• Nenhum resultado encontrado

Fig. 17

Há um buraco no centro do coração, repetindo o tema do túnel e do yogue no cenário anteriormente discutido. Entretanto, o um passou a ser dois, pois no centro encontra-se um casal rodeado por pétalas de rosas vermelhas. Há várias feridas no corpo do coração, que tem sua coloração vermelha feita de pedras, sementes de pau-brasil e pétalas de rosas. As

sementes de pau-brasil trazem a simbologia de algo que pode vir a ser, um resultado, algo novo, criativo e também algo nosso, representado pelo pau-brasil.

Dessa vez, há a variação simbólica no material utilizado para tal cor, deixando um ar de vida, fertilidade e amor, associados à dor, que se mostra mais amena. Há uma gota cristalina na parte inferior do coração e, acima, volta a deidade com o alaúde rodeado de quartzo rosa, cristal do amor. Na parte inferior do coração há uma pessoa só, e à sua frente uma cruz de madeira. Em cima do coração, contornando a pessoa e o centro, estão as teias negras, que reaparecem aqui semelhantes aos espinhos no desenho “Coração balão”, um tipo de arame farpado. O casal remete às estrelas do cenário da pedra sobre o yogue. Reaparece a música, representação do sentimento, que se mostra como o que prende e o que pode libertar - e a própria música seria um instrumento simbólico e criativo para tal libertação. O tema da coniunctio se mantém e eu diria ser o corpo central desse processo simbólico criativo, sendo simultaneamente um tema individual e coletivo: aquilo que todos buscamos, sair do um para o dois, preservando a unidade, a totalidade. Quando o arquétipo predomina (Jung,1991), quando se mergulha num processo muito denso e profundo, é necessária uma preparação para encarar tal jornada. Esse, distanciar-se e aproximar-se parece se refletir no movimento de ampliar e aprofundar como visto na imagem cósmica: distante lunar (estrelas) e na imagem mais profunda e visceral (coração). O eixo mantém-se nesse cenário com o cristal (lágrima/gota) e Shiva com o alaúde, assim como em suas polaridades, mineral e espiritual. Está presente no tocador uma totalidade, uma consciência maior espiritual e universal (simbologia do alaúde e de seu tocador usada anteriormente). O cristal, a menina, o casal e Shiva estabelecem um eixo, remetem ao número quatro (símbolo da totalidade) e ao chakra do coração (o quarto, independente da direção).

O fio simbólico temático vai por dentro e se mantém na série, no tema do coração, do eixo e da coniunctio. Temos o centro em seus vários aspectos, as duas estrelas ou o casal, centro do âmago amoroso da alma. A gota (cristal) transparente e “sélfica” representa o espiritual entrando no material. Já a divindade com o alaúde simboliza também o material entrando no espiritual. Tem-se, portanto, o individual e o cósmico, o limite, a mesma dor, porém diversificada pelo espaço de dentro e de fora, do individual e do coletivo, a dor do mundo e a dor individual diferenciadas. Essa dor pode ser uma forma de se estruturar, de ganhar o eixo necessário para a jornada. Eis um bordado de farpas e dores que seja algo estruturante e

esteticamente bonito como uma ornamentação, uma tessitura de vida, uma tela básica. Talvez signifique fortalecer-se pela luta e com a ajuda do criativo que proporciona a elaboração. Segue agora o primeiro cenário da série escolhida, feito com areia seca, e trazendo o coração total e sem feridas nem sangue.

Fig. 18

Esse cenário traz um coração inteiro desenhado com detalhes sinuosos e características lunares. Belo, mas intocável, bem frio. Um olhar encantado ou encantando. Há uma face, distante. As quatro estrelas nos cantos denotam uma ancoragem como que com “flores” de vidros azuis. Brilhos por toda a parte reforçam o aspecto da fantasia, com o uso de metal, pedra e gelo. Há um contraste entre a Mãe Terra, instintual, corpórea, uma mãe que expressa a maternidade instintiva - e a Mãe Lunar - figura espiritual, cósmica, rainha do céu à noite, anima mundi ( Ruth Ammann, 1996). Tem algo solar no brilho do metal, o resto é todo lunar, preso ao reino das mães, o mundo lunar do feminino.121 O solar é a consciência o lunar o inconsciente. Algo lunar é pouco palpável, difícil de alcançar, pois escapa. Assim como a gazela e a característica de Peixes (meu signo), esquiva-se, é muito sensível e precisa se proteger. O desenho evoca o eixo e o centro se formando lembram o desenho.

Há uma volta para o eixo, mas agora de maneira mais elaborada. O centro vai para o terceiro olho (saindo do plexo solar, ou do chakra do coração, para o terceiro olho). A elaboração está numa dimensão mais sutil.

O último cenário também foi feito em areia seca e representa um ritual, que converge para a finalização deste trabalho. Aqui aparece o fogo pertencente à simbologia do coração.

Fig.20

O coração agora se apresenta com uma união de cores: vermelho, preto, transparente e cor- de-rosa. Há muitas facas e objetos pontiagudos fincados nele, e também três cruzes e muitos símbolos de morte: (cruz, vela, lírio; Lilly, flor de Perséfone, deusa grega do Hades), vermelho e preto (vermelho: paixão, sensualidade, fogo, vitalidade intensificada; preto: estagnação psíquica, luto, morte, plenitude ou total falta, o não-diferenciado, o caos). No centro, há uma estaca e, abaixo, um coração de quartzo rosa, seguido de uma cruz de madeira e uma gota de cristal. Sem dúvida, há um ritual marcado pelas velas acesas e pela figura, meio humana e meio serpente, que carrega um coração nas mãos, como que em oferenda. Esse cenário parece menos distante do que o anterior. Agora, não é só a vivência, e sim o sentimento avaliando o próprio processo. Variações e gradações representadas pelo processo de transformação: dor, morte, renascimento. Há o sacrifício, pois a divindade faz a exigência de um sacrifício, pessoal e arquetípico diferenciados, ou separados pelas pétalas de lírio, que dão o limite, o contorno diferencial. Há também, um binômio da dimensão terrena, que precisa da dor, tema da estruturação, da vida -, e o chamado do brilho, das estrelas, do espiritual. O ritual traz um temenos protegido e devocional representado pela vela acesa. O coração, a cruz, a estaca, a vela, o sangue, todos trazem e unificam-se no tema do sacrifício. A luz está presente, há um ritual e uma oferenda.

As cruzes têm densidades e materiais diversos, sendo pedra, madeira e incenso, diferenciando a percepção de como vivo o processo que vai se depurando e se concentrando. O tecido da própria alma a tessitura da alma se expressa nessas grandes diversidades criativas. O que se vive ao fazer o sandplay é alquímico e transformador, sabe-se sem saber. A sabedoria é maior do que a razão lógica.

Com esse ritual e sacrifício, encerro tal momento do processo de diferenciação (ou de individuação) que foi vivido pelo amor, mas não sem as suas dores.

CONCLUSÃO

“Um sentido agudo dos matizes me atormenta. Sinto-me colorido de todos os matizes do infinito. Nesse momento, eu e o meu quadro somos um só. Somos um caos irisado. Vou ao encontro do meu motivo, perco-me nele.”

Cézanne

Dei início a este trabalho com música e pretendo terminar da mesma forma, afinal, esta é minha maneira de lidar com o mundo e com o simbólico. O simbólico se enriquece entremeando-se de outros simbólicos, ao tecer o fio musical de uma harmonia que descreve uma vida, ou a vida. Considerando o tema proposto do coração, do amor e da criação, gostaria de trazer as palavras de uma canção de Chico Buarque, na tentativa de um recorte específico de tudo o que foi dito até aqui, mas agora não mais buscando a organização acadêmica para tal compreensão, mas sim uma criação artística amorosa, que reluz de um coração e permite que se veja a silhueta de uma alma.

Pedaço de Mim