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4. NOVO RITMO DA REDAÇÃO

4.2 Hells Gate

Os programas de edição e diagramação também precisaram convergir na adaptação à nova lógica de produção, anunciada em abril de 2014. Não foi uma tarefa fácil. Mesmo após a integração física das duas redações, as ferramentas de edição disponibilizadas para o trabalho dos jornalistas ainda se mantinham completamente distintas e não se comunicavam entre si, o que representava mais trabalho para repórteres, redatores e editores. O sistema GoodNews ainda era a ferramenta utilizada para as matérias do impresso e o Admin6, nas publicações para o site e demais plataformas digitais.

Até que o jornal decidiu adquirir e implementou em 2012 a plataforma NewsGate, anunciada como uma grande revolução no cotidiano da redação por permitir a publicação

de um mesmo conteúdo no impresso, site, tablet e celular. A falta de um programa integrado de edição representou um obstáculo na integração física entre as equipes do online e do papel em 2009, como relembra Orivaldo Perin, ao comentar as dificuldades no processo de integração:

O sistema editorial não contribuía. Tratava-se do GoodNews nascido para editar jornais impressos e adaptado para auxiliar no online, recurso que a gente chamava de gambiarra. Quem estava acostumado a usar o

GoodNews para editar o impresso reclamava bastante dos muitos passos

que era obrigado a dar para "subir" algo no online. A empresa comprou então um sistema novo, o NewsGate, escolhido pela área de Tecnologia entre três propostas que representavam o que havia de mais avançado para redações integradas há quatro ou cinco anos. O NewsGate começou a ser utilizado na edição do jornal pelos Jornais de Bairro, até, uns dez meses depois, ser adotado pelo jornal inteiro, numa data que coincidiu com a adoção do novo desenho do Globo, desenvolvido por um escritório de design de Barcelona. Um passo arriscado: mudar sistema e desenho de uma vez só. Mas deu certo online (PERIN, 2015).

A compra da nova ferramenta e a promessa de unificar o trabalho de publicação das matérias chegaram a ser anunciadas como um movimento importante no caderno especial que explicava o novo desenho gráfico, na reforma de 2012. Sob o título “Multimídia: redesenho nasce em Redação integrada”, O Globo se vangloriava frente aos leitores de ser o primeiro jornal brasileiro a unir jornalistas da web e do impresso em uma só equipe “que produz e publica em diversas plataformas, inclusive no vespertino para tablet Globo A Mais91”

Até a plataforma de edição foi unificada. Anteriormente, os jornalistas do Globo trabalhavam nos sistemas GoodNews (impresso) e Admin6 (site), que não se falavam. Para integrar a produção, foi comprado um novo sistema (NewsGate). O site do Globo, redesenhado, começou a operar no NewsGate em novembro de 2011. Já a chamada cabeça do jornal (cadernos principais) passou a usar o NewsGate em janeiro deste ano. Agora, um texto escrito por um repórter está disponível para a edição em qualquer plataforma que o editor escolher (O GLOBO, 2012)

Naquela ocasião, a diretora-executiva de O Globo, Sandra Sanches, citava a compra da nova plataforma e o investimento no parque gráfico para a impressão de todas as páginas em cores como duas medidas importantes “para tornar mais adequada a entrega de informação aos leitores” (ibid).

Com a integração das redações do site e do impresso, conseguimos derrubar inúmeras barreiras no processo diário de produção de

conteúdo. A nova plataforma de publicação, que inauguramos com o projeto gráfico, facilitará bastante a edição e a distribuição desse conteúdo. Impresso e digital conversarão com mais facilidade. Os leitores serão beneficiados por essa convergência. E os anunciantes também terão ambientes mais atraentes para apresentarem suas marcas aos consumidores (ibid)

Discurso semelhante serviu para apresentar a compra da nova ferramenta em um vídeo92 produzido pela Infoglobo para apresentação em encontro da Associação

Nacional de Jornais (ANJ), em 2012.

Em 2009, decidimos integrar as redações e investir na compra de uma nova plataforma de publicação que ajudasse de fato a redação a trabalhar de forma integrada. Foi um investimento amplo, levamos cerca de dois anos para implementar, mas o resultado é fantástico. Hoje nós temos de fato uma redação integrada e que trabalha para várias plataformas ao longo de 24 horas. Além do impresso, produzimos conteúdo pro celular, pro site e também pro nosso vespertino, publicado diariamente, às seis da tarde, no tablet (SANCHES, ibid, 2012)

Tal como na integração física das duas equipes, a aplicação prática da nova plataforma esbarrou em uma série de dificuldades concretas93, mostrando-se bem mais problemática do que na teoria. Os problemas levaram o pessoal da redação a apelidar a ferramenta de “HellsGate”.

À frente da transição, Perin observa que a plataforma foi vendida sem que estivesse plenamente desenvolvida para atender às necessidades da redação.

Na teoria era perfeito, mas foi vendido sem ter sido desenvolvido. Surgiram então vários problemas, entre eles a necessidade de desenvolver a ferramenta, trabalho que coube à redação, com monitoramento do fabricante. Foi então criado um grupo de dez jornalistas que se encarregou da tarefa, programada para durar seis meses (PERIN, 2015).

92 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?t=210&v=ur3R-0egMy8. Acesso em 20/09/2015. 93 Essa não foi uma situação nova no Globo. O desenho feito por Milton Glaser e Walter Bernard para a grande reforma gráfica de 1995 fora concluído sem que houvesse disponível no mercado uma ferramenta de edição capaz de colocá-lo em prática, em mais um exemplo de como os processos de mudança em uma redação são implementados frequentemente de forma precária. “O projeto do Milton Glaser ficou pronto em 1992 e aí, descobrimos que não havia na praça uma ferramenta capaz de colocá-lo em prática. Só em 1995, com o (sistema editorial) GoodNews, o novo desenho, revolucionário, tornou-se possível", conta Leo” Disponível em:

http://oglobo.globo.com/blogs/tecnologia/posts/2012/08/03/dois-seculos-de-redesenho-455163.asp.

Todos foram treinados para publicar suas matérias no NewsGate, que alimenta tanto o impresso, quanto o online e as plataformas digitais. O repórter digita o texto no NewsGate, escolhe a imagem, prepara as legendas e os títulos e publica a matéria, que vai diretamente para o site. Depois, é preciso abrir outra gaveta dentro do mesmo programa e selecionar a opção “impresso”, fazendo as alterações necessárias para a publicação na edição do dia seguinte. São vários passos que precisam ser seguidos até que o material esteja finalmente no ar.

A edição do site é feita exclusivamente no sistema Escenic, cujo acesso, ao menos no caso da Editoria Rio, se restringe aos profissionais responsáveis pela edição da página na internet. Todos os repórteres estão capacitados a publicar suas matérias, mas a edição da página é feita apenas pela equipe do site. Apesar do investimento alto, os jornalistas continuaram a trabalhar com duas ferramentas distintas.

Para os repórteres, a adaptação da matéria que vai para a internet e da que segue para o impresso em suma se resume em trocar o hoje por ontem, como explica a jornalista J.M. “É um control C, control V mesmo”, explica, referindo-se às teclas de atalho que permitem copiar e colar um mesmo texto. O discurso que prega a convergência de equipes e de processos de trabalho costuma relevar ou mesmo ignorar as particularidades de cada meio em relação à linguagem, enfoque, edição e nível de atenção do leitor. A questão é reduzida a uma mera adaptação de interface tecnológica.

É tudo a mesma coisa. Mudamos apenas a data, o resto é igual. Se você observar o jornal, vai perceber que, com exceção da abre da Rio – hoje em dia uma reportagem especial ou mais aprofundada sobre um tema factual importante –, o resto é tudo igual ao que já está no site no dia anterior (J.M. 2015)

O depoimento chama a atenção para a antecipação no site de boa parte do conteúdo publicado nas páginas impressas da Editoria Rio, com exceção da chamada “abre”, denominação dada à matéria principal que abre os cadernos. Em termos editoriais, a antecipação do fechamento e a publicação prévia na internet são relevantes por indicarem uma progressiva perda de espaço do noticiário factual de cidade nas páginas do jornal impresso. E também por expor a dificuldade em conciliar uma difícil tarefa: como oferecer uma cobertura ágil e dinâmica na internet e, ao mesmo tempo, garantir a atenção para a edição impressa? O que levaria o assinante a manter-se pagando mais caro pelo jornal de papel se parte considerável das notícias já foi antecipada na internet?