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Respeitando uma ordem aparentemente sem nexo, dou início utilizando a música de Hebert Vianna, que em si é um mundo, ou uma totalidade, e, ao mesmo tempo, nada mais é do que uma pequena parte de uma totalidade ainda maior. Essa música fala de olhares velhos e novos, descobertas e redescobertas. Expressa assim, a dinâmica de criação e recriação, na qual o observador cria a realidade que o transforma e consequentemente cria uma nova realidade como um diálogo entre um Eu e um Tu.

Pessoalmente, essa música traz um significado ainda mais profundo, no que se refere à elaboração deste trabalho e à conexão com o emocional e o processual de tal criação. Música tem o lugar de voz da alma no meu caminhar, portanto não poderia perder a oportunidade de incluir tal expressão. Assim sendo, a escolha se deu de forma bastante sincrônica. O tema do coração já havia se confirmado neste trabalho, mas esta música ainda não tinha sido escolhida. Fui, então, ao show dos Paralamas do Sucesso. Acontece que eu sempre vi os olhos de Hebert Vianna como a janela pro seu coração, e isso sempre teve uma grande ressonância com o meu. Quando achei uma música dele que falava da teoria que eu havia estudado nessa disciplina, não percebi, no primeiro momento, que falava dos olhos e consequentemente do coração.

É preciso, no entanto, compreender de onde apareceu esse coração. Inicialmente, nem mesmo lembrei dele. Ao iniciar o curso, foi pedido que se tivesse em mente um futuro trabalho, que não deveria ser pensado. E assim se deu. A única coisa que eu tinha definido era utilizar da caixa de areia, pois o meu projeto era a esse respeito. Tinha pensado num movimento que envolvesse a caixa, e o tempo passou. Já bem próximo do final do semestre, a professora apresentou um exercício que certamente trabalhava o chakra do coração. Foi

uma vivência extremamente dolorosa, emocional e fisicamente. Ficou um buraco, na região cardíaca, aberto e doído por volta de dez dias. Obviamente, esse tema já fazia parte do meu processo interior e, como não podia deixar de ser, do meu processo em caixa de areia. O salto ocorreu após aqueles dez dias, pois uma imagem do coração esburacado revelou-se. Só que dessa vez, diferentemente das anteriores, ele veio com a cor verde irradiando do buraco. Sei que a cor do chakra do coração é verde, mesmo sabendo disto afirmo que essa imagem não veio do pensamento, mas sim de uma outra consciência, transcendente. Sei, portanto, que essa imagem não é a solução de tal tema no meu processo, mas estou certa de que houve um grande salto, uma pequena transcendência da dor.

Outro elemento utilizado para a elaboração desse trabalho foi o I Ching, também estudado na disciplina em questão. Ao I Ching foi perguntado a respeito da transformação desse coração e da apresentação deste trabalho. Como resposta à questão, veio o hexagrama 47: K’UN / OPRESSÃO (A EXAUSTÃO), acima TUI, A ALEGRIA, LAGO; abaixo K’NA, O ABISMAL, AGUA. Sendo que a primeira linha é mutante, levando ao hexagrama 58: TUI / ALEGRIA (LAGO), acima TUI, A ALEGRIA, LAGO; abaixo TUI, A ALEGRIA, LAGO. Aqui vemos mais um aspecto desse coração e também se pode ter uma ideia do movimento para tal transformação. Apesar de toda idealização, o resultado final ainda pertence ao mundo das possibilidades, pois esse destino ainda está se formando, ou seja, se criando.

Acredito que este trabalho seja o resultado de um salto criativo, pois algo novo e distinto foi criado sem que se possa realmente dizer como, algo transcendente aparece. A finalidade desse processo de expressão é tornar os conteúdos inconscientes acessíveis à consciência de forma simbólica e, portanto, aproximá-los de uma compreensão, dificultando assim, a cisão entre consciente e inconsciente. Isso só é possível através do diálogo amoroso e dialético das partes em busca de sua síntese, que não acontece sem a dor, pois onde há o amor, há a criação e a dor.

Considero este trabalho acadêmico como uma elaboração de um processo criativo, representado pelo diálogo entre consciente e inconsciente que auxilia no processo de individuação, transformando a atitude consciente e levando-a à sua ampliação.

Segundo Jung, o processo de individuação, que tem por finalidade a totalidade ou unidade do ser, aparece como um impulso natural da psique. Sendo assim, a arte surge espontaneamente como expressão desse processo em direção à totalidade psíquica. Logo,

considerando esse processo integrado ao sandplay como um agente dessa expressão, cabe observar o caminhar dessa linguagem estética a uma contextualização individual e ao mesmo tempo coletiva.

A seguir, temos a imagem do cenário em questão.

Fig. 10

Como disse, essa imagem tomou forma na caixa feita para a conclusão do curso da profa. Laís. Ali, ao som da música de Hebert Vianna, foi feito um coração na areia molhada com um buraco grande no meio e pedras vermelhas dentro, em cima e ao redor dele. Sobre esse vermelho havia, no entanto, pedras verdes do centro para fora e ao pé do coração, dois pequenos corações (um prateado e outro dourado), que para mim ecoam como uma síntese de opostos, ou a própria Temperança do Tarô. Esse cenário teve uma qualidade emocional semelhante à imagem que tive de uma mulher dourada no centro de uma cruz branca que saía do coração de Hebert Vianna, trazendo uma mistura de dor e luz. Acredito ser este um exemplo do localizar e dar forma a imagens que buscam expressar algo até então não manifesto, e, ao se fazer podemos vislumbrar uma pequena silhueta da nossa própria alma que, ligada ao divino, reflete também uma totalidade.

Através da representação das dores do coração e de seu dilaceramento foi surgindo um sentimento amoroso totalizador, pois dilaceramento e união são duas faces da mesma moeda. Acredito que o tema do coração abranja suas dores e seus amores paradoxalmente unidos em sua totalidade.

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”

Vinicius de Morais

As próximas imagens foram fotografadas na sequência de seu processo de execução, que se deu em vários passos. Um fator atípico foi a parceria em sua criação: meu amigo me pediu para fazer uma pessoa com uma pedra em cima, e a sequência foi criada por mim e por minha necessidade (pessoal) criativa e estética.

Fig. 12

Fig. 13

A impressão é de um coração no centro de um tórax, de um tronco humano, o que remete ao centro energético representado pelos chakras mencionados anteriormente. Esse tronco humano vai se ampliando como ondas se expandindo, como raios de uma pedra que cai na água. Há uma pedra jogada no espaço interno, a repercussão desse impacto, suas

reverberações, dor e amor impacto de uma experiência e sua ressonância e reverberação. Remete-me também ao cenário anterior, dos círculos, no caso a espiral ou galáxia, que tem o mesmo sentido de expansão, de eternidade e ampliação. O coração parece ancorado nos quatro cantos. O redondo no centro e uma moldura (nos quatro cantos) dando continência. Não está extravasando. Entendo essa continência como uma forma de diferenciação necessária, entre individual e coletivo, para que com a evolução o indivíduo possa, então, voltar-se ao coletivo, ao universal, ao transpessoal. A manifestação do chakra do coração nos dá essa oportunidade de amadurecimento.

A forma do desenho na areia pode ser a de coração, ou ser remetida também à forma da maça, fruta da árvore do conhecimento. Ruth Ammann (2003) fala do uso da maçã no sandplay como um aspecto do feminino, muito usado por mulheres, expressando vitalidade e fertilidade, um símbolo antigo de Vênus/Afrodite e Isis (deusas do amor). Direciona ao que poderia ser, o amor que poderia ser, o amor esquecido e relegado, e também ao renascimento do amor, pois essa imagem não está com sangue, podendo significar um recomeçar, a geração de algo novo e, nesse momento, sem dor. Coração de pedra pode representar o fim de um processo, o que daria início a outro. As duas estrelas, uma próxima da outra, uma para baixo e outra para cima, representam uma unidade que se dividiu, que se abriu, se separou - tema recorrente até o momento, que agora vem, em qualidade e forma bastante diferenciadas, pois essa separação agora não está envolvida em dor. Algo internamente quer se abrir, e esse abrir- se, diferente do primeiro coração, aberto pela ferida, foi transformado na imagem das duas estrelas e agora pode se ampliar, abrir-se para o novo, para novos encontros. As duas estrelas estavam muito sobrepostas e se separaram, resultando no caminho do um para o dois. Gostaria de sinalizar, ainda, que a presença dessa parceria, traz um encontro musical de alma, pois duas almas se encontraram na música, dando início a uma parceria no caminho da música, caminho do meu coração, caminho da minha alma.

Todas essas imagens simbólicas já haviam sido transformadas, antes mesmo da transformação na vida objetiva. Houve uma transcendência simbólica que continua em processo e aprofundamento amoroso criativo no fio condutor do sandplay. Lógico que a dualidade ainda permanece no cenário, pois o símbolo é inesgotável e o processo de individuação interminável (mesmo considerando a finitude do indivíduo na morte, em termos transcendentes universais ele é eterno “da idade do céu”). O yogue enterrado estaria aqui na

polaridade do dois, trazendo o um e o dentro entrar, descobrir o que tem, o aprofundar-se, dar continuidade ao processo que muitas vezes é acompanhado da solidão e da dor. O yogue com a colossal pedra em cima também lembra o mito de Atlas, aquele que carrega o mundo em suas costas.

O desenho do buraco parece uma flor - devo lembrar que a flor de lótus faz parte do símbolo de anãhata, parecendo haver uma reverberação de algo muito concentrado, que, aos poucos, se torna menos concentrado e expandido deixar olhar para dentro, uma parte própria que se revela, uma parte devocional, enterrada e protegida. Essa flor lembra um hibisco, tipicamente usada em atos devocionais na Índia. O yogue representa a faceta, ou parte, que se preserva e recolhe. Há uma gestação nesse preservar-se, uma gestação do símbolo, que será revelado em uma próxima criação, um próximo encontro. O símbolo fica sendo gestado e aí aflora e gera o dois - o um que se transforma em dois, fato várias vezes ilustrado neste trabalho. Há então o vazio da criação, do nascimento, que só deixará de existir no próximo encontro criativo da fecundação da nova imagem. O yogue é colocado dentro de um tubo profundo, com um “caminho de minhoca” (localizado no universo com o início no buraco negro). Ele vai fundo, vai longe, na profundeza, no âmago da terra, do espaço, do universo e do tempo. Está em algum lugar porque é o seu lugar ou tem que estar nesse lugar. Esse parece ser o questionamento paradoxal, pois ambas as possibilidades são verdadeiras.

Na sequência apresento dois desenhos feitos em ocasiões diferentes como parte da aula de Dança Criativa do professor e mestre Paulo Baeta. O desenho “Coração balão” foi feito após algumas improvisações de dança. Ao fazê-lo, houve um sentimento de dor, no entanto, não foi uma dor identificada pessoalmente, mas aparentemente uma dor de outrem, percebida, ou, talvez intuída.

Fig.14

Associei o desenho à imagem de um balão, de uma bola de soprar que é impedida de voar. Algo a prende ao chão, à terra. Acredito que tal aprisionamento se dê no nível emocional do complexo. Uma coisa sólida (a pedra) poderia ser a própria pedra aprisionada, a pedra filosofal dos alquimistas, ou como foi dito antes, nosso purusha e, no conceito de Jung, o Self.

O próximo desenho também foi feito nas mesmas circunstâncias do anterior, mas em outra data.

Fig.15

Há um eixo e um movimento circular à sua volta, e no centro desse eixo há um coração vermelho, com um núcleo iluminado pelo amarelo. Os dois temas se encontram no centro, no coração, pelo centro passa o eixo. A síntese se dá no centro o redondo e o reto, feminino e masculino, integram-se no centro, no coração que em si une sentimento e intuição, ou mente. O eixo também representa as camadas, e podemos associá-lo ao símbolo da cruz, comentado anteriormente. O centro remete a uma pedra preciosa, um coração de rubi, à pedra filosofal, reforçando assim o que vem sendo dito. O roxo relaciona-se com tristeza, luto e espiritualidade; o amarelo, à intuição, ao brilho, ao dourado, à luz do sol, a uma experiência forte que é penetrada pela luz; o vermelho, um pouco comentado anteriormente, está ligado ao amor, à encarnação e à emoção; o azul, por sua vez, a algo não carnal, distanciado, mais

frio, o não tão próximo ou envolvente, o mental, o espiritual e o não-encarnado. Na união do azul com o vermelho produz-se o roxo, cor usada no desenho de forma predominante. Essa cor pode representar uma solução criativa da imagem na integração dos opostos, mantendo, no entanto, o fio simbólico condutor. O centro é o centro vital e psíquico.

O próximo cenário foi feito na minha qualificação, com areia molhada, tendo o apoio musical de Ligia Thomé que cantou duas músicas à capela.