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Filosofia da Filosofia

No documento Hélio de Negreiros Penteado Filho (páginas 51-56)

1 FILOSOFIA E CIÊNCIA JURÍDICA

1.9 Filosofia da Filosofia

Se nosso questionamento se volta para o que é esse ser – filosofia? Ou seja,

questionar filosoficamente sobre a filosofia, fazendo o questionamento voltar-se ao mesmo objeto questionado – o que é isto e o que é o ser (da filosofia) podemos dizer que estamos falando filosoficamente da filosofia, e isso, essa reflexividade é um atributo que a difere das ciências. Esse atributo permite que a filosofia seja um objeto a ser conhecido por ela mesma.

Pensar filosoficamente sobre o direito nos leva a entender o fenômeno direito por diversos prismas como o ético, o metodológico, o estético, o teórico, sociológico, antropológico, o científico e outros, assim como nas relações de poder do direito estudado como ciência social aplicada ou como teoria geral do estado onde acontece como poder de polícia, poder de estado, poder de dizer o justo e tantas outras relações que possam emergir das antigas e novas aplicações dos diversos entendimentos do direito.

Em nenhuma outra forma de pensamento como na filosofia da filosofia, o objeto observado pode ser o próprio observador no mesmo processo de observação. Eis o pensar filosófico que do ponto de vista científico não progride em uma solução de continuidade, mas sempre volta às mesmas questões de onde surgem esclarecimentos ainda não suscitados antes. Essa circunstância de a filosofia colocar- se a si mesma como uma questão para ela mesma resolver define seu caráter aporético. Aporia, do grego: aporia51 - pode ser entendida como uma dificuldade

lógica oriunda do fato de haver ou parecer haver razões iguais, tanto a favor quanto contra uma dada proposição, do grego: aporia, “caminho inexpugnável, sem saída”, “dificuldade”. Pode ser entendida mesmo como uma dificuldade, um impasse, um paradoxo, uma dúvida ou incerteza referente a autocontradição que impedem que o sentido de um texto ou de uma proposição seja determinado.

51 Guerra Filho, Willis Santiago. A Filosofia do Direito aplicada ao Direito Processual e à teoria da

Ao estudo das aporias designa-se de Aporética. Aristóteles definiu a aporia como uma “igualdade de conclusões contraditórias”, na filosofia de Zenão de Eleia52, por exemplo, podemos falar de aporias nos juízos sobre a impossibilidade do movimento. Mais tarde, alguns autores designaram certos Diálogos platônicos como aporéticos, isto é, inconclusivos. Mais recentemente o termo vem sendo utilizado com frequência por autores do desconstrucionismo como Derrida e Paul de Man, que parecem ser os responsáveis pela utilização do termo dentro da teoria literária do pós- estruturalismo. A aporia é identificada pela leitura desconstrutiva do texto, que terá como fim mostrar que o sentido nele inscrito atingirá invariavelmente o nível da indeterminação ou da indecidibilidade como no teorema matemático da incompletude. Uma aporia é um núcleo que cria uma tensão lógico-retórica que impede que o sentido de um texto possa se fixar - um texto, por definição, conterá sempre aporias que servirão para mostrar que esse mesmo texto pode querer dizer algo que escapa a uma qualquer leitura convencional. Nem o texto nem o seu autor estão obrigados a ter conhecimento prévio ou consciência da presença de aporias. Compete ao leitor, pela desconstrução – se, se quiser segundo os exemplos de Jacques Derrida e Paul de Man - identificar tais impasses. Os efeitos do que na desconstrução de Derrida se chama différance dependem da presença inquietante destas aporias. E é assim, por meio de uma aporia, que Aristóteles na Metafisica53 caracteriza a pergunta pelo Ser com o a pergunta que desde sempre e para sempre se recoloca, sem que dela consigamos escapar, por não nos deixar saída.

“E assim, no passado como agora e também sempre, para onde se encaminha (a filosofia) e onde jamais encontra acesso é: que é o ente? ” (Metafísica, Livro VI)

Não podemos de deixar de enfrentar questões aporéticas e a mera tentativa de solucioná-las já poderá ser bastante instrutiva. Todavia, quando um saber depende da resposta de uma dessas questões, ou seja, as soluções de diversas outras

52 Ano 490 a. C., filósofo pré-socrático da escola Eleática (que nasceu em Eleia), hoje Vélia, Itália.

Discípulo de Parmênides de Eleia, defendeu de modo apaixonado a filosofia do mestre.

questões não aporéticas, dependem da solução de uma aporia, essa questão aporética termina por resolvida, ou, se dá um entendimento comum a ela, inquestionável, o que evidencia uma natureza dogmática da filosofia, entendendo dogma como opiniões transformadas em respostas confiáveis, dignas de fé, ao que não se pode responder definitivamente (aporia).

Atribuir tal natureza à filosofia não é condená-la ao dogmatismo que recusa a discutir seus dogmas tornando-os imunes às críticas54 como coloca Tercio Sampaio Ferraz Junior: aporias são questões que tem a si mesmas com objeto e não se pode pretender solucioná-las de todo e definitivamente, mas apenas optar por uma das possíveis soluções, encerrando o questionamento, que tende a ser infinito, com determinada solução – a qual, de fato, não resolve, mas penas dissolve, momentaneamente, o problema55.

Um dos grandes debates na esfera da Teoria do Direito é o confronto entre as teorias de sua validade do Positivismo Jurídico versus o Jusnaturalismo. Eis uma questão a ser tratada pelos debates filosóficos no campo jurídico. Hegel56 na obra Princípios da Filosofia do Direito, apresenta uma visão histórica do direito e não considera a legislação isolada e abstrata, mas sim um elemento condicionado de uma totalidade e intimamente ligada com outras determinações culturais e sociais que constituem o caráter de um povo e de uma época. O cuidado que o autor exige do leitor é para o risco de supervalorizar esta visão histórica, e esquecer da importância para o conceito atual da coisa (direito) que é o resultado de um processo cultural, mas é também um resultado dado conforme o tempo vivido. Assim deve ser considerado o equilíbrio da gênese temporal com a gênese conceitual. A solução dessa disputa só se dará na superação pela dialética de Hegel.

O autor estabelece uma forte crítica ao positivismo na medida em que sempre fará uma simples e singular determinação das instituições jurídicas e dos indivíduos. A consequência principal do positivismo para o autor é a negação da liberdade, ou seja, estabelece a fúria destruidora do indivíduo, por exemplo, ao tentar impor um

54 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. A filosofia como discurso Aporético. 55 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Filosofia do direito, p. 18.

estado da igualdade universal ou da vida religiosa universal. No direito, para Hegel, o positivismo faz as regras do que for unicamente validado pelo Estado, pelo ente competente para tanto, criado por essas mesmas regras, mesmo que fora da realidade social e temporal, desconsiderando circunstâncias interiores do fato. Isso faz do direito algo irracional, lesando o seu próprio conceito, pois o reduz ao mero princípio da autoridade. Esta identidade meramente formal do direito elimina todo o seu conteúdo e toda a sua determinação e a ideia de legislação deve ser o reconhecimento do conteúdo como definida na universalidade, e a realidade efetiva demonstra que é imperfeita, algo inaceitável ao positivismo que exige que os códigos sejam perfeitos, sem lacunas e absolutamente acabados.

Por isso a necessidade requer que o conceito de direito seja demonstrado por um outro método que não o demonstre como um teorema geométrico pois se assim o for as aporias contidas no direito seriam concretizadas em dogmas absolutos, binários, em desencontro com a realidade. Hegel coloca a dialética como método, dialética essa que contrapõe a individualidade com a universalidade e o resultado dessa contraposição é uma superação das primeiras, mas que estão contidas nessa solução dialética hegeliana. Diferente da dialética negativa platônica, essa dialética superior do conceito que busca atingir o contrário de uma representação para então aproximar da verdade entendida como o meio-termo entre as proposições iniciais. A solução dos contrários se dá pela própria ideia que o sujeito tem da realidade como, por exemplo, com o direito de propriedade.

A base filosófica do espírito fenomênico de Hegel, e talvez de todo o seu pensamento, pode ser colocada como a vontade natural contraditória do indivíduo que se relacionando dialeticamente com as vontades naturais contraditórias de outros indivíduos, alcançam uma solução superadora do impasse. O pensamento, para o filósofo, progride do conceito do indivíduo para o universal e esse progresso consiste em ultrapassar a vontade que só existe para si para a vontade universal. O destino dos indivíduos está em participarem desta vida coletiva, no qual a individualidade e a universalidade só podem ser aceitas no respeito mútuo. Esta unidade é representada na máxima de Hegel de que somente tem deveres aqueles que têm direitos. A injustiça para o autor, portanto, é querer tornar indevidamente o particular em universal. E recomenda que religião seja a consolação e esperança para as injustiças, principalmente nas épocas de miséria.

Assim, a ação tem que ter razão de obrigar o outro para se justificar e se desenvolve em processo dessa dialética com outras ações. Os resultados devem estar em conformidade com a necessidade e não com a mera vontade de um deles. Não aceitar isto é a manifestação do mal natural do indivíduo, pois desta conformidade é que surge a identidade do indivíduo com as Leis e as instituições. A realização do dever e do direito, que está representada na forma de leis e de princípios, liberta-o dos instintos naturais, e da subjetividade indefinida. Na aplicação concreta a preocupação deve ser o equilíbrio entre a forma e o conteúdo, o que deve ser resolvido são os conflitos jurídicos propriamente ditos, como em um julgamento, a definição da intenção do agente é uma convicção subjetiva do juiz, a certeza da consciência, que retira do direito a possibilidade de aplicação de um raciocínio matemático puro e simples - e eis o porquê de uma máquina, por enquanto, ser incapaz de dar a melhor e mais proporcional solução para um conflito de interesses.

A formalização da universalidade, como explica Hegel, é a sociedade civil, convergida na Constituição do Estado Democrático de Direito onde essa sociedade civil é particionada em classe substancial, industrial e universal. A classe universal é aquela que universaliza os interesses. A divisão política administrativa do Estado - legislativo, governo e o príncipe, de onde do legislativo se espera trazer até a existência a consciência pública como universalidade, do Governo a interposição dos indivíduos, e administração e julgamentos conforme as decisões do monarca e do príncipe a suprema vontade de todo o poder e o seu poder vem de Deus.

A inevitável aporia do pensamento nessa obra é o estabelecimento de todo um método que defende o direito de filosofar como símbolo da liberdade, e ao mesmo tempo estabelece uma obrigação de obedecer a autoridade suprema do monarca. Hegel é um filosofo democrático ao mesmo tempo que é um político autoritário e extremamente crente na burocracia Estatal como solucionadora eficiente de procedimentos. O autor, em sua individualidade, rompe com o pensamento positivista, mas na coletividade prega a obediência ao absolutismo prussiano, talvez por ideologia ou mesmo convicção partidária. Mas pensando nesta aporia jurídica trazida, que tem como base a coisificação da liberdade, uma vez que Hegel entende a propriedade como a primeira existência do homem livre, traz uma semelhança entre o direito à personalidade e o direito da propriedade. Trata-se de uma questão problematizada por ele mesmo, e o autor resolve de forma a entender que: "a

liberdade é uma peça de madeira a ser lapidada pelo indivíduo e entregue ao monarca, que então saberá como encaixa - lá no grande quebra cabeça que é a sociedade civil57."

No documento Hélio de Negreiros Penteado Filho (páginas 51-56)