• Nenhum resultado encontrado

4. NOVO RITMO DA REDAÇÃO

4.4 Fim da Repol e as redes sociais

São vários os fatores conspiram para a perda de espaço do noticiário factual e temas relacionados ao a dia a dia da cidade nas páginas do jornal impresso. O mais evidente e palpável é o encolhimento do jornal, que tem reduzido progressivamente seu número de páginas e, consequentemente, o espaço para a cobertura factual. Outro aspecto talvez não tão evidente, porém significativo é o afastamento dos repórteres das ruas, impulsionado pelas possibilidades que a internet e as novas tecnologias de comunicação oferecem no processo de apuração de notícias. O repórter ficou mais preso à redação, apurando pelo telefone, e-mail, sites e mais recentemente por meio das redes sociais.

O fim da chamada Repol, sigla informal para Reportagem de Polícia, representa uma mudança significativa no processo de produção de notícias que aponta para essa mesma direção. Também conhecido como escuta ou apuração em outras redações, o setor

era responsável por monitorar o dia a dia da cidade, desde ocorrências policiais, mortes e acidentes, a partir do contato receptivo ou proativo com as fontes primárias e oficiais de informação. Representava, portanto, uma porta de entrada importante para que os fatos chegassem ao conhecimento da redação em tempo hábil para mobilizar uma equipe, caso necessário.

Na era pré-internet, o repórter da área policial realizava este monitoramento basicamente por meio da escuta do rádio que captava clandestinamente a faixa de frequência exclusiva da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, além do constante contato telefônico com fontes diversas, desde leitores que telefonavam para informar um acontecimento ou mesmo denúncias anônimas recebidas pela redação. O chamado seboso, nome dado à grossa agenda com telefones de delegacias, batalhões de polícia, quarteis dos bombeiros, hospitais, cemitérios, sobrevive hoje apenas na memória de quem viveu a redação nos tempos anteriores à introdução da internet.

Figura 11: A redação em 1983, quando a Repol ainda era localizada em um grande mezanino Fonte: Reprodução / Acervo O Globo

Passar pela escuta era uma verdadeira prova de fogo para jornalistas iniciantes, por ser um trabalho que exigia atenção, agilidade e um certo faro para captar o que poderia se transformar em notícia.

O rádio da frequência exclusiva da polícia tornou-se obsoleto a partir da adoção de um sistema criptografado de comunicação entre os agentes, em 2007, quando a cidade recebeu os Jogos Pan-americanos. Depois, vieram as redes sociais e novidades como o Centro de Operações da Prefeitura do Rio, que concentrou a divulgação de informações

de utilidade pública divulgadas por diversos órgãos municipais a respeito do funcionamento da cidade.

O trabalho jornalístico de ronda da cidade, no entanto, sobreviveu de forma complementar à internet durante algum tempo. São mudanças que podem parecer sutis, porém representam um processo de distanciamento do repórter com as fontes originárias de informação.

A apuração hoje é feita quase integralmente de forma online. Como fonte, o apurador acompanha perfis no Twitter, mensagens que chegam pelo whatsapp e outros canais remotos. Quando há necessidade, complementa a apuração pelo telefone, como explica a jornalista J.M., atualmente responsável por essa tarefa no período da manhã.

A escuta hoje que se faz em um jornal é a escuta online. Não há mais ronda. Com isso, o que morreu foi o factual (J.M. 2015)

Relato semelhante é feito pela jornalista C.B., do site:

Com as redes sociais, as coisas ganharam muito mais velocidade. A apuração como eu e você conhecemos lá atrás, de fazer aquela ronda enorme pelo telefone e refazer até aparecer alguma coisa, isso acabou. O fato é que, com a interatividade dos leitores e as redes sociais, hoje é muito difícil não ficar sabendo de alguma coisa que está acontecendo na cidade. É muito difícil acontecer um acidente, por exemplo, e o twitter da Lei Seca não dar” (C.B., 2015)

No caso da Editoria Rio, as redes sociais passaram a ser utilizadas diretamente como fonte de informações e de apuração, seja no noticiário factual ou em matérias especiais. “Quando tem alguma coisa muito importante, eles nos avisam rapidamente”, explica J.M., referindo-se à equipe de jornalistas da editoria de Mídias Sociais, que fica disposta bem próxima à Editoria Rio. A equipe trabalha em processos paralelos, na publicação do material produzido por O Globo nas redes e também no monitoramento para a redação dos assuntos que ganham destaque nas mídias sociais.

Em pouco tempo a disseminação do acesso à internet no Brasil e a popularidade atingida fizeram com que as redes sociais se tornassem um elemento significativo na rotina da redação. No caso de O Globo, exerceram papel decisivo em um dos episódios mais graves da história recente do jornal, na avassaladora reação contrária à primeira página de 17 de outubro de 2013. Naquela ocasião, a respeito da truculenta ação policial em resposta às depredações que sucederam uma manifestação de professores grevistas, o jornal publicou, sob a manchete “Crime e Castigo - Lei mais dura leva vândalos para

presídios”, a foto de três personagens do protesto, retratados como criminosos e ridicularizados pelo texto que acompanhava as imagens.

A atitude do jornal provocou forte reação dos leitores, potencializada e articulada pelas redes sociais, em uma enxurrada de e-mails enviados para a redação solicitando a reparação da informação e cancelamentos de assinatura. Uma página criada no Facebook ironizava campanha recente promovida pelo jornal: “Muito Além do Papel de um Leitor”.

A grande quantidade de e-mails levou o jornal a bloquear as mensagens, com a ajuda do setor de Tecnologia da Informação, o que revoltou muitos repórteres, que criticaram a decisão. Com quase 20 anos de casa, J.M. relembra o episódio como um dos mais marcantes que já vivenciou no trabalho.

Junho de 2013 foi um marco porque o retorno àquela primeira página foi devastador. Antes o retorno que se tinha era no máximo um volume maior de cartas. Agora com a internet, a proporção é outra. Por mais que não haja mais comentários em todas as matérias, hoje com as redes sociais isso toma uma proporção muito maior, sem contar a reação nos e-mails, divulgados pelo próprio jornal. Este foi um episódio marcante, ficou clara a perplexidade da direção com aquilo (J.M. 2015)

A introdução das redes sociais no jornalismo representa um dos aspectos mais notáveis nesse processo de mudanças estruturais. Seu impacto sobre o processo de produção e as estratégias de distribuição e interação das empresas com seu público merecem uma análise específica e aprofundada que foge aos objetivos desta pesquisa. Entretanto, o episódio é digno de nota por expor a fragilidade e o despreparo da direção em lidar com as novas formas de interação e relacionamento impostas pelas redes sociais e a internet. É exemplar também por expor a alienação95 e distanciamento das ruas daqueles que dirigem a redação.