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II. DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

2. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

2.2. Natureza Jurídica Formas Exercício

A natureza jurídica do instituto não é de consenso. Por primeiro, a colocação da teoria do mandato vinculada ao pensamento de Sièyes, em que há uma relação entre representante e representado como à existente no Direito Privado, na figura do mandante e mandatário.

No entanto, é importante esclarecer que a figura do mandatário- representante não está adstrita a seguir os critérios do mandante-representado, como no Direito Privado; não há destituição ou substituição; não há dever de prestar contas; e não age em nome apenas daqueles que o elegeram, mas sim em nome de todo o provo.

Proibiu-se a figura do mandato-imperativo consistente em não permitir ao representante aceitar, dos que o elegeram, instruções. O representante é investido de poder para querer o todo.

A representação neste século sofreu transformações, principalmente com o nascimento do mandato-partidário, vinculando o fenômeno jurídico dos partidos políticos e, especialmente, ao modelo democrático dos partidos.

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CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação. p 20. 80 CAGGIANO. Monica Herman Salem. Op. Cit. p. 20.

Diversas são as teorias que explicam a natureza jurídica da representação. A primeira delas atribui à natureza jurídica da representação a de mandato imperativo, no qual se vincula a vontade do representado/eleitor enquadrando-se como uma categoria de Direito Privado assemelhando-se esta figura política às figuras previstas no Direito Civil.

O maior defensor desta corrente foi Rousseau81 que, em sua obra

“Contrato Social” trata a soberania da Nação como vontade resultante da vontade geral, considerado cada indivíduo em particular.

Ari Marcelo Solon expõe que “Partindo dos princípios filosóficos

estabelecidos no Discours sur I'inégalitá, Rousseau afirmou no Contrato Social o princípio da soberania do povo, de maneira evolucionária. 'Todo o poder é estabelecido em favor dos governados e o conteúdo da soberania é colocado exclusivamente na legislação como expressão da vontade geral. Disto decorre que o governo não nasce diretamente do contrato social, mas de uma comissão do soberano que lhe delega a função de executar as leis, revogáveis a qualquer momento. Sendo a soberania o exercício da vontade geral, que não pode ser transmitida, ela é inalienável, indivisível, insuscetível de representação ou limitação'”82.

Com o exercício do sufrágio, por meio do voto, cada cidadão se faz detentor de uma parcela do mandato que foi conferido ao eleito. O mandatário, nesse contexto, age em obediência e em defesa do grupo de indivíduos/eleitores que o elegeram e, portanto, o nomearam e em cujo nome exerce o seu mandato político, devendo, desta forma, conforma-se a seguir, entretanto, as instruções de seus mandantes.

Uma crítica que se faz ao entendimento de Rousseau é a de que o caráter imperativo do mandato não impõe aos representantes o dever de respeitar e

81 ROUSSEAU, J.J. Op. Cit. 82

SOLON, Ari Marcelo. Teoria da Soberania como Problema da Norma Jurídica e da Decisão. Porto Alegre. Safe. 1997. p. 38.

de ser fiel às diretrizes defendidas pelos eleitores que lhe nomearam.

No âmbito da questão partidária, com a inobservância do representante em seguir os passos determinados pelos representados principalmente no que se refere ao programa de governo adotado pela agremiação partidária. Com isso, ao partido político não era possível exigir que a agremiação destitua seu membro infiel, possibilitando que seu suplente assuma seu mandato, com vistas à assegurar a proposta eleitoral que foi eleito pelos representados.

A partir deste entendimento é que se inicia o embrião do fenômeno da fidelidade partidária, tratada mais a fundo em tópico específico neste trabalho, mas que, visando facilitar a compreensão do que se apresentou acima, necessário que se faça uma breve explicação, consistindo no abandono do partido por um parlamentar, não só no que se refere as bases políticas defendidas pela agremiação, mas uma traição ao eleitor, uma vez que desfalcará a bancada do partido na defesa do programa defendido por ocasião da eleição.

Contrapondo-se à teoria do mandato imperativo, apresenta-se o mandato representativo, criado pelo Estado Liberal, preconizado por Sieyès, também chamado de representação nacional, no qual preconiza que a soberania nacional pertence à nação, à coletividade e não a cada um dos indivíduos, ou seja, o representante passa a respeitar a nação e não a defesa dos interesses particulares daqueles que o elegeram podendo deliberar livremente e de acordo com suas convicções.

No Brasil, Monica Herman Salem Caggiano aponta que “não há porque

deixar de anotar que, antes mesmo da antecipação política, oferecia o Brasil exemplo, embora rudimentar, de aplicação do regime representativo. Em verdade, como espelha a obra dos historiadores, ainda, na fase colonial, desvenda o município a primeira manifestação de atividade governativa resultante do assentimento popular. Nessa linha, significativo o registro de Carneiro Maia quanto á formação dos municípios independentemente de ato do poder central”83.

Assim, a representação política é geral, livre, irrevogável e não exige ratificação por parte do representado. Geral, porque o eleito não representa apenas a circunscrição ou distrito que o elegeu, mas a todos do território nacional; livre, porque o representante não está vinculado aos seus eleitores, em mesmo possuem a obrigação de prestar contas; irrevogável, pois o representante, em geral, tem o direito de permanecer no cargo durante o tempo previsto na legislação, exceto nos casos de perda de mandato previstos na própria Constituição.

No entanto, em alguns países, como nos Estados Unidos, se verifica a possibilidade de revogação do mandato por parte dos representados, por meio do instituto conhecido como “recall” ou direito de revogação que se consubstancia na faculdade conferida ao representado/eleitor de destituírem seus representantes de suas funções se este atuou em desconformidade ao interesse público.

Uma terceira teoria propõe a substituição da delegação pela investidura. Ao abordar a tese, Ferreira filho disserta “A eleição, a escolha do representante, é,

portanto, uma atribuição de competência. Nada o vincula, juridicamente, à vontade dos eleitores. No máximo, reconhece-se que a moral e o seu próprio interesse o impelem a atender os desejos do eleitorado. A moral porque a eleição não se obtém sem promessas. (...) O próprio interesse porque o tempo trará nova eleição”84.

Nesse passo, temos que o processo eleitoral redunda em um instrumento de atribuição de competência, no qual o representante é investido de poder e representa o todo, sem que haja controle ou vinculação dos poderes que lhe foram conferidos pelos seus representados.

No direito constitucional alemão, a representação tem outra natureza jurídica, a “doutrina do órgão, a qual se baseia em uma só pessoa e em um único

pólo, qual seja, a comunidade organizada que age por intermédio de seus órgãos”85.

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FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. p. 80.

A comunidade é vista como uma pessoa jurídica com vontade própria e distinta dos cidadãos que a compõem, com interesses próprios e defendidos por seus órgãos.

No entanto, não podemos deixar de anotar que mesmo com a adoção da teoria representativa como tradição no ordenamento constitucional brasileiro, a democracia mista ou semidireta com seus institutos, plebiscito, referendo e a iniciativa popular, veio a compor os textos constitucionais.

A partir dos movimentos revolucionários, iniciados no final do século XVIII e início do século XIX, por meio da teoria de Rousseau e da filosofia dos jusnaturalistas, é que os princípios da democracia semidireta ou participativa ganharam força.

Apontam-se dois os instrumentos para o exercício da representação: por meio dos partidos e pela participação popular. Pasquino ensina que “La cittadinanza

politica, quindi, si fonda anche sull’esistenza e sull’attività dei partiti. (...) Il secondo strumento per l’esercizio della participazione nella Constituzione italiana è rappresentato dall’iniziativa legislativa popolare”86.

Na história constitucional recente, a Constituição de 1988 introduziu os três mecanismos de democracia semidireta, previstos no artigo 14 do , quais sejam referendo, plebiscito e a iniciativa popular. Tais institutos exprimem o desejo de complementar à democracia representativa com elementos da democracia participativa.

Os institutos da democracia semidireta, diferentemente de sua execução internacional, enfrentam no Brasil, em que pese a sua previsão constitucional, certa resistência quanto a sua aplicação, mas temos superado aos poucos tal oposição.

Neste século, no entanto, formulou-se uma nova colocação das relações

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entre representantes e representados. É a doutrina do mandato partidário que se vincula ao fenômeno político dos partidos, que será analisado em tópico específico.