, au sens plénier du mot: faite pour être chantée, avec accompagnment

corporais”66

. No universo da cantoria de improviso são denominados trovadores aqueles que declamam cordéis, apresentam canções e recitam poemas e demais textos populares. Entretanto, há um outro segmento também denominado cantoria, no Nordeste, embora não improvisada, do qual participam artistas como Elomar Figueira Mello, Xangai, Geraldo Azevedo e Décio Marques que se autodenominam trovadores e requerem filiação direta dos bardos franceses em função do estilo lítero-musical que seguem.67

O violeiro se faz notar por sua relação estreita com a viola e ocupa um espaço específico no contexto musical brasileiro, destacando-se por cantar versos que ressaltem o amor pela natureza, por sua estreita relação com as coisas da terra. O repentista é aquele que também porta a viola como grande parceira, mas sobressai-se por produzir versos improvisados no momento em que se apresenta, fazendo coincidir os processos de produção e recepção no tempo e no espaço. Embora nem todo violeiro seja repentista, todo repentista é violeiro, de modo que os termos podem e são utilizados como sinônimos e, como tal, serão adotados ao longo desse texto. Além disso, o termo cantador também surge como uma referência aos que portam a viola para cantar determinadas temáticas, no que se diferenciaria do termo cantor, alcunha para se referir de modo generalista aos que se dispõem a cantar. A ideia implícita na formação vocabular, que se trata de dois exemplos de derivação por sufixação, atribui ao sufixo -or um caráter, nesse caso, digamos mais erudito, enquanto o sufixo -ador está destinado a um conceito mais popular. Compreendendo que, nos casos em que dois sufixos, ambos ligados a um mesmo verbo a fim de desempenhar uma função, quer seja substantiva ou adjetiva, coexistem e garantem seu espaço mediante as escolhas feitas pelos falantes conforme objetivos muito específicos, a opção por utilizar um ou outro leva em conta princípios mais subjetivos que objetivos, haja vista que, socialmente, um deles costuma ser associado a um processo criativo menos complexo, o que não corresponde às produções em questão. Mas, independente de suas relações com a trova e/ou com a viola, os três termos quais sejam violeiro, repentista e cantador − serão utilizados para se referir aos poetas improvisadores.

Inicialmente, propondo-se a promover eventos cujo alcance seria mais local, muitos eventos agregam o nome da cidade ou do Estado ao título dado (Congresso de Cantadores de Recife; Festival de Violeiros e Repentistas da Bahia; Festival de Violeiros de

66La performance, c’est la matérialisation (la “concrétisation”, disent les Allemands) d’un message poétique par

le moyen de la voix humaine et de ce qui l’accompagne, le geste ou même la totalité des mouvements corporels

67Para informações mais detalhadas, ver o trabalho de Eduardo Cavalcanti Bastos acerca da relação entre os

Serrinha; Festival de Violeiros e Repentistas de Conceição do Coité), a região onde ele se realiza (Festival de Violeiros do Nordeste; Festival de Violeiros Norte-Nordeste) ou a sua abrangência (Festival Nacional de Violeiros; Festival Internacional de Trovadores e Repentistas). Os títulos escolhidos fazem referência ao alcance da proposta e dos artistas envolvidos. A partir das chamadas, o público cria suas expectativas e já sabe se haverá apenas representantes locais ou se terá a oportunidade de ver poetas de longe que vêm para agregar valor a cada realização, conforme informações constantes no material de divulgação, como os exemplos abaixo:

Figura 19 XXXVIII Festival de Violeiros do Norte e Nordeste