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4. NOVO RITMO DA REDAÇÃO

4.5 Onde estão os repórteres?

O anúncio aos leitores do novo ritmo de produção imposto à redação a partir de março de 2014 fazia uma breve referência aos repórteres: no último parágrafo de um longo texto de página inteira, com cinco colunas e duas matérias coordenadas. O impacto

95 Em e-mail interno distribuído à redação e reproduzido pelo Blog Coleguinhas, Uni-Vos, o então editor Pedro Doria elogiava a polêmica primeira página. Disponível em:

https://coleguinhas.wordpress.com/2013/10/22/em-email-interno-editor-do-globo-elogia-cobertura-capa- de-bandido/. Acesso em 12.10.2015

na rotina daqueles que estão “na ponta” do processo de produção de notícias merece tratamento superficial. Como era de se esperar, enaltece o perfil multitarefa.

Para abastecer tantas plataformas, os repórteres também se aprimoraram: ouvem suas fontes, mas produzem entrevistas em vídeos, criam infográficos, lembram de notícias relacionadas. Escrevem primeiro para as versões digitais e, depois, para o impresso (O GLOBO, 2014)96

Para os leitores, omite-se o fato de que, na prática, não existe uma dupla produção de conteúdo: o material voltado para a internet frequentemente é publicado na íntegra no site no dia anterior e se repete no jornal impresso do dia seguinte. Essa estratégia editorial é vista com reservas pelos repórteres entrevistados.

Carro-chefe de um jornal tradicionalmente conhecido pela forte ligação com o cotidiano da cidade, a Editoria Rio costumava abrigar o maior número de jornalistas97, o que revela sua importância e prestígio em relação às demais. Apesar das novas funções inauguradas pela presença do jornal na internet e nas redes sociais, o relato dos jornalistas e pesquisas recentes dão conta de uma progressiva redução de pessoal, especialmente entre os repórteres, o que evidencia com suficiente clareza a lógica empresarial que tem orientado a gestão da redação e o processo de adaptação do jornal a esses novos tempos.

Em 2007 a equipe de repórteres da Editoria Rio era formada por 39 jornalistas. Naquela época, era a única a contar com um pauteiro, dispunha de dois redatores e se dava ao luxo de “emprestar” repórteres para outras áreas. “Deste total, nem todos ficavam disponíveis ao mesmo tempo: quatro estavam de férias, alguns eram emprestados para outras editorias, outros podiam eventualmente cobrir folgas de algum editor-assistente (COSTA, 2007, p.27 ). Com uma equipe robusta, os repórteres se dividiam nos chamados times:

Para garantir o acompanhamento dos diferentes setores da administração pública e da justiça, a equipe é dividida no que é chamado internamente de “times”: Administração (Câmara, Assembleia Legislativa, Governo do Estado e Prefeitura), Estrutura (saúde, educação, comportamento, etc.) e Jupol (justiça e polícia). De acordo com o editor Paulo Motta, essa divisão é feita segundo o perfil do jornalista e levando em consideração as fontes que ele acumulou em

96É tempo de uma nova forma de fazer notícia” O Globo. 5 de abril de 2014, p.14.

97 Após as duas demissões em massa que ocorreram no ano de 2015 – em janeiro e em setembro –, seria necessário um novo levantamento entre todas as demais editorias para sustentar essa afirmação.

sua carreira. Há também o time de Geral, cujos repórteres são encarregados da cobertura das notícias factuais, imprevistas. No entanto, esses profissionais podem ser emprestados para outros times, o que, segundo Motta, acontece com frequência. O editor-adjunto é responsável pela coordenação das matérias dominicais e também de chamadas de especiais: cabe a ele propor e analisar sugestões de pauta e designar os repórteres que vão executá-las, o que, geralmente, implica o afastamento da pauta diária (COSTA, 2007, p.27)

Com isso, a equipe se especializava e a empresa qualificava seu corpo de repórteres tanto para a cobertura factual, como para reportagens especiais. Segundo Angelina Nunes, a divisão por times começou na década de 1990, mas se desfez nos últimos anos, sob influência das mudanças promovidas pela direção do jornal

A divisão de times começa lá na década de 90, seguindo um padrão americano de jornalismo. A ideia era fazer repórteres especializados num tema específico. Com o passar do tempo e mudança de editores tanto nas editorias, como no aquário, essa divisão acabou se desfazendo. Quando eu saí, já estava trabalhando pela manhã cuidando também da produção de online, coordenando projetos em ambiente multimídia com repórteres do meu grupo (administração pública) e de outros grupos ou mesmo apenas de online. Ou seja, a divisão dos anos 90 acabou na prática não se perpetuando porque as mudanças acabaram influenciando nisso, eu acho. Cada editor via de uma forma esse trabalho. Na Rio isso funcionou mais tempo. Nas outras editorias, não (NUNES, 2015)

Entre as mudanças que conduziram ao fim da divisão em times está a redução no tamanho da equipe, em especial de repórteres.

Com a redução de repórteres isso ficou mais evidente. Na questão de matéria de polícia, os repórteres continuavam cobrindo a área. Mas muitos saíram para fazer outras coisas ou foram demitidos. Claro que com isso você perde o cara especializado na área, com memória das mudanças nos governos, e também as fontes (ibid)

Em 2014, no ano da mudança no ritmo da redação, a Editoria Rio dispunha de 47 profissionais (MOREZTSOHN, 2014) no total, ou seja, considerando repórteres, editores e chefes. Um ano depois, este número cairia para 28 profissionais, segundo estimou Elenilce Bottari, poucos dias após a segunda demissão em massa promovida pela direção no ano de 2015, no mês de setembro.

Entre os “sobreviventes” dos processos de reestruturação, fica evidente a preocupação e o ceticismo quanto ao futuro do jornal e da própria profissão. Muitos se ressentem da perda de espaço do noticiário factual, da reportagem e dos serviços.

O Rio de Janeiro hoje, por exemplo, é uma cidade em profunda transformação. Como repórter, eu vou pra rua e observo muitas coisas acontecendo que eu não vejo mais nas páginas do jornal. O caso das comunidades é um exemplo. E o mais curioso é que antes, quando não estavam ocupadas, a gente cobria, e cobria muito (BOTTARI, 2015)

Orivaldo Perin também destaca o distanciamento das ruas como uma das consequências não apenas da internet, mas também das mudanças promovidas pelas empresas de jornalismo “todas sem sucesso”. De acordo com Perin, as redes sociais e o uso ostensivo de conteúdo produzido por não jornalistas parecem colocar em xeque o próprio papel de mediação do jornalismo.

O jornalista propriamente dito está sendo substituído pelos eu- repórteres, pelas ferramentas sociais, pelo whatsapp, instrumentos que (...) hoje ganham espaço destacado no papel. Está surgindo nas redações algo que profetas anunciaram há cinco ou seis anos: o curador de notícias. É grave: a redação do impresso passa a produzir notícias que as redes e a internet divulgaram há um, dois ou mais dias ou semanas atrás. Não há apuração, não se vai às ruas. A única hora em que o jornalista está rua hoje em dia é no pico matinal do trânsito (no vespertino, bem menos), assim mesmo para relatar o que vê e nunca para tentar explicar porque o cidadão está cada vez mais perdendo tempo para se locomover (PERIN, 2015).

Uma situação aparentemente banal que ocorreu durante a visita à redação serve para mostrar como os jornalistas receberam as mudanças editoriais que reduziram a importância de temas antes considerados importantes. Um leitor, assinante do jornal, enviou mensagem para o whatsapp da redação reclamando não ter sido avisado sobre um reparo programado pela Companhia de Água e Esgoto ( Cedae), que deixou sem água por várias horas os moradores do seu bairro, no subúrbio da capital. O reparo havia sido divulgado, sem grande destaque, no site. A equipe de plantão98 se questionava sobre a melhor forma de responder ao leitor, ao mesmo tempo em que tratava do caso com um certo sarcasmo, apesar de a maioria concordar que a queixa era pertinente

“O jornal é multiplataforma, o leitor tem que ser também. Estava lá no site, ele que não viu”, ironizou um dos jornalistas da equipe de plantão. Apesar do tom de ironia, o caso foi rapidamente apurado e o assunto foi atualizado no site. “O jornal perdeu a

98 Entre os demitidos pelo jornal em setembro de 2015, estava a equipe responsável por receber, monitorar e responder as mensagens recebidas via whatsapp, tarefa que acabou ficando a cargo do apurador da Rio.

prestação de serviço. Isso é muito ruim, o leitor gosta disso”, opinou Elenilce Bottari A avaliação foi compartilhada efusivamente pelos demais colegas presentes.