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Filosofia na Era Pré-Socrática

No documento Hélio de Negreiros Penteado Filho (páginas 46-51)

1 FILOSOFIA E CIÊNCIA JURÍDICA

1.8 Filosofia e Direito no Ocidente

1.8.2 Filosofia na Era Pré-Socrática

Heráclito de Éfeso (500 a. C) talvez tenha inaugurado a discussão acerca do

“ser” e do “pensar” onde o logos supera a mythos. Todo o conhecimento é regido por uma lei do mundo, a razão do mundo de acordo com uma lei natural. O logos está na

physis como dispõe o Naturalismo, onde o homem pertence ao “ser”, determina-se como o que nele se recolhe, dele recebendo as suas próprias possibilidades. Já

Protágoras43 declina-se do pensamento cosmológico ao antropocêntrico onde a

palavra é pura convenção e não obedece à lei da natureza e chegamos assim ao Convencionalismo onde se nega a verdade objetiva e prevalece o subjetivismo desta verdade. Aqui há o embate entre nomos e physis que será o berço do positivismo científico.

Inicia a filosofia ocidental com a Escola Jônica ou Escola de Mileto – no século VI a.C. e podemos identificar aqui no ocidente, cujo um dos primeiros pensadores foi Tales de Mileto, que ainda não era conhecido na época pelo termo filósofo, expressão usada pela primeira vez por Platão no Teeteto.

Tales de Mileto desenvolveu estudos sobre os princípios que governavam a

organização do cosmos – a arkhé, ou seja, o princípio formador de tudo e organizador desse todo conhecido, assim como a natureza, a physis e o cosmos incluídos então o ser humano e o conjunto organizado deles - a sociedade. Pensadores dessa categoria eram conhecidos, então, como físicos, fisiólogos ou fisiocratas. Esse pensador era dado às questões de astronomia e geometria e descrente da mitologia religiosa que dominava o pensamento da época, dizia, talvez de forma irônica: “tudo está cheio de deuses”, ao mesmo passo que buscava a fundação do todo o princípio fundamental das coisas. Mas a ideia de justiça natural (não mais divina) ainda prevalecia na época, em um cosmos organizado o princípio organizador humano social era também a arkhe. Talvez observando os ciclos da colheita, a chuva e as intempéries, o momento do parto e os fluidos existentes nas plantas e nos animais,

entendeu ser a origem de tudo a água, e afirmava a contrapasso da frase anterior: “tudo é agua”.

Tales entendia então que a água era a explicação do todo subjacente, o princípio que rege a formação e transformações do universo, a arkhé a e physis, integrante de sua própria estrutura componente física, de sua matéria e de sua substancia. Nesse ponto há que se dar razão ao filósofo pré-socrático que foi senão o primeiro um dos primeiros a dar razões para o que afirmava, apresentando fundamentações e razões justificadoras dessa afirmação. Deu a explicação de tudo e do todo e a isso deu-se o nome de aletheia: sem véu, o descobrimento que chega a uma verdade pela razão. Difere da veritas que é a comprovada pelos fenômenos e difere da concepção de emunah que é a verdade alcançada pela confiança, pela “fé”, em grego “pisitis”.

Aletheia, sem véu, termo usado por ocultistas como Blavatsky44, mas melhor explicado por Heidegger em sua obra Parmênides, onde se ocupou exaustivamente nessa explicação. Diz ele “O que os gregos nomeiam com a palavra aletheia ‘traduzimos’ usualmente com a palavra ‘verdade’. Se, no entanto, traduzirmos a palavra grega ‘literalmente’, então ela nos diz, propriamente, desencobrimento”45. Nos ensina Heidegger que:

“... na essência da verdade como do des-encobrimento vige uma espécie de luta com o encobrimento e com o retraimento (…) encobrimento ao contrário, nós conhecemos bem seja porque as próprias coisas e seus contextos se ocultam a nós e para nós, seja porque nós mesmos antecipamos, realizamos e admitimos um encobrimento, ou, seja porque ambos, um encobrir-se das ‘coisas’ e um encobrir-se deste encobrimento ocorrem num jogo mútuo por nosso intermédio”46

44 Elena Petrovna Blavatskaya, mais conhecida como Helena Blavatsky ou Madame Blavatsky,

escritora russa que sistematizou uma moderna Teosofia e foi co-fundadora da Sociedade Teosófica.

45 HEIDEGGER, M. Parmênides. Petrópolis, Ed. Vozes, 2008, p.33. 46 Idem Op.Cit., p. 37.

Mais adiante o autor afirma “‘Verdade’ não é jamais, ‘em si’, apreensível por si, mas necessita ser ganha na luta. ” (Idem, p 35). Temos então que Aleteia significa desencobrimento, desvelamento, no sentido de tirar o véu ou descobrir. Tudo isso Heidegger nos diz quando interpreta o poema de Parmênides, melhor identificando - Parménides de Eleia, filósofo grego, entre 530 a.C. a 460 a.C. que viveu na cidade de Eleia, colônia grega do sul da Magna Grécia. Nesse poema Parmênides diz que foi até a morada da deusa Aleteia, “a verdade”. Note que não é a deusa “da” verdade, mas “a verdade” e citando Heidegger mais uma vez:

“Parmênides nos relata acerca de uma deusa. O aparecer de um ‘ente divino’ no pensamento de um pensador nos é estranho. Primeiro, simplesmente, porque um pensador não tem a anunciar a mensagem de uma revelação divina, mas traz à fala, em si mesmo, o próprio interrogado. Também, mesmo quando os pensadores pensam sobre ‘o divino’, como acontece em toda ‘metafísica’, este pensar é too qeion (o divino), como Aristóteles diz, um pensar a partir da ‘razão’ e não uma reprodução de sentenças de uma ‘fé’ de cultos e eclesiástica. Em particular, porém, causa estranheza o aparecimento ‘da deusa’ no poema doutrinário de Parmênides pelo motivo de que ela é a deusa ‘Verdade’. Pois ‘a verdade’, como ‘a beleza’, ‘a liberdade’, ‘a justiça’, tem valência para nós como algo ‘universal’. Este universal é extraído do particular e atual, do que é cada vez verdadeiro, justo e belo, e é, então, representado de modo ‘abstrato’, num mero conceito. Fazer ‘da verdade’ uma ‘deusa’, isto significa certamente fazer de uma mera noção de algo, ou seja, do conceito da essência da verdade, uma ‘personalidade’”.47

Para o primeiro filósofo de Mileto, a partir da queda desse véu, os homens se depararam com uma nova e diferente realidade – o Ser. Essa nova realidade é descrita por Aristóteles na Metafísica onde ele coloca que a maioria dos primeiros filósofos entendia que os princípios (arkhas) eram apenas aqueles que se dão sob a forma da substância (hules – madeira) pois afirmavam que esse princípio primeiro e elementar de todas as coisas, a totalidade do entes, do ser do Ser, é aquele a partir da qual elas existem, chegam pela primeira vez a ser e naquilo que terminam por

converter-se quando degeneram. Permanecendo a substância, modificando-se apenas seus acidentes, pois tal natureza se conserva sempre. Por isso achavam que nada jamais era errado ou destruído48.

A verdade então buscada, o é até hoje, seja na filosofia, seja nos autos de um processo judicial. Essa busca é uma construção que se amalgama pelos autores e tempos históricos diferentes, em ciclos e não de forma linear, de forma que hoje, nossa definição da verdade, busca e possui elementos de constituição desde esses gregos antigos.

Anaximandro, também de Mileto, filho de Praxíades, discípulo e sucessor de Tales, disse que o princípio dos seres, sua arché, seria indefinido ou ilimitado – o

ápeiron. Para esse segundo filósofo de Mileto, o princípio de todas as coisas é o

ilimitado, e desse ilimitado, desse apeiron advém para as coisas existentes (seres) o nascimento (gênesis) e nele se convertem ao perecer. Primeiro tudo era água, agora tudo é indefinido. Anaxímenes de Mileto, nessa esteira de pensamentos para definir sobre o Ser das coisas, após Tales e seu aluno Anaximandro, afirmava ser o ar a sua substância primária, a partir da qual todas as outras coisas eram feitas. Água, o indefinido e o ar como a composição de todas as coisas e do ser. A tentativa de explicações nos leva a acompanhar a construção do pensamento dos primeiros filósofos e a alguns mais próximos de nós que reiteram esse questionamento próprio da filosofia: o que é Ser.

Estudar essa questão, e o próprio questionamento, nos leva a desenvolver o conhecido estudo filosófico da filosofia, objeto de reflexão até hoje, e que o estudioso moderno, por mais facilidades e modernidades técnicas de pesquisa que possua a seu dispor, viaja no tempo e no espaço pelos ilustres pensadores e filósofos, de Sócrates a Hegel e se debruçaram incansavelmente sobre as questões do Ser e construíram nosso mundo e seus entendimentos. Assim também é o filósofo do Direito, incansável em sua busca pela qualificação do Ser, do jurídico, do justo, da paz

e do que é direito. Um filósofo que usou e qualificou-se a si mesmo com esse termo foi Platão em um dos Diálogos, o Teeteto, que Heidegger comenta e traduz e nos dá o seguinte texto:

“É verdadeiramente de um filósofo esta disposição – o admirar-se, pois não há outro início dominante da filosofia senão esse. ” 49

Guerra Filho ensina que o início da filosofia nessa disposição (pathos, paixão) para o admirar-se é apontado por Aristóteles, no texto Metafísica, ainda com a tradução de Heidegger:

“Por meio do admirar-se é que chegaram os homens agora como no princípio ao caminho que domina o filosofar [...] ao que de onde procede o filosofar e que determina continuamente a marcha do filosofar. ” 50

Assim como a busca pelo elemento básico de tudo que há no mundo para identificar o que é o Ser, a busca dos primeiros filósofos envolvidos pelas explicações divinas e a capacidade dos deuses em organizar os sistemas cósmicos e humanos, a busca pelo correto viver em sociedade também partiu de uma noção de justo como valor ético da sociedade onde o sujeito era apenas parte do objetivo maior que era o bem social, colaborando com sua virtude para esse alinhamento natural do justo, para um sistema social entendido e emoldurado pelas teorias contratualistas do viver então em sociedade. A filosofia ática trata com rigor a categorização e definições das coisas, pela maiêutica de Sócrates e chega a identificar o que era a justiça para aquela sociedade através do conceito de virtude.

49 HEIDEGGER, Martin. Introdução à Metafísica. São Paulo, 2a edição: Forense Universitária, 2011. 50 Guerra Filho, Willis Santiago. A Filosofia do Direito aplicada ao Direito Processual e à teoria da

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