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II. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

2. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

3.5 Reforma Política Principais Temas de Discussão:

3.5.1. Fidelidade Partidária

A fidelidade partidária pode ser entendida como o dever que se impõe ao parlamentar eleito a obedecer às diretrizes do partido em que foi eleito, sob pena de perda do mandato.

A perda do mandato eletivo em decorrência da infidelidade partidária é recente no ordenamento jurídico brasileiro.

Inicialmente foi introduzida no artigo 152 da Emenda Constitucional n.º 1/69, in verbis:

“Art. 152 A organização, o funcionamento e a

extinção dos partidos políticos serão regulados em lei federal, observados os seguintes princípios:

Parágrafo único. Perderá o mandato no Senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitudes ou pelo voto, se

opuser às diretrizes legitimamente

estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito. A perda do mandato será decretada pela Justiça Eleitoral, mediante representação do partido, assegurado o direito de ampla defesa”147.

Na legislação infraconstitucional, mais precisamente na Lei 5.682/71 (Lei dos Partidos Políticos) impunha-se a cassação do mandato do parlamentar que deixasse ou descumprisse os programas estabelecidos pela direção partidária pelo qual foi eleito.

O instituto sofreu alteração pela Emenda Constitucional n.º 11/78148, que se manteve até a Emenda Constitucional n.º 25/85, que o extinguiu definitivamente.

Na Constituição Federal de 1988, a fidelidade partidária é trazida com outra roupagem daquela prevista na EC n.º 1/69, porque não impôs penalidades para o seu não exercício. As bases do instituto no texto constitucional constitucional estão previstas nos artigos 14 e 17.

O artigo 14 da Constituição de 1988 refere-se às condições de elegibilidade, visto que impõe a filiação partidária com uma das exigências para o cidadão postular uma candidatura a cargo eletivo.

“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

V - a filiação partidária149”. O artigo 17 do mesmo texto constitucional estabelece que:

“Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

148

Art. 152 - A organização e o funcionamento dos partidos políticos, de acordo com o disposto neste artigo, serão regulados em lei federal.

§ 5º - Perderá o mandato no senado Federal, na Câmara dos Deputados, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras Municipais quem, por atitude ou pelo voto, se opuser às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos de direção partidária ou deixar o partido sob cuja rege for eleito, salvo se para participar, como fundador, da constituição de novo partido.

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”150.

A perda do mandato, na atual Constituição, é imposta apenas como sanção para infrações mais graves, estas previstas no artigo 55 do texto constitucional, dentre elas, a perda ou suspensão dos direitos políticos e condenação criminal com sentença transitada em julgado.

Além da atual Constituição Federal não prever a possibilidade de aplicação da perda do mandato como pena pela infidelidade partidária, o texto constitucional máximo da República ainda veda a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só ocorrerá nos casos previstos nos artigos 15, 5º, inciso VIII e 37, parágrafo 4º.

Com a Resolução n.º2.610, de 25 de outubro de 2007, editada pelo Tribunal Superior Eleitoral e os julgamentos dos Mandados de Segurança pelo Supremo Tribunal Federal impetrados por Partidos Políticos, reconheceram a perda do mandato eletivo face da desfiliação partidária.

A recente decisão do Tribunal Superior Eleitoral151 assentou entendimento de que os partidos políticos conservam o direito à vaga obtida pelo Sistema Eleitoral Proporcional. Com a decisão de mudar de partido ou legenda, o representante eleito perde, automaticamente, o cargo para qual foi eleito.

Com tal entendimento, a fidelidade partidária foi erigida a um plano

150 Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 52/2006.

151 Resolução TSE nº. 22.256, de 27/03/2007 – Anexo.

superior ao da fidelidade mais importante, inclusive, do que o direito de sufrágio - aquela existente entre os eleitos (representantes) e o eleitorado (representados).

A perda do mandato pela infidelidade partidária se justifica, posto que o parlamentar é eleito com os votos do partido. No entanto, é preciso ressaltar que existem parlamentares (de número reduzido, por certo) que são eleitos com número de votos superior ao quociente eleitoral e, neste caso, não se pode dizer que o mandato é do partido, mas sim do representante eleito.

Não podemos deixar de considerar que a prática eleitoral brasileira demonstra o hábito dos eleitores votarem na pessoa do candidato e não no partido. Diante disso, os votos naquele candidato que permite ao partido obter o quociente eleitoral necessário para eleger mais um membro no Legislativo. Todavia, por outro lado, é possível que parte dos votos conferidos na figura do candidato tenha derivado do trabalho realizado pelo partido e, nesse passo, estaremos diante de um conflito: mensurar quantos votos foram obtidos pela figura do candidato e a alcançada pelo trabalho realizado pelo partido.

Fala-se de infidelidade dos parlamentares que trocam de partido ou legenda sem maiores explicações. No entanto, devemos também ponderar a infidelidade da agremiação partidária para com o parlamentar. Exemplo claro desta ponderação pode ser verificada na seguinte situação: um partido político que exerce a oposição, em um determinado momento do mandato eletivo, passa a apoiar o Governo, em observância ao que determinou a cúpula partidária. Por tal exemplo, o parlamentar que contrariar a decisão da agremiação partidária e manter-se fiel ao discurso político-ideológico que o elegeu, pode ser ele considerado infiel?

A questão tem sido abordada sob um enfoque totalmente descompassado e com certa prevalência ou preferência (como querem alguns), nas decisões tomadas pela agremiação política, obrigando o parlamentar a seguir tais orientações, mesmo que discorde do discurso originário do partido, sob pena de perder seu mandato pela infidelidade partidária.

Devemos reconhecer que o número de mudanças é elevado. Tem-se visto que, em uma mesma legislatura, o parlamentar troca de partido ou legenda por

várias vezes.

É importante destacar que, apesar da decisão da justiça eleitoral, com a edição de resolução pelo TSE, a perda do mandato por infidelidade partidária não está fixada entre as hipóteses previstas no artigo 55 da Constituição Federal. A inclusão de novas condutas que gerarão a perda do mandato, como se pretende a desfiliação e a infidelidade, deve ser feita por meio de Emenda Constitucional e não por decisão judicial, mesmo que sejam proferidas pelas mais altas Cortes de Justiça, como é o Tribunal Superior Eleitoral ou o Supremo Tribunal Federal.

Permitir hipóteses de perda de mandato não contempladas na Magna Carta, além de afrontá-la, viola o princípio da segurança jurídica. Por óbvio que há falhas. Não se poderia esperar que fosse diferente, pois o sistema político assim se manifesta. Não há uma defesa pela simples troca de partidos de forma indiscriminada, mas também não podemos aceitar que a Constituição Federal seja frontalmente desrespeitada, como o foi pelo poder que deveria assegurar seu cumprimento – próprio Poder Judiciário.

O tema foi brilhantemente analisado em artigo produzido por Gislene Donizetti Gerônimo, o qual traça perfil histórico do estatuto, bem como da sua aplicabilidade nos diversos sistemas eleitorais adotados no Brasil e, conclui:

“A autonomia conferida pela Constituição

Federal de 1988 aos partidos políticos para normatizar a matéria relativa à fidelidade partidária, por meio de seus estatutos, somada à total ausência de normas legais que disciplinem a questão, ao contrário do que se imagina, pretendia o legislador constitucional,

deixou o cenário político-partidário,

especialmente os partidos políticos, em situação de flagrante fragilidade” 152.

152

GERÔNIMO, Gislene Donizete. Fidelidade Partidária. In “O Voto nas Américas”. Editora Manole. 2008. p. 107/132.

A autora ainda pontua que “A infidelidade é tratada sob dois aspectos:

quanto ao abandono pelo parlamentar do partido político que o elege; e pelo não- cumprimento das normas e diretrizes partidárias. Quanto ao abandono (...), não tem competência o estatuto do partido para adotar punição mais severa àqueles que incorreram nessa conduta, como a perda do mandato, isso porque essa matéria apenas poderá ser tratada por meio de Emenda Constitucional153”.

A filiação partidária, bem como os deveres e obrigações que dela decorrem, principalmente no que se refere à fidelidade ao partido, devem ser regulamentadas, observando-se sempre os preceitos fundamentais (e maiores ) da Constituição.

Ademais, a Constituição Federal assegura a todos os cidadãos, e neles se incluiu também os eleitos (representantes do povo), a liberdade de manifestação do pensamento e de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, consagrados no artigo 5º, incisos IV e IX da Lei Maior.

Para Cláudio Lembo:

“a livre manifestação do pensamento é

inerente à convivência social. Omitindo o pensamento, faltaria comunicação e as pessoas passariam a ser atores de um teatro absurdo” 154.

O Jurista e Professor, quando analisa o dispositivo constitucional que se refere à liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, define a atividade intelectual como sendo, “aquela que concebe idéias as expõe”; a atividade artística, “registrada nas várias modalidades de sua expressão (artes

plásticas, cênicas, musicais etc.)”; atividade de comunicação, “todos os modos de

153 Op.Cit.

divulgação do pensamento”; e a científica, ”155.

Desta forma, portanto, devem prevalecer os regramentos constitucionais, principalmente no que se refere à proteção dos direitos da pessoa (direitos fundamentais), tais como à vida, integridade física, à liberdade de consciência e da expressão do pensamento, também assegurados aos ocupantes de cargos eletivos. Não podemos admitir que a Lei Fundamental seja suplantada da forma com que vem sendo feita.

Ademais, impor aos parlamentares uma sanção por alterar suas convicções e ideologias, que muitas vezes se alteram pelo decurso de tempo e da maturidade adquirida pela experiência política, ainda mais por consequência de tão grande monta como é a perda do mandato, justamente por exercer um dos direitos inerentes à pessoa e amparado pela Constituição, contraria a Cidadania, o Estado Democrático de Direito e tudo o que se buscou com a promulgação da Magna Carta de 1988, retornando ao Estado de Exceção, que vivemos no século passado.

A fidelidade às diretrizes partidárias decorre do estatuto da agremiação política e, desta forma, constitui-se assunto interna corporis não podendo o legislador ordinário dispor de forma que imponha certa conduta aos seus filiados.

De acordo com Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a fidelidade partidária na Constituição Federal de 1988 tem por finalidade “propiciar aos partidos condições

melhores para que colaborem com o funcionamento das instituições democráticas, realizando a formação política do povo, divulgando planos e alternativas de governo, selecionando candidatos. Por outro lado, visa a impedir que os mesmos atuem como elemento perturbador das referidas instituições, servindo para o predomínio de oligarquias, acobertando a ação do poder econômico”156.

A autonomia conferida às agremiações políticas sofre restrições, uma vez que há um certo cerceamento no que se refere à disciplina acerca da regulamentação e do funcionamento das agremiações políticas.

155 Op. Cit. p.182.

Nesse passo, em que pese a normatização existente sobre os partidos políticos, se faz necessário o estabelecimento de novas regras, mais rígidas e claras, para se tratar da fidelidade partidária, com o fim de coibir a conduta abusiva de troca de partidos, adotada por muitos dos parlamentares brasileiros, sob pena de se agravar – para não acreditar no extremo de rompimento – a confiança da população para com o sistema políticos, partidos e representantes, com prejuízos irreparáveis para o regime democrático.