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Com o retorno aos laboratórios, no processo de criação do espetáculo Éter do Arkhétypos24, novos encontros e novas imagens - uma nova estética se apresentou. Nosso grupo discutia o caos, seres amorfos e a origem do universo. Convidada pelo diretor Robson Haderchpek, iniciei o projeto de figurino para o Éter de acordo com os desejos e escolhas de peças do vestuário já usadas pelos atores durante os ensaios. Assim, pesquisei imagens inspiradoras além dos universos apontados pelos atores e atrizes do projeto.

Temas e imagens recorrentes de expansão do universo, estados caóticos, o parto, a relação com a passagem do tempo, criação do universo, algo entre “o céu e o inferno”, de “sagrado e profano”, iam se apresentando no grupo. Os grupos se formaram a partir dos quatro elementos: o grupo do fogo, o grupo das águas - entre ninfas, sereias -, o grupo da terra, com seres amorfos - bichos, com os quais me identificava, e o grupo do ar - com as meninas do tempo - e assim, certas cores e texturas emergiram. E o uso das imagens foi pertinente como motes de criação também para o figurino.

Os tons crus, ocres e soturnos do preto - as poucas cores das vestimentas - foram explorados na maquiagem do grupo, por Pedro Fasanaro. Pedro pesquisou profundamente as referências tribais, e fez inúmeros experimentos com traçados e pontilhados, explorando pinturas corporais de povos africanos, ameríndios, árabes, alcançando um resultado impactante, cuja plasticidade formou uma unidade com o figurino.

Em relação aos figurinos, algumas inspirações definiram as escolhas das vestimentas: as amarrações. Sem recursos financeiros, trabalhamos com tecidos leves, esvoaçantes, de transparências, selecionados por mim e criando amarrações, ataduras com imagens e texturas, sempre em busca de uma unidade visual. Os trabalhos dos estilistas Rei Kawakubo (Comme des Garçons) e Alexander McQueen novamente serviram como referências fundamentais no estudo das amarrações, trançados, nós e texturas dos figurinos.

Além disso, um figurino das Bacantes, espetáculo de José Celso Martinez do grupo Oficina, também inspirou muitas referências. E assim busquei respeitar já muitas peças e estilos dos próprios integrantes, pois, o figurino das Meninas do Tempo praticamente já usava os tons pretos e crus - cor da pele, o que fiz foi dar unidade completando com amarrações nos braços entre os tons nudes e pretos, criando algo entre ataduras e o tom renascentista que já havia por elas elaborado. Expandi essas amarrações nos braços, em tiras e propus essa textura

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Grupo de Teatro de Pesquisa e Extensão da UFRN, fundando e coordenado pelo professor Dr. Robson Haderchpek, no ano de 2010, e que investiga desde então uma ideia de um Teatro Ritual, a partir da Poética dos Elementos, pesquisa da qual faço parte como atriz desde fevereiro de 2016 até a presente data.

de “fim de século” “destruição”, “enfermidade” inspirada pelo quadro do pintor Hieronymus Bosch. Eu olhava para nosso processo e mais uma vez as artes plásticas, as imagens de “O Jardim das Delícias” do Bosch, os monstros, as feras e as “ninfas sensuais do pintor Gustav Klimt e as “mulheres esvoaçantes”, fluídas e saltitantes em roda do emblemático quadro “A Dança- II” de Henri Matisse me inspiraram nas escolhas das transparências e corpos “nus”. Os atores em sua maioria, já demonstravam a partir dos jogos e cenas construídas que caminhavam para um trabalho extremamente voltado para as pulsões, desejos eróticos, exploração e violação desses corpos. E a leveza e transparência desses tecidos iriam coadunar com essas construções das atrizes e atores.

Ensaio de fotos pela fotógrafa Inger para o 25 Le Ball Beneficente de Viena, 2015. 25

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Disponível em: <site> http://www.fruitdelapassion.com.br/recriando-as-pinturas-de-klimt.htmll visitado em 11/06/2017.

Betethoven Frieze, de Gustav Klimt de 1902. Imagens que povoam a minha imaginação e referencias para as Ninfas e grupo do fogo. Pois dialogam, com os monstros e sensualidade que estão impregnados na pintura.

Pré Estreia do Éter no Barracão dos Clowns/ Natal - RN . Foto: Bruna Justa. 15/12/2016.

Figurino do grupo das águas, as Ninfas. Amarrações, tiras e nós, e a leveza e transparências das saias. Analice França no centro, à direita Camila Olie à esquerda Fernanda Cunha e de costas Érika Yuka.

As saias transparentes, para dar ideia de leveza e fluidez da água. Foto: Bruna Justa

No centro em pé Analice França, na bacia Luâ Fernandes, à direita Camila Oile e de costas Érika Yuka.

Estréia no TECESol Natal/ RN. Foto: André Chacon. Apresentação: 20/05/2017. Detalhes das maquiagens e figurinos transparências, as cores sóbrias do preto, nudes, amarrações.

Maquiagem de Pedro Fasanaro. Na foto: NA frente sem camisa Luâ Fernandes, ao seu lado direito

Pedro Fasanaro, atrás dele Bebel Dantas, atrás dela Francismar Júnior. Ao lado do Luâ , à esquerda Lúicia Kosch e Camila Oile, e eu estou atrás do Luâ, coma as flores detalhes tapando meu rosto.

Éter na estréia do Tecesol Natal/ RN. Apresentação do dia 21/05/2017 Fotos: Paulo Fuga

A esquerda: Alice Jácome com objeto na mão, ao lado Lúcia Kosch, ao lado Fernada Cunha e Luã Fernandes. Na foto com objeto na mão representado uma das meninas As Tempos o Presente , atriz: Alice Jácome.

Detalhe para as cores sóbrias, pretos e nudes, as amarrações, a calça azulada do Remador com nó.

E foi o que fiz, trouxe tecidos leves, esvoaçantes, algo meio grego das bacantes, rasgadas de um dos vestidos de uma das coleções do Alexander McQueen e amarrações, e nós da Rei Kawakubo, estavam todos lá, todos esses grandes artistas. Nessa colagem de cores e texturas fui traçando uma linha de pesquisa e unidade entre os figurinos, sem esquecer o minimalismo, uma marca dos meus trabalhos que de modo inconsciente e consciente sempre se apresentam. As poucas cores e formas que se multiplicam e se apresentam numa espécie de cenografia flutuante, painel de quadros, desenhos de cores, formas e texturas,

Tais elementos unificam e dão a forma e conteúdo aos princípios básicos para a concepção nas artes em gerais, e que se aplicam para a Moda também. E ela que mais uma vez também estava lá. Foi através dessa troca entre os estilistas – artistas que olham para histórias, para as artes e desenvolvem coleções que me inspirei para criar este trabalho.

Este figurino foi o figurino mais colaborativo que fiz até hoje em toda a minha carreira como Figurinista, pois como em muitos trabalhos, nós geralmente vemos os ensaios e levamos as pesquisas, com palheta de cores, croquis, fotos e amostra de tecidos. Isso também ocorreu nesse processo (amostra de tecidos, e um encontro com todo o grupo apresentando as inspirações e sugestões para os grupos de elementos e/ou determinados personagens), porém, estes atores apresentavam suas escolhas de muitas formas. O uso de saias ou calças que já estavam lá e foi respeitado.

Alguns atores desenharam seu próprio figurino e confeccionaram como foi o caso do ator Francismar Silva, com seu homem pássaro. O ator Igor Barboà também fez seu próprio figurino e ajudou imensamente confeccionando a calça do figurino do ator Luâ Fernandes, inspirado num modelo de calça que levei, e que seguia a referência de outro estilista japonês, Yoji Yamamoto, numa de suas coleções.

Os japoneses são magistrais em tudo que fazem, e suas criações com planejamentos, dobraduras, os famosos origamis, extrapolam as formas dos papeis, e ganham as coleções de moda, e seus quimonos, e sobreposições de tecidos. Eles trazem algo da marca da tradição do passado que vai de encontro com algo rudimentar manufaturado, essa marca do “feito à mão”, algo muito pertinente para um espetáculo de Teatro Ritual.

E assim o figurino foi feito para e com os atores e atrizes desse espetáculo. Confesso que alguns momentos não foram fáceis, mas senti tanta fluidez e independência nesse processo de “cada um faz o seu” e no final dei um jeito. Foi um desafio e um grande aprendizado esse trabalho extremamente coletivo. No final, acredito que tivemos um resultado de unidade, fluidez e belo e com a marca de todos principalmente. Houve uma orquestração, uma Figurinista que conseguiu criar respeitando as individualidades de cada um/a.

Assim, prestei atenção com muito cuidado àquilo que estava sendo necessário e colocado pelos artistas e não interferi de modo impositivo e autoritário, do lugar da “Figurinista”, pois também antes de tudo éramos um grupo, e eu era uma colega de trabalho de dentro do jogo.

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