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II. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

2. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

3.5 Reforma Política Principais Temas de Discussão:

3.5.2. Financiamento de Campanhas Eleitorais

A questão do financiamento das campanhas eleitorais tem sido objeto de discussão em todas as democracias do mundo. A grande questão que ora se apresenta, no que se refere ao tema, é o peso que o poder econômico pode vir a representar na formação e na escolha dos eleitores157.

Não há uma regulação uniforme do financiamento das campanhas nos processos eleitorais do mundo. Cada país adota regras significativamente diferentes com relação ao tema; uns adotam a livre contribuição de particulares exigindo, apenas, a transparência do processo de financiamento; noutros, os particulares se sujeitam a limites de valores a contribuir; outros adotam a combinação de financiamento público e privado158; e, há países que adotaram a contribuição por fonte exclusivamente pública de recursos.

Nas últimas décadas, as principais democracias do mundo vêm enfrentando escândalos e abalos nos mecanismos do financiamento de campanhas eleitorais e, por consequência, do próprio sistema político159. Dentre elas podemos

157 NICOLAU, Jairo. Variações sobre a Reforma Eleitoral. Conjuntura Econômica - FGV. Rio de Janeiro. v.

59. n. 7. 2005.

158

Exemplo de permanência do sistema misto - República Federal da Alemanha, onde, “no caso de doações de até 6000 marcos anuais por pessoa os partidos têm direito a uma recompensa adicional: a título de financiamento federal parcial, cada partido recebe até DM 0,50 para cada marco recebido por meio dessas doações” - NASSMACHER, Karl – Heinz: O Financiamento de Partidos na Alemanha Posto à Prova. in: Os Custos da

Corrupção, p. 115.

159 Tem sido recorrente a idéia de que o financiamento público de campanhas e de partidos somente ganhou apelo e força mobilizatória dos distintos protagonistas sociais das sociedades modernas diante da apatia que os próprios partidos sentiram, a partir da derrocada do antagonismo então existente durante a Guerra Fria, ou devido a ausência de contribuições voluntárias como fenômeno internacional . Quanto à ausência de contribuição em favor dos partidos, veja-se a afirmação de Jairo Nicolau, na Mesa Redonda “Financiamento

citar a crise vivenciada pela Itália, conhecida como tangentopoli, que destruiu o sistema partidário e proporcionou uma profunda modificação no sistema político160.

No que se refere à figura de contribuição de fontes exclusivamente privadas ao financiamento das campanhas eleitorais, tem-se que haveria uma economia dos recursos públicos que seriam ali empregados, proporcionando a alocação destes para outra finalidade.

Nesse passo, os custos das campanhas eleitorais, que hoje beira aos milhões, seriam suportados pela iniciativa privada, salvaguardando a aplicação de recursos públicos em áreas essenciais do Estado, além de proporcionar uma maior participação e engajamento do corpo eleitoral, leia-se, do eleitor na vida política de seu país.

A principal crítica a que se faz a tal sistema, talvez a mais pesada delas, é a de que a campanha eleitoral seja utilizada para favorecer conflitos de interesse, a corrupção, a troca de favores e como mecanismo utilizado pelos grupos de pressão e de interesse, visando apenas o que melhor lhe aprouver, criando certa desconfiança e instabilidade política do corpo eleitoral.

O financiamento com recursos exclusivamente públicos, proporcionaria aos partidos políticos uma igualdade de condições na corrida pela eleição, uma vez que todas as agremiações se enfrentariam de forma igualitária, podendo divulgar os programas de governo ao corpo eleitoral de forma isonômica, proporcionando uma visão mais ampla ao corpo eleitoral que poderia escolher seus representantes com mais clareza, sem que ficasse ofuscado pelas ricas campanhas realizadas pelo marketing político, que, muitas vezes, a luz dada ao candidato prevalece à linha ideológica e ao programa de governo defendido pelo partido político do qual é filiado

Público de Campanha”, no Seminário de São Paulo, em 22.04.2004, devidamente transcrita na obra Reforma Política e Cidadania (Ma. Victoria Benevides, Paulo Vannuchi, Fábio Kerche, org., Instituto Cidadania/Editora Fundação Perseu Abramo, São Paulo, 2003), p. 454.

160 Como atesta Robert A. Dahl, para governar bem um Estado, mais do que conhecimento, “exige também a

honestidade sem corrupção, a resistência firme a todas as enormes tentações do poder, além de uma dedicação constante e inflexível ao bem público, mais do que aos benefícios de uma pessoa ou seu grupo”. DAHL, Robert A.: Sobre a Democracia, p. 87.

e por ele concorre161.

Outro ponto negativo dá-se com a preferência na alocação de recursos públicos para a campanha eleitoral em detrimento de investimentos nas áreas essenciais do Estado, visando uma melhora das condições de vida do cidadão. Questiona-se, também, a aplicação pública destes recursos como privilégio a determinados grupos políticos, que não fazem oposição ao governo, por exemplo, bem como a perda da identificação da vontade popular. Tal assertiva é facilmente compreendida, pois, uma vez que estes recursos são conferidos aos partidos políticos, o órgão de direção destas agremiações é que dá destino a essa fonte de recursos e, desta forma, ao invés de amparar os candidatos que possuam suporte popular expressivo, podem preferir apoiar (leia-se conceder recurso) a candidatos com expressiva identificação às lideranças do partido.

No Brasil, o financiamento das campanhas eleitorais encontra-se disciplinado na Lei 9.504/97 (normas para a realização das eleições) e na Lei 9.096/95, também chamada de Lei dos Partidos Políticos, mais precisamente nos artigos 38 a 44 que dispõem sobre o fundo partidário162.

Em linhas gerais, sem analisar a fundo o instituto que não é o objeto deste trabalho, o financiamento de campanha adotado pelo sistema político brasileiro é o que combina fontes privadas (doações e gastos pessoais) com públicas, na medida em que utilizam recursos oriundos do fundo partidário.

161 David Samuels mostra-se céticos quanto ao sucesso do financiamento público exclusivo no sentido de, por exemplo, impedir o conhecido “caixa dois” dos partidos políticos. SAMUELS, David: Financiamento de campanha e eleições no Brasil, p. 385.

162 No Brasil, os partidos recebem recursos financeiros oriundos do Fundo Partidário – constituído também por

dotações orçamentárias da União, segundo o art. 38 da Lei nº 9.096, de 19.09.1995 – que tanto podem ser utilizados nas atividades permanentes, como nas campanhas (art. 44, III da Lei nº 9.096/95). Igualmente, os partidos podem receber recursos financeiros privados, desde que observadas as limitações do art. 30 da Lei nº 9.096/95. A fiscalização sobre a movimentação contábil dos partidos é bem disciplinada, seja pela Lei nº 9.096/95 e pelas sucessivas Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, especialmente as de nº 19.406, de 05.12.1995 e nº 20.023, de 20.11.1997. Com alguma segurança, é possível dizer que a legislação sobre o financiamento partidário no Brasil é detalhada. Contudo, emerge a seguinte indagação: porque, então, os mecanismos não funcionam adequadamente, as campanhas adquirem cifras milionárias, a ponto de o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Ministro Sepúlveda Pertence, ter, logo após as eleições de 2004, afirmado em entrevista televisiva que aqueles que doam recursos possuem interesses futuros nos eleitos e que este problema somente poderia ser resolvido com um financiamento público de campanhas e partidos?

De fato, em excelente artigo publicado por Marcelo Passamani Machado163, que analisa a fundo o financiamento de campanha em termos gerais e no sistema político brasileiro, ainda há muita controvérsia quanto à manutenção do sistema misto do financiamento eleitoral, bem como aponta que todos os modelos, sem exceção, apresentam falhas se utilizados nos moldes do sistema político- eleitoral brasileiro.

Os projetos de lei colacionados pelo autor no artigo acima mencionado demonstram que o tema “merece ser discutido com mais cautela e maior

profundidade”164.

Portanto, de fato, estamos longe de equacionar qual o melhor sistema de financiamento de campanha eleitoral em nosso País demandando, isso sim, uma discussão clara, profunda e com responsabilidade por parte dos legisladores, para que não haja desigualdade ou uma perda de identificação do corpo eleitoral para com o sistema político, o que agravaria, ainda mais, o regime democrático brasileiro.