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1. TEMPO DE MUDANÇAS

1.6 Obsolescência e crise

Os jornais superaram crises e a concorrência com outros meios ao longo do tempo, valendo-se de “vantagens competitivas e introduzindo inovações na área industrial, na produção jornalística e nas esferas administrativa e comercial” (MÜLLER, 2012, apud RENAULT, 2013). E mesmo dividindo espaço com outros meios, os diários ainda conseguiam manter sua rentabilidade.

Entretanto, como observam os autores, a situação mudou radicalmente na virada do século XXI, quando inovações no plano industrial, tais como a informatização da pré- impressão, a gravação digital e a adoção de impressoras offsets, aquisição de editores de texto e de diagramação integrados, não se mostraram suficientes para garantir ganhos de produtividade.

A indústria jornalística, tal como diversos outros segmentos da indústria tradicional, enfrenta grandes desafios para manter-se como negócio rentável dentro da atual lógica do capital e o seu reflexo sobre as estruturas do mercado publicitário e padrões de consumo. Completam o cenário difícil o aumento nos custos de produção relacionado à escalada no preço do papel e o peso de investimentos em parques gráficos, superdimensionados para a realidade de hoje. Juros altos desaconselham a tomada de empréstimos para atualização da infraestrutura, criando um cenário econômico incerto para planejamento a longo prazo.

Relatórios anuais sobre o desempenho da indústria jornalística dos Estados Unidos, feitos pelo instituto de pesquisa Pew Research Center, apontam para um horizonte pessimista. Por analisar um dos maiores mercados em termos de imprensa, o resultado serve de parâmetro para todo o mundo. A versão mais recente do “State of the

News Media  2015”19 destaca que o faturamento da imprensa norte-americana segue em queda, caindo 4%, ao passo que nas mídias digitais subiu, em média, 18%. Em 2005, o faturamento dos jornais norte-americanos era de US$ 47,4 bilhões ao ano, hoje é quase um terço desse valor: US$ 16,4 bilhões. Além disso, o estudo constata a consolidação de redes sociais como o Facebook como porta de entrada de notícias para mais de 50% dos entrevistados.

No Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, onde fica a sede do jornal objeto desta pesquisa, o mercado jornalístico encontra-se praticamente inalterado desde os anos 1990. Se no passado a antiga capital federal detinha um dos mercados mais concorridos do país, o que se vive hoje é a incontestável liderança do grupo Infoglobo, atualmente responsável pelos jornais O Globo, Extra e Expresso. Braço popular dos produtos da Infoglobo voltado para as classes B, C e D, o Extra foi o último jornal expressivo a ser criado no Rio de Janeiro, em 1998, assim como o diário esportivo Lance!, no ano anterior.20

Em 2005, o grupo O Dia lança o Meia-Hora, jornal no formato tablóide, com preço de capa reduzido, abordagem sensacionalista e conteúdo publicado a partir da edição do material produzido pela redação do jornal O Dia. No ano seguinte, a Infoglobo criou uma versão similar ao produto concorrente: o Expresso, com vendagem inferior ao rival. Ambos foram responsáveis por resultados positivos na circulação dos jornais diários. Porém, em termos relativos, “a tendência à compra de jornais vem decrescendo, isto é, novos adultos que poderiam tornar-se leitores vêm, em proporções crescentes, ou não se informando por meio algum, ou se habituando a utilizar outras mídias para esse propósito”, analisa Lima (2007).

No Brasil e no mundo, a imprensa vive um panorama delicado diante da proliferação de diversas mídias, com queda na circulação21, perda de leitores e de espaço no mercado publicitário. O surgimento de gigantes como Google e Facebook, e os sites de busca especializada, como os de carros e imóveis por exemplo, levaram a uma redução

19 State of the News Media 2015. Disponível (em inglês) <http://www.journalism.org/2015/04/29/state-of-

the-news-media-2015/> . Acesso em 18/06/2015.

20 O último diário com proposta de se tornar “Quality Paper” a ser lançado no Rio de Janeiro foi o República, que circulou apenas alguns meses em 1984. O principal sócio, o jornalista Mino Carta, precisou desfazer- se da Revista Isto É, para saldar o prejuízo editorial.

21 No Brasil, após um período de expressiva alta na circulação média dos jornais diários, puxada principalmente pelo lançamento de jornais populares, os números voltaram a cair a partir de 2013. Circulação média diária dos jornais pagos. Disponível em: http://www.anj.org.br/circulacao-diaria-2/ ; Acesso em 21/06/2015.

no faturamento com classificados e anúncios publicitários. Essa nova realidade tem impactado as duas principais fontes de receita no negócio dos jornais: a publicidade, antes concentrada em poucos grupos e agora pulverizada no ambiente digital, e a venda de exemplares.

Mais do que a busca por meios de enfrentar a concorrência de uma nova mídia, a grande questão para os principais jornais em todo o mundo é como garantir a viabilidade econômica e comercial de um jornal diário, um produto fruto de um processo produtivo amparado em uma cadeia antiga de valores que durante décadas amparavam a indústria jornalística. O novo cenário decorrente da emergência de novas mídias atinge de forma drástica as quatro áreas que até então sustentavam o jornal tradicional: a redação, administração, comercial e distribuição.

Reportagem publicada pela Agência Pública22, organização sem fins lucrativos que promove campanhas de financiamento coletivo para viabilizar a produção de material jornalístico, põe em evidência contradições nos discursos das empresas a respeito da crise, revelando a opção de muitas delas por reduzir equipes e sobrecarregar os profissionais nas redações, mantendo desta forma a lucratividade dos negócios. O argumento da crise econômica e estrutural frente à concorrência com os meios digitais é utilizado frequentemente para justificar demissões em massa, como as observadas em 2015 nas grandes redações do país. Somente no primeiro semestre, os jornais Folha de S. Paulo23, o Estado de S.Paulo24 e O Globo25 promoveram demissões em massa, além da Editora Abril, que demitiu profissionais e anunciou o fim de publicações26.

Nos anos anteriores, as quatro empresas acima mencionadas comemoraram resultados positivos em seus faturamentos. Considerando a dificuldade de obter dados confiáveis sobre o setor, é possível concluir a partir das informações disponibilizadas pelas próprias empresas que a opção para fazer frente ao processo de mudança estrutural

22 Existe uma crise nos impressos? Nada a declarar. Disponível em: http://apublica.org/2013/06/existe-

uma-crise-nos-impressos-nada-declarar-respondem-os-jornais/. Acesso em 15.06.2015.

23 Folha inicia demissões que podem atingir 50 jornalistas. Suplementos serão encerrados. Disponível

em:

http://www.portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/71676/folha+inicia+demissoes+que+podem+ atingir+50+jornalistas+suplementos+serao+encerrados Acesso em 15.06.2015.

24 Estadão inicia processo de demissões que pode atingir mais de 100 funcionários. Disponível em: http://www.portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/71622/estadao+inicia+processo+de+demisso es+que+pode+atingir+mais+de+100+funcionarios Acesso em 15.06.2015.

25 O Globo faz cortes na redação e demite Artur Xexeo e outros jornalistas. Disponível em:

http://www.portalimprensa.com.br/noticias/brasil/70198/o+globo+faz+cortes+na+redacao+demite+artur+ xexeo+e+outros+jornalistas. Acesso em 15.06.2015.

impulsionado pelas novas tecnologias e a internet tem sido a diminuição de custo com jornalistas, reduzindo equipes e sobrecarregando os profissionais.

Observa-se um grande esforço por parte dos executivos responsáveis pelas maiores redações brasileiras em mostrar a saúde financeira e perenidade do jornal impresso como veículo. Em um ambiente cada vez mais saturado de informações, os jornais impressos seriam, na visão das empresas, o “porto seguro” em meio ao caos da internet, por serem os veículos com maior credibilidade.

Não há dúvida de que a internet, ao mesmo tempo que democratizou o acesso às informações, retirou parte do financiamento das publicações. As empresas de jornalismo impresso, ainda ancoradas em uma antiga cadeia de valores, buscam adaptar-se a esse novo contexto marcado pela pulverização de um mercado antes concentrado em poucos grupos de comunicação. Entretanto, nesse caminho parece haver mais dúvidas do que certezas. A maior delas diz respeito à própria mediação exercida pelo jornalismo, questionamento do qual se depreende outro ainda mais grave: existirá jornalismo sem jornalistas?