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Fibrado Tangente e Cotangente

No documento Tensores e o Teorema de Stokes (páginas 56-62)

Nesta se¸c˜ao introduzimos o fibrado tangente de uma variedade. Usaremos tal objeto para definir campos de vetores em variedades, no¸c˜ao que mais `a frente gene- ralizaremos para campos de tensores, e o fibrado cotangente, que nos fornece uma maneira de interpretar a diferencial de fun¸c˜oes de variedades em R como um campo de covetores.

A constru¸c˜ao ´e feita para variedades suaves sem bordo. Para as variedades suaves com bordo, no entanto, as defini¸c˜oes s˜ao as mesmas, todos os resultados continuam valendo e tˆem demonstra¸c˜oes an´alogas `as dadas.

Defini¸c˜ao 2.6.1. Seja M uma variedade suave sem bordo. Definimos o fibrado tangente de M como a uni˜ao disjunta

T M = G

p∈M

TpM.

Denotaremos um elemento de T M por (p, X), com p ∈ M e X ∈ TpM .

H´a uma proje¸c˜ao natural π : T M → M dada por π(p, X) = p. Cometeremos o pequeno abuso de identificar TpM com a imagem da inje¸c˜ao canˆonica X → (p, X).

Proposi¸c˜ao 2.6.2. Seja M uma variedade suave de dimens˜ao n sem bordo. O fibrado tangente T M admite uma topologia e uma estrutura suave natural com as quais T M ´e uma variedade suave de dimens˜ao 2n sem bordo. Al´em disso, com tal estrutura π : T M → M ´e suave.

Demonstra¸c˜ao: Dada (U, ϕ) uma carta de M , sejam (x1, . . . , xn) as fun¸c˜oes das

coordenadas de ϕ, ou seja, para todo p, ϕ(p) = (x1(p), . . . , xn(p)). Defina ϕ :e π−1(U ) → R2n por e ϕ   n X i=1 vi ∂ ∂xi p  = (x1(p), . . . , xn(p), v1, . . . , vn).

Temos im(ϕ) = ϕ(U ) × Re n, que ´e um aberto de R2n. Al´em disso, ϕ : πe −1(U ) → ϕ(U ) × Rn ´e uma bije¸c˜ao, com inversa

e ϕ−1(x1, . . . , xn, v1, . . . , vn) =   n X i=1 vi ∂ ∂xi ϕ−1(x)  .

Sejam (U, ϕ) e (V, ψ) cartas de coordenadas de M e sejam (π−1(U ),ϕ) ee (π−1(V ), eψ) as cartas correspondentes em T M . Ent˜ao os conjuntos

e

ϕ(π−1(U ) ∩ π−1(V )) = ϕ(U ∩ V ) × Rn, e

ψ(π−1(U ) ∩ π−1(V )) = ψ(U ∩ V ) × Rn s˜ao ambos abertos de R2n, e a mudan¸ca de carta eψ ◦

e

ϕ−1 : ϕ(U ∩ V ) × Rn

ψ(U ∩ V ) × Rn pode ser escrita como e ψ◦ϕe−1(x1, . . . , xn, v1, . . . , vn) = xe1(x), . . . ,xen(x), n X j=1 ∂xe1 ∂xj(x)v j, . . . , n X j=1 ∂exn ∂xj(x)v j ! , onde (xe1, . . . e

xn) s˜ao as fun¸c˜oes das coordenadas de ψ. Vˆe-se, com isso, que eψ ◦

e ϕ−1 ´e suave.

Tomando uma cobertura enumer´avel {Ui} de M onde cada Ui´e dom´ınio de uma

carta, obtemos uma cobertura enumer´avel {π−1(Ui)} de T M onde cada π−1(Ui)

´e dom´ınio de uma carta satisfazendo as condi¸c˜oes de (1) a (4) do Lema 2.2.10. Verifiquemos a condi¸c˜ao (5).

Note que quaisquer dois pontos (p, X), (p, Y ) pertencem `a um mesmo dom´ınio W alguma carta de M , enquanto que se (p, X), (q, Y ) ∈ T M s˜ao tais que p 6= q, existir˜ao U e V dom´ınios de cartas de M tais que p ∈ U , q ∈ V e U ∩ V = ∅. Os conjuntos π−1(U ) e π−1(V ) ser˜ao, portanto abertos disjuntos contendo (p, X) e (p, Y ), respectivamente.

Por fim, π ´e suave pois sua representa¸c˜ao em coordenadas com rela¸c˜ao `a cartas (U, ϕ) de M e (π−1(U ),ϕ) de T M ´e e π(x, v) = x. 

Chamaremos (xi, v

i) de coordenadas-padr˜ao de T M com rela¸c˜ao `a (xi). O fibrado

tangente nos permite definir um campo de vetores em M como uma se¸c˜ao de T M . Defini¸c˜ao 2.6.3. Uma se¸c˜ao de T M ´e uma se¸c˜ao da proje¸c˜ao π : T M → M , isto ´e, uma fun¸c˜ao cont´ınua Y : M → T M que, a cada p ∈ M associa Y (p) = Yp ∈ T M

e que satisfaz

π ◦ Y = idM

Uma se¸c˜ao de T M ´e suave se Y : M → T M ´e suave. Assim, definimos:

Defini¸c˜ao 2.6.4. Seja M uma variedade suave sem bordo. Uma se¸c˜ao de T M ´e chamada de campo de vetores em M . Um campo suave de vetores em M ´e uma se¸c˜ao suave de T M .

Intuitivamente, pensamos num campo de vetores em M como setas fixadas a cada ponto de M .

Se Y : M → T M ´e um campo de vetores em M e (U, (xi)) ´e uma carta de M ,

podemos escrever o valor de Y em cada ponto p ∈ U como Yp = X i Yi(p) ∂ ∂xi p .

Ficam, assim, definidas n fun¸c˜oes Yi : U → R, que s˜ao chamadas fun¸c˜oes compo-

nentes de Y.

Lema 2.6.5. Seja M uma variedade suave sem bordo, Y : M → T M um campo de vetores, e (U, (xi)) ´e uma carta de M . Ent˜ao Y ´e suave se, e somente se, as fun¸c˜oes componentes Yi com rela¸c˜ao a (U, (xi)) s˜ao suaves.

Demonstra¸c˜ao: Seja (xi, vi) as coordenadas-padr˜ao em π−1(U ) ⊂ T M associadas `

a carta (U, (xi)). A representa¸c˜ao de Y em coordenadas em U ´e, ent˜ao,

b

Y (x) = (xi, . . . , xn, Y1(x), . . . , Yn(x)),

onde Yi ´e a i-´esima fun¸c˜ao componente de Y . O resultado segue da igualdade. 

Exemplo 2.6.6. Se (U, (xi)) ´e uma carta de M ,

p 7−→ ∂ ∂xi p

define um campo de vetores suaves em U , chamado de campo de vetores da i-´esima coordenada e denotado por ∂/∂xi.

Em vista do exemplo acima, dada M uma variedade suave de dimens˜ao n e (xi)

coordenadas locais de U ⊂ M , temos n fun¸c˜oes ∂

∂x1, . . . ,

∂ ∂xn

que chamaremos de campos de vetores de coordenadas.

Os referenciais locais, que definiremos a seguir, nos ser˜ao ´uteis quando formos definir orienta¸c˜oes em variedades, mais `a frente.

Uma se¸c˜ao local de T M em U ⊂ M aberto ´e uma se¸c˜ao η da proje¸c˜ao π : T M → U . Em outras palavras, um campo de vetores em U .

Se¸c˜oes locais ηi, . . . , ηk de T M em U s˜ao ditas independentes em T M se, para

todo p ∈ U , ηi(p), . . . , ηk(p) s˜ao elementos linearmente independentes de TpM . Ana-

logamente, dizemos que ηi, . . . , ηk geram T M se, para todo p ∈ U , ηi(p), . . . , ηk(p)

geram TpM .

Defini¸c˜ao 2.6.7. Um referencial local para M em U ´e uma k-upla ordenada (ηi, . . . , ηk) de se¸c˜oes locais independentes em U que geram T M . Um referencial

local ´e dito suave se cada ηi ´e suave.

Exemplo 2.6.8. Seja (U, ϕ) uma carta de M . Os campos de vetores de coordenadas (∂/∂xi) formam um referencial local suave para T M em U .

Vejamos agora o caso dual.

Defini¸c˜ao 2.6.9. Seja M uma variedade suave sem bordo. Definimos o fibrado cotangente de M como a uni˜ao disjunta

T∗M = G

p∈M

Tp∗M.

O espa¸co cotangente tem uma proje¸c˜ao natural π : T∗M → M que, para cada p, leva ω ∈ Tp∗M em p. Como na se¸c˜ao anterior, dada uma variedade suave de dimens˜ao n e coordenadas locais (xi) em U ⊂ M , denotamos a base de T

pM dual a

(∂/∂xi|p) por (λi|p). Isso define n fun¸c˜oes λ1, . . . , λn: U → T∗M , chamadas campos

de covetores de coordenadas.

Como no caso do fibrado tangente, coordenadas locais de M fornecem coorde- nadas locais de T∗M . A fun¸c˜ao de π−1(U ) → R2n dada por

ξiλi|p 7−→ (x1(p), . . . , xn(p), ξ1, . . . , ξp)

´e uma carta de coordenadas de T∗M . Chamaremos (xi, ξi) de coordenadas-padr˜ao

de T∗M com rela¸c˜ao a (xi).

Defini¸c˜ao 2.6.10. Seja M uma variedade suave sem bordo. Uma se¸c˜ao de T∗M ´e chamada de campo de covetores em M . Um campo suave de covetores em M ´e uma se¸c˜ao suave de T∗M .

A seguir veremos a diferencial de uma fun¸c˜ao como um campo de covetores. Tal interpreta¸c˜ao nos fornece tamb´em uma nota¸c˜ao mais conveniente `a base (λi|p) de

Tp∗M .

O lema seguinte nos fornece um crit´erio para decidir a suavidade de um campo de covetores.

Lema 2.6.11. Seja M uma variedade suave sem bordo e ω um campo de covetores em M . Ent˜ao

(1) Se ω = ωiλi ´e a representa¸c˜ao de ω em coordenadas em qualquer carta (U, (xi))

de M , ent˜ao ω ´e suave se, e somente se, suas fun¸c˜oes componentes ωi s˜ao suaves.

(2) ω ´e suave se, e somente se, para todo campo de vetores suave X em um aberto U ⊂ M , a fun¸c˜ao hω, Xi : U → R dada por

hω, Xi(p) = hwp, Xpi = wp(Xp)

´e suave.

Defini¸c˜ao 2.6.12. Seja M uma variedade suave sem bordo e f : M → R suave. Definimos df , a diferencial de f , como o campo de covetores dado por

dfp(Xp) = Xpf,

para todo Xp ∈ TpM .

Proposi¸c˜ao 2.6.13. A diferencial de uma fun¸c˜ao suave f : M → R ´e um campo de covetores suave.

Demonstra¸c˜ao: Note que, para cada ponto p ∈ M , dfp(Xp) depende linearmente

em Xp, portanto dfp ´e em p, de fato, um campo de covetores. Para qualquer campo

de vetores X em U ⊂ M aberto, hdf, Xi ´e suave pois hdf, Xi = Xf.

Pelo Lema 2.6.11 o resultado segue.  Vejamos como a diferencial fica representada em coordenadas. Seja U ⊂ M um aberto, (xi) as fun¸c˜oes de coordenadas em U e (λi) as coordenadas duais a (xi),

ou seja, λi(xj) = δi

j. Escrevendo df em coordenadas como dfp =

P iAi(p)λi|p, Ai : U → R, a defini¸c˜ao de df implica Ai(p) = dfp ∂ ∂xi p ! = ∂ ∂xi p f = ∂f ∂xi(p),

que nos fornece

dfp = X i ∂f ∂xi(p)λ i| p, (2.2)

ou seja, as fun¸c˜oes componentes de df com rela¸c˜ao `a uma carta de coordenadas s˜ao as derivadas parciais de f com rela¸c˜ao `aquelas coordenadas. Nesse sentido, podemos pensar em df como uma an´aloga ao cl´assico gradiente de uma fun¸c˜ao, em uma forma que n˜ao depende de coordenadas.

Tomando f em 2.2 como sendo uma das fun¸c˜oes de coordenadas xj : U → R, obtemos

dxj|p = X i ∂xj ∂xi(p)λ i| p = X i δijλi|p = λj|p,

isto ´e, o campo de covetores de coordenadas λi nada mais ´e que dxi. Logo, (2.2)

pode ser reescrita como

dfp = X i ∂f ∂xi(p) dx i| p,

ou, ainda, como uma equa¸c˜ao entre campos de covetores: df = X

i

∂f ∂xi dx

i.

Em particular, se M tem dimens˜ao 1, temos df = df

dx dx.

Recuperamos, assim, a cl´assica express˜ao para a diferencial de uma fun¸c˜ao. A partir de agora usaremos a nota¸c˜ao (dxi) no lugar de (λi).

Proposi¸c˜ao 2.6.14. Seja M uma variedade suave sem bordo e sejam f, g ∈ C∞(M ). Ent˜ao:

(1) Para quaisquer constantes a, b, d(af + bg) = a df + b dg. (2) d(f g) = f dg + g df .

(3) Se g 6= 0, d(f /g) = (g df − f dg)/g2.

(4) Se J ∈ R ´e um intervalo tal que im(f ) ⊂ J e h : J → R ´e suave, ent˜ao d(h ◦ f ) = (h0◦ f ) df .

(5) Se f ´e constante, df = 0.

Proposi¸c˜ao 2.6.15. Seja M uma variedade suave sem bordo e f : M → R suave. Ent˜ao se df = 0, f ´e constante em cada componente de M .

Demonstra¸c˜ao: ´E suficiente supor que M ´e conexa e mostrar que f ´e constante. Seja p ∈ M e K = {q ∈ M | f (q) = f (p)}. Se q ´e um ponto qualquer de K, tome U uma bola de coordenadas centrada em q. Da f´ormula 2.2 temos, para cada i,

∂f ∂xi ≡ 0

em U . Portanto f ´e constante em U . Isso mostra que K ´e aberto. Por outro lado, K ´e fechado, pela continuidade de f . Isso conclui que K = M . 

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