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Estou em erosão. Foi um extenso percurso. Minha trajetória é turva, sofri muitas metamorfoses ao longo desses séculos. Como já havida dito, nem todas as coisas serão reveladas, mas sobre o tal fato, poderei deixar mais algumas partes contigo.

Antes de tudo não sou nada. Sou pó, estou coisa, estou em degradação, estou sendo comida por todos e todas, que um dia dei a vida. Doei o leite a cada ser que passou pelo meu caminho e hoje me sugam, chupam minhas tetas caídas, que jorram leite de terra, leite de sangue, leite de água. Sou uma vaca! Não! Não é isto! Estou lamacenta. Jogaram-me nessa cova, tentaram me enterrar, mas esqueceram de que sou feita de terra, de planta, flores e arbustos. Apesar deles e delas acharem que os famintos iriam me destruir, eles foram os primeiros a abrir os poros na terra úmida para que eu pudesse expelir, desenterrar a mim mesma.

Não foi fácil, tive que fazer força por horas, num movimento forte dos músculos exaustos para expulsar minha terra e erguer-me de novo. Há muito que o tempo “escorre para cima” como diriam as sentinelas do Tempo, as três jovens meninas que vieram nessa minha direção, de um lugar que antecede a minha origem, que está nos genes da minha compositora, mas essa etapa nós já ultrapassamos. Sigamos com elas, As Tempos26, ou Presente, Passado e Futuro.

O tempo se instaura... o mantra, o som que ecoa do cortejo, torna se um chamado. Posso ouvi-lo debaixo dela, desse montante aterrado com um ramalhete de flores e plantas sobre minha cabeça. Acharam que eu estava morta, aqueles e aquelas que sugaram tudo de mim, acharam que não servia para mais nada, me dispensaram depois de me explorarem ao máximo. Mas eu que permito, pensam que tem o domínio sobre mim? Nem eu, tenho o domínio sobre mim.

26 Refiro-me às personagens do espetáculo Éter feito pelas atrizes, Passado: Camila Guerra, Presente: Alice

Alguém será que tem o domínio completo sobre si mesmo? Alguém ou alguma coisa tem o controle absoluto dos seus próprios instintos? Suas ações involuntárias são oriundas das entranhas desconhecidas do teu inconsciente, dos que te antecedem, dos teus ancestrais. Não existe coisa mais poderosa que os nossos Ancestrais! Nós viemos antes, conhecemos o teu destino. Vigiamos a tua estrada e deixamos que tu passes.

Já fui, e sou esse/essa ancestralidade de mim mesma. Minhas mãos, meus braços estão exaustos de tanto levantar. Suplicar, pedir ajuda... que me tirem daqui, que me auxiliem a levantar dessa cova. Traço um movimento interrupto de braços suspensos no ar, em suplício mas é vão, nada vem ao meu pedido de socorro. Mas há essa música, estão a cantar, a evocar, há uma espécie de lago próximo a esse aterro. Ha malditos jovens! Cresçam! Está a parecer uma mistura da Dança II de Henri Matisse com o Jardim das Delicias de Bosch, do querido artista contemporâneo meu num passado remoto. Bosch, nunca foi tão visionário ao prever essa mistura de desgraça e prazer, de dor e delícia que me encontro neste momento entre cova e música. Ou foi, um retratista de sua época? Momentos estes, pelo qual sempre na história se repetem.

Jardim das Delícias Terrenas de Hiernonymus Bosch, tamanho de 2,20 cm x 97Cm de 1500-1505.

Não me ouvem, eles e elas seguem cantando, há uma com seu instrumento de cordas no centro, canta e toca, com uma voz bela e encantadora, ela diz que é o canto da sereia, eu digo, ela será uma, assim que mergulhar fundo em suas águas. Cante, embriague todos, propague o seu som no universo de horror que me encontro. Quem sabe, a melodia me liberte dessa escuridão. Ah... como me dói essa música! Estão todos felizes e eu estou aqui exprimida nessa coisa, em mim mesma, sendo quase comida pelos vermes. Que horror, pode ser a felicidade, o estado de amor quando do outro lado vive-se a terrível condição de existência da solidão, dor e angústia do profundo buraco que podemos estar.

Mas será que fui eu que cheguei pelas minhas próprias pernas? Será que vim me arrastando e me enterrei? Será que entrei em própria decomposição? Provoquei a minha destruição?

Talvez. Lembro-me que desde a noite passada me negaram o fósforo para que eu acendesse o último cigarro que eu tinha para fumar, lembrando do amor, do tal ser, da coisa que dizem que por causa desse negócio abstrato, enlouquecemos. Ou, somos muito felizes ou os dois. Muitas e muitos de nós, como disse, o gênero não vem ao caso, já fui os dois, estou sendo no momento pronome feminino, e assim, muitas de nós por amor se desesperaram.

O Desespero me assolou. Foi na última vida antes de me aterrarem, ou fui eu? Não importa. Era uma bela Cigana, a tal, quando eu vim da Turquia, e que chegou às Américas, lembra que te contei? Que adentrei pelo México e fui descendo até chegar às terras brasileiras. Aqui, chegando ainda com a Cigana Sara, fui virando uma entidade. A vida foi me calejando. Fui me misturando e me transformei em Pomba-Gira. Rodei, girei, caí morta e ressuscitei muitas vezes nessa terra. Faço uma pausa, e passo a palavra para aquela que me antecede.

Traço aqui um diálogo com o mito de Medeia e a Pomba-Gira, duas figuras que carreguei comigo na composição desta persona mítica que surgiu ainda em Atuação III, e que foi se re-significando em outros arquétipos e características, porém sem perder elementos iniciais da construção como o suplício. As duas versões femininas, contém em suas histórias, semelhanças no sentimento da traição pelos companheiros e ações de vinganças e transgressões.

De acordo com Dr. Alex Beigui27, que fez uma encenação juntando as histórias de Salomé de Oscar Wilde com o mito de Pomba-Gira, fez a seguinte relação que dialoga com a ideia apresentada por mim entre a Medeia e a Pomba-Gira:

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Alex Beiguei, Prof. Dr. em Literatura,. Docente no curso de Licenciatura em Teatro da UFRN, autor do artigo “A escuta criativa em Salomé: entre a miseenscène e a miseen parole, o fim do arquétipo e a urgência da dinâmica cultural do mytho”, 2014.

Em Salomé sou eu (2014), busquei reconstruir o mytho religioso de Salomé, confrontando-o com a peça em um ato de Oscar Wilde. Para tanto inseri o diálogo com o mytho brasileiro da Pombajira, entidade presente nos cultos religiosos brasileiros de matriz africana. Nesse contexto, a Pombajira representa a desobediência do feminino. Sua figura revela o lado subversivo da mulher através, sobretudo, do corpo. Ela age de modo a contrariar as leis e os limites sociais impostos pela estrutura do casamento, da família, da sociedade etc. Sua ação é desejo de transgredir os limites pela convenção social. Chamo atenção para o fato de que o mito religioso da Pombajira é geralmente, retratada na cultura brasileira como relacionado a espíritos de mulheres assassinadas ou que se mataram em função de sua desobediência aos códigos vigentes. Contudo, a posição de vítima se divide com a de algozes responsáveis pela sedação e pela variante do enlouquecimento por amor. (p. 94 e 95).

Pinturas autores desconhecidos. Sobre a figura da Cigana Pomba-Gira- primeira fase da personagem.

Mas ao enterrar-me, sofri algo inesperado. Quem sabe tenha sido eu? Quiçá, tenha sido essa terra da beira do lago, onde mais adiante passa um rio, esse chão molhado, frio, úmido, fez algo comigo. Quando abri os olhos encharcados de areia e lama, estava enraizada, as flores despejadas como coroa sobre meu enterro, infiltraram e desceram pelo barro, penetrou nas minhas entranhas e me puxou novamente para fora da terra. Deu-me animo, hidrataram minha carne, me deram ar, renovaram a minha alma e acenderam uma nova chama. Os quatro elementos estão em mim.

Quando consagramos nossa imaginação a um elemento, ou melhor, quando adentramos numa prática laboratorial e acessamos as imagens decorrentes de um elemento (terra, água, fogo ou ar), acessamos as mitologias decorrentes

deste elemento e abrimos espaço para que elas se manifestem no nosso corpo. É no corpo, na relação entre corpos que as imagens se materializam, por isso é tão importante que o ator se mantenha ativo dentro do devaneio, ou do “jogo ritual” como preferimos, a fim de que as imagens possam encontrar a sua dinâmica corporal (HADERCHPEK, 2017, p. 2659).

Algo de estranho aconteceu desde o último tal cigarro não aceso. Quero acender meu cigarro, mas subitamente ele desapareceu. Cigarros são como gente, quando quer sumir inventam desculpas de ir ali se encontrar e nunca mais os vimos. Mas eu não desapareci, de modo misterioso, mais uma vez ressuscitei. Quando penso que fui embora, eu volto, eu sou igual ao tempo, sem início, meio e fim. Sou cíclica como as fases da lua, como o período em que sangramos. Sempre esteve e estará. Mas minhas coisas, meus pedaços, minhas facetas assim como as tuas, passarão para deixarem virem outras.

Já pensaste como será depois que não estivermos mais aqui? Não te preocupes, eu volto em nova pele. Sempre retorno e conto para teus descendentes. Essa gente, que insiste em nascer e prosseguir mesmo quando nem planejamos ou desejamos, mas são nossas raízes. É inevitável!

Consegui me levantar, após horas incessantes num movimento voluntário muscular abdominal se transformando em quase uma partitura de dança de uma coreógrafa alemã chamada Pina Bausch28, a qual anos atrás, no século passado revolucionou a dança e reinventou um modo entre a dança e o teatro. Cheguei a ver nas minhas andanças, alguns de seus maravilhosos ballets. Provavelmente devo esse gesto que repito tantas vezes a essa mulher e claro ao meu suplício mítico. Neste momento de desespero a memória ou o meu inconsciente é seletivo e aciona aquilo que mais precisamos ou necessitamos confrontar. Passo a fala para a minha ser vivente antecedente a mim... Para Jung:

Mal o inconsciente nos toca e já o somos, na medida em que nos tornamos inconscientes de nós mesmos. Este é o perigo originário que o homem primitivo conhece instintivamente, por estar ainda tão próximo deste pleroma, e que é objeto de seu pavor. Sua consciência ainda é insegura e se sustenta sobre pés vacilantes. Ele é ainda infantil, recém-saído das águas primordiais. (JUNG, 2002, p.31).

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Pina Bausch, coreógrafa alemã, que revolucionou com a dança com a marca do seu Ballet Teatro. Muitos dos meus trabalhos estéticos e de movimento são influenciados por essa artista, assim como o da cena inicial, com a partitura do suplício com os braços no ar deitada, gestos estes, que repetia incessantemente buscando uma variação de qualidade de movimentos inspirados no seu ballet a Sagração da Primavera, 1975.

Meu inconsciente foi nas profundas águas primordiais, ao relembrar as bailarinas com uma dança de movimentos perturbadores da Sagração da Primavera, como identificação imediata das minhas angustias de suplício.

Enquanto isso, próximo a mim, na Dança-II, - um pouco antes desta música francesa dos tempos dos salões em Paris -, vejo mais um jovem angustiado, nervoso, perdido que carregava em suas mãos um chocalho indígena, de um poder que talvez nem ele mesmo se dê conta, coisas da juventude. Ele serpenteava seu som e ao ouvi-lo, isto, me chamou para o ritual do parto do universo. E assim o Ritual se instaura, todos e todas estão num círculo mágico, numa mandada de seres vivos e amorfos, num jogo ritual. As velas, as sombras, a escuridão, a infinitude, o tempo e espaço foram suprimidos e numa cerimônia o Teatro se instala. Começou...

[..] aqui o diretor é uma espécie de ordenador mágico, um mestre de cerimônias sagradas. E a matéria sobre a qual ele trabalha, os temas que faz palpitar não são dele mas dos deuses. Eles provêm, ao que parece, das junções primitivas da Natureza que um Espírito duplo favoreceu. [...] Ele mexe com o MANIFESTADO. É uma espécie de Física primeira, da qual o Espírito nunca se afastou (ARTAUD,1993, p.64).

Num esforço de quem está nascendo, um parto aconteceu pela Mulher Loba, uma figura, uma mãe feroz, uma leoa, que toma conta da sua matilha e que anda entre feras. Ela também é uma fera de adjetivo feminino e a cada uivo anuncia e desperta os seres para o jogo. Ser feminino este, que ajudei a parir. Naquele instante pari a mim mesma. Agora me lembro, depois do tal cigarro, ocorreu um parto. Eu estava lá, e ajudei a trazer a coisa, antes de tudo isto, nasceu o universo, será eu essa coisa? Coisa que chamam de universo?

Mas no dia seguinte de minha morte, consegui ressuscitar. E após esse ritual de purificação os seres levantavam ao meu lado. Umas coisas, as quais não sabem o que são, mas ficam ali a brincar com água, são jovens demais, estão perdidos, mas brincam e sacodem seus panos esvoaçantes, suas transparências, sua fluidez, sua Dança -II, suas águas, que respigam suavemente pelas peles rígidas, lisas, juvenis. Quanta beleza existe nos sonhos mais ingênuos dos iniciantes. Ainda lembro-me, por volta dos onze, doze anos, acreditamos que o beijo pode mudar o estado do corpo e gerar crianças, e que ao crescer seremos grandes o suficiente de mudar o mundo. Recordo ainda, de disparar o coração ao ver algo ou alguém que aparece pela primeira vez ou que nunca mais veremos, com uma dor infinita da partida.

São essas espécies de seres que habitam com suas músicas e penetram meus ouvidos. Não suporto mais tanto contraste de dor e felicidade juntos no mesmo lugar. Porque não poderia existir simplesmente só um estado por vez e tomar conta de tudo? Para não nos sentirmos tão só e praticarmos por alguns instantes um egoísmo dividido.

Finalmente, acabou. Consegui sair dessa cova. Meu corpo de ser vivente está em frangalhos. Estou em farrapos. Só tenho as plantas e flores para me cobrir, minhas vestes entraram em decomposição, meu vestido virou uma saia, em trapinho. Só restou um pedaço de retalho que mal cobrem os meus seios, são estes panos que se tornam minhas vestes, estou uma mistura de todas as minhas ancestralidades, com a pele lamacenta, com flores nos cabelos, um resto de saia, o dorso nu e uma máscara de buque de flores... plantas na minha face. O que me tornei? Que persona mítica de mim mesma sou agora?

Como poderei sair desse jeito? Não importa. Minha pele já deixou de ser eu há tempos, está só uma crosta de lama e barro. Estou craquelenta, rachando de tanta terra. Quanta fraqueza nas pernas. Uma moleza no corpo... é um sinal para deitar novamente. Mas antes de tudo vem a fome! Todo meu seu ser está faminto. Preciso de alimento. Como nutrir o meu ser?

Serei interrompida, mais uma vez pela vivente que me conduz. Traço aqui uma relação dialética entre a fome citada pela persona-mítica com a ideia do Canibalismo literal da ação de comer e do Antropofagismo Cultural, na ótica da autora Georgia Quintas no seu livro Antropofagia: As Várias Dimensões Antropológicas. No livro ela comenta as diferenças entre o Canibalismo masculino e feminino:

O canibalismo presente no Brasil foi considerado por Jean de Léry como um universo de vingança, especialmente, masculino. Pois, tratava-se de ser um ponto de honra, fruto de uma conduta viril que movimentava as violências guerreiras alimentares. Ao contrário dos homens que suplantam seus adversários e devoram como ato simbólico do desfecho de uma vingança, as mulheres, para Jean de Léry ritualizam a feitura da carne demonstrando uma disposição animal em degluti-la. (2008, p.12).

Isso nos faz perceber que no ato canibal para os homens ocorria uma relação de devorar como ato simbólico do desfecho de uma vingança enquanto para as mulheres era de ritualizar a feitura da carne, de ingerir como alimento. Ou seja, assim como nas mulheres Canibais, a figura da minha construção tem o ato de devorar, também ritualizado em sua cena final ao comer as suas próprias flores, para fim de nutrir e se restituir através do alimento. Este ato reforça as características da minha Mãe Terra que devora sua própria carne para gerar a vida. Outra analogia que podemos fazer é a partir dos seus ciclos de decomposições, erosões, como na eterna ação de contração e expansão da natureza, dos estágios de vida e morte, todos esses símbolos se encontram nesse ser feminino da minha persona mítica antropofágica.

Faço mais uma pausa, para trazer as impressões da primeira, de algumas ou alguns viventes quer virão dar seus depoimentos escritos ou ditos sobre o Éter e esta Sobrevivente Selvagem que te fala. A ser vivente, escreveu o seguinte depoimento:

“Percebi que você não sabia quem eu era, na condução, já que você não conseguia enxergar com as plantas no rosto e havia essa duvida quem levava quem? E então, percebi que ainda não estava ali a sua persona, não estava definida durante o percurso entre você e ela. Uma coisa muito da Performance. Então, ela vai chegar mesmo, é no circulo, como num ritual Xamânico. Gosto do lugar que vocês nos levam, acho incrível, um lugar pré- linguístico, e ai me incomodam de levarem para as línguas estrangeiras, algo atual. Amava estar naquele lugar, estava num transe e depois lembraram que eu estava numa encenação, fazer a gente ficar juntos e depois separar, talvez essa era a proposta. É um caos bom de ser visto, não sei se precisava ficar tão no escuro, gostei dessas viagens de linhas retas, elásticos, tempo, dos figurinos, dos efeitos, de corpo, tecidos, movimentos e peles”(Lina Bel Sena, atriz, professora de teatro e diretora do Grupo Cores, 2017).

Onde estávamos minha vivente? Algo agora acontece, ouço ruídos, uivos, deve ser ela, a mulher lobo, mas juntos a ela aparecem outros seres, com sons incompreensíveis, gemidos, grunhidos, gritos, tanto barulho. Um tambor seco tribal soa e se mistura aos barulhos que crescem. As feras estão soltas, o centauro andrógino do fogo, grita, corre, esperneia, bate, luta, arrasta com seu vulcão aqueles e aquelas que estão no seu caminho. O que tanto deseja esse ser? Mistura de erotismo, violência, estupros, o que tanto quer esse ser que se esfrega e roça tanto sua carne nas coisas vivas?

Estou trocando de pele. Estou rastejante... ela esta vindo, meu ser está se metamorfoseando novamente, meu arrastar me transformou em cobra coral. Desse modo, personifiquei o mito, a lenda da cobra que eu ouvia dos Índios. Estou naquela parte que é a representação em bicho da entidade do Caboclo. Minha persona mítica, através dos sons, como o chocalhar serpenteado do jovem com o maracá, acionou mais um ancestral meu, e virou o jogo. Trouxe essas memórias. As imagens estão brotando, se materializando, estão se fazendo presente.

A lenda da cobra, a entidade ou o ancestral do Caboclo da Cobra Coral ou mito do Orixá Oxumaré29, estão todos juntos nas memórias provocando materializações, que ouvi e vi

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Orixá Oxumarê, Deus dos ciclos, é ligação entre o céu e a terra, representa o feminino e masculino, a cobra que envolve o mundo, o arco íris como símbolo dessa união, irmão de Obaluaê e filho do Orixá Nanã. E na

tantas vezes nos Quilombos pelos quais caminhei, ou foram nas senzalas da Casa Grande? O mito me pegou ou fui eu que peguei o mito? Agora não vem mais ao caso, mas sim que meu corpo está se mexendo e rastejando como na dança da cobra, a dança do Orixá, a partitura do movimento, traz seus gestos, pesos, formas ao trajeto no jogo. Enquanto um braço segura a máscara de plantas que cobrem o rosto o outro busca em seus movimentos alongar para frente... é o gesto de uma cobra andando com o prolongamento do meu corpo que acompanha. Depois, ao poucos, como se quisesse fazer um movimento da troca de pele, faço passadas das

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