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Jurisprudência Contemporânea

No documento Hélio de Negreiros Penteado Filho (páginas 134-138)

2 DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA JURÍDICA

2.9 Jurisprudência Contemporânea

O esforço de pensar cientificamente o direito já estava presente em Savigny, especialmente a ideia de sistema que inspira todas as fases do seu pensamento e que é uma das principais características do pensamento moderno como em Luhmann. No século XIX, essa busca de sistematicidade conduziu o direito moderno por duas grandes vertentes. De um lado, o iluminismo modernizador buscou sistematizar o próprio direito positivo, inspirando assim os movimentos de codificação. O principal exemplo dessa perspectiva é a do direito francês, em que a modernização e racionalização das próprias normas gerou um saber técnico, que se concentrava apenas na aplicação prática de um direito positivo cuja sistematicidade era pressuposta pelos seus operadores. Uma outra foi a do historicismo germânico, que se opunha ao racionalismo iluminista, por meio da afirmação de uma espécie de primado da tradição, que o aproxima de certos valores pré-modernos, especialmente de um jusnaturalismo que afirma a historicidade como um critério de legitimidade. Dessa concepção herdamos a ideia de que o direito não resulta das escolhas legislativas, mas que é fruto da vontade de um povo, revelada em sua própria história, e que por isso ele não pode ser encontrado em uma razão abstrata e universal. Assim, embora o historicismo se oponha ao jusracionalismo, ele não é propriamente

positivista, na medida em que afirma ser natural a validade dos ordenamentos historicamente construídos.

Com a crise da modernidade jurídica e a falência do modelo positivista, um reexame necessário e urgente com novos tratamentos cognitivos ao fenômeno jurídico para entendê-lo como um sistema plural, multidisciplinar, num novo paradigma de pensamento jurídico que, alguns autores chamam de pós-positivismo. Essa construção doutrinária da normatividade dos princípios vem trazer uma solução da antiga antinomia do Direito Natural e Direito Positivo.

Como vimos ao longo dessa análise histórica das escolas do pensamento jurídico, num primeiro momento, na fase jusnaturalista, os princípios eram mero reconhecimento de uma dimensão valorativa ao conceito de justiça advindos de uma abstração ideal, sem normatividade, entendidos como axiomas jurídicos, ou seja, um aforismo – uma ideia que encerra um preceito moral. A Escola Histórica inicia a teorização de princípios, e se desenvolve no positivismo jurídico, que deixam de ser ideias, abstrações do ideal sem nexo com o real, e passam a ser fontes dos códigos, fontes normativas subsidiárias. Com o fim do jusnaturalismo os princípios passam a ser recebidos como postulados derivados das próprias leis, pautas programáticas supralegais, mas sem a normatividade devida.

A partir das ideias de Dworkin, Müller e Alexy a força e a normatividade aso princípio de direito tomou corpo e a novidade com temporânea é que o pós-positivismo jurídico concebe princípios com uma dimensão normativa inédita, dotados de eficácia formal e material, assim o critério de validade das normas jurídicas deixa de ser meramente formal da estrutura de subsunção das regras e passa a exigir uma adequação material aos valores representados pelos princípios jurídicos. Assim a dogmática jurídica não pode ser estanque e se fechar em um método estritamente técnico, mecanicista e lógico formal como tinha feito até agora. Agora os valores inseridos nos textos legais passam a ser dotados de plena e imediata normatividade onde a solução do caso concreto deve estar em consonância com os princípios a ele relacionado sob pena de invalidade.

E é nesse ambiente teórico de normatividade de princípios que surgem as modernas constituições, como a nossa de 1988 onde os princípios não são mais meros ideais almejados ou fontes supletivas de integração e interpretação, mas

passam a vigorar como normas jurídicas principais e como mandamentos de maximização dessas normas.

A marca distintiva do pensamento jurídico contemporâneo que aparece em autores como Josef Esser e Ronald Dworkin que antecederam Drier e Robert Alexy e aqui no Brasil Guerra Filho e Paulo Bonavides, repousa exatamente na ênfase dada ao emprego de princípios jurídicos, princípios esses positivados no ordenamento jurídico de forma explícita ou implícita nas Constituições Federais dos Estados. Isso supera definitivamente o legalismo que permaneceu no positivismo normativista de Kelsen e Hart entre outros autores que entendiam as normas gerais de direito positivo se reduziam ao que hoje entendemos como regras conforme a teoria jurídica anglo- saxônica, ou seja, normas que permitem realizar uma subsunção dos fatos por ela regulados imputando determinada sanção.

Os Princípios, por sua vez, estão em um nível superior de abstração, sendo entre eles, igualmente hierarquicamente superiores, dentro da compreensão do ordenamento jurídico como uma “pirâmide normativa" ou hierarquia legal113 da Escola

positivista austríaca, liderada por Hans Kelsen, e, se eles não permitem uma subsunção direta de fatos, isso se dá indiretamente, colocando essas regras sob o seu "raio de abrangência”, concretizando-as até o ponto em que se dá sua aplicação, por meio de sentenças, decretos, portarias ou outro comando legal.

Verificamos, todavia, que os princípios podem se contradizer entre si, sem que isso faça qualquer um deles perder a sua validade jurídica e ser derrogado. É exatamente numa situação em que há um “conflito” entre princípios. Lembrando que entre princípio e regras não há conflito, pois, os princípios, mais abrangentes, têm sobreposição às regras que são menos abrangentes, portanto mais específica e rígidas. Nesse caso de embate entre princípios é que o chamado princípio da

proporcionalidade mostra sua grande significação, pois é o critério para solucionar da

melhor forma tal conflito, otimizando a medida em que se acata um e desatende outro princípio.

113 “Hierarquia do legal”, ou seja, a proposta de escalonamento normativo de um aluno de Kelsen por

Esse papel lhe cai muito bem pela circunstância de se tratar de um princípio extremamente formal e, à diferença dos demais, e de não haver um outro que seja o seu oposto em vigor em um verdadeiro ordenamento jurídico, daí a necessidade de se adequar o tradicional entendimento mecanicista, “newtoniano”, ainda predominante em Direito, à nova imagem do mundo surgida com a física relativista e quântica, no século XX, para entender, que o princípio da proporcionalidade requer o que ele preconiza – uma “curvatura do espaço constitucional” e também do jurídico, a fim de perceber que uma norma do topo da pirâmide normativa, melhor explicando, aquela que consagra o princípio da proporcionalidade, atua ali onde está o seu fundamento, que é a sua “base”, alterando-a, e, também entender, com os princípios quânticos da indeterminação e complementariedade, que esta norma – que bem pode ser tida como fundamental no sentido kelseniano - o princípio da proporcionalidade, tanto é (ou pode ser) princípio como regra, possuindo uma estrutura que viabiliza a subsunção de situações jurídicas de colisão de princípios, sem com isso se tornar, propriamente uma regra, pois há de ser entendido, antes e seguindo o modelo de Husserl, como o “princípio dos princípios” nas palavras de Guerra Filho, aquele que organiza a compreensão e aplicação ótima (otimizada) de um conjunto de normas, de juízos, contraditórios, tratando-os como contrários e compatíveis entre si.

Fato é que os princípios realmente estão em um nível maior de abstração que é superior às regras, e, se não autorizam uma subsunção direta dos fatos como as regras, o fazem de forma indireta, pois colocam todas as regras desse ordenamento sob sua área de abrangência, sob seu raio de abrangência como explica Santiago Guerra e, para entender como podem ser albergados, numa mesma Constituição, tamanha pluralidade valorativa como acontece em um sociedade democrática, sem adesão a uma moral ou ideologia única, como ocorre naquelas tidas por mais modernas - com possibilidade de que convivam de maneira minimamente harmônica, resolvendo suas contradições, é preciso que se leve em conta essa inovação marcante do pensamento jurídico contemporâneo, que se faz notar em autores como Ronald Dworkin, Drier, Robert Alexy e Santiago Guerra.

Esta inovação repousa precisamente no reconhecimento do caráter diferenciado das normas que consagram, diretamente, os objetivos maiores contidos na formulação e estruturação do Estado Democrático e os diversos direitos fundamentais que lhe são inerentes. Disso, resulta o seu reconhecimento como

princípios jurídicos, positivados no ordenamento jurídico, quer explicitamente - em geral, na constituição -, quer através de normas onde se manifestam claramente, para o tratamento dos problemas jurídicos.

No documento Hélio de Negreiros Penteado Filho (páginas 134-138)