• Nenhum resultado encontrado

2 PARIS: A CIDADE LUZ, ESPAÇO DA MODERNIDADE

2.1 FIN DE SIÈCLE, MODERNIDADE E BELLE ÉPOQUE

Inventado na França do século XIX1, o termo Fin de Siècle reflete as expectativas sobre as transformações ocorridas na Europa e naquele país, as quais repercutiram em profundas intervenções no espaço da cidade. Reflexos do fim de um período e, no entanto, neste momento em particular, a expectativa de um novo tempo. O sentimento de fim de século, herdado da idade média, era de cataclismo, fim dos tempos. Ao longo da história os fins de século sempre foram tomados por apreensões em relação ao futuro, um sentimento de ruptura e fim de ciclo, ao mesmo tempo em que deixavam como legado inovações, evolução das ideias, da ciência e da técnica que, através de processos de modernização2, propiciariam a modernidade urbana3.

Pressupondo-se que todo fim é um recomeço, assim têm sido as viradas de século, este sentimento de passagem para um novo tempo. No intuito de projetar no presente um futuro distinto, constrói-se um quadro de transformação e temor. A apreensão em relação ao novo fascina e atemoriza, estimula um imaginário de incertezas. Pesavento (1999, p. 135) salienta que “como traço da decadência fin-de-siècle, há a recorrente ideia de que a civilização declina, a sociedade se extingue enquanto valores e hábitos”. Por outro lado, “a decadência é cada vez mais promessa, anúncio de renovação.” (LE GOFF, 2003, p. 387). Sentimentos ambíguos, abismos de incertezas, ao mesmo tempo, “nestas

1A invenção do termo fin de siècle apenas no século XIX não significa que o fenômeno assim

designado não ocorresse anteriormente (DE JEAN, 2005, p. 212).

2A modernização pode ser entendida como um processo, como “o conjunto das transformações

econômico-sociais que acompanham o desenvolvimento do capitalismo.” (PESAVENTO, 1994, p. 199, apud TEIXEIRA, 2009, p. 78).

3A modernidade- expressão artística e intelectual de um projeto histórico chamado

“modernização” e produzido pela transformação capitalista do mundo- dá nascimento à experiência, também histórica, individual e coletiva, do “viver em metrópole” (PESAVENTO, 1999, p. 30).

imagens de desejo vem à tona a vontade expressa de distanciar-se daquilo que se tornou antiquado - isso significa, do passado mais recente.” (BENJAMIN, 2007, p. 41).

Os finais de século representaram para a Europa ocidental, desde a metade do último milênio, períodos plenos de novidades, indicativos de transformações. O Renascimento e a descoberta do novo mundo, findando o século XV, no século XVI as ciências se libertam da filosofia, o Iluminismo surgiria nos fins do século XVII e, por fim, a Revolução Francesa em fins do século XVIII, eventos que resultaram em profundas transformações na sociedade ocidental, as quais repercutiriam por todo o mundo, transformando o espaço citadino.

A chegada dos europeus à América, o Renascimento e a Reforma Religiosa, marcos de uma nova época, constituem-se, segundo Habermas (2002, p. 09), “nos três grandes acontecimentos por volta de 1500, que constituem o limiar histórico entre a época moderna e a medieval”. Com efeito, “o conceito de moderno pode ter tido origem na Renascença, se considerarmos que naquele período houve uma ruptura, um ponto de inflexão na cultura ocidental.” (TEIXEIRA, 2009, p. 61).

Gestado na Itália em fins do século XV, o Renascimento representa um período pleno de transformações, emergindo novas concepções que repercutiriam sobre os espaços da cidade, estabelecendo “um quadro intelectual de mudança e “oposição” ao misticismo medieval, assumindo um novo estilo na pintura, na escultura, na arquitectura e no urbanismo.” (LAMAS, 2004, p. 167). O Renascimento, entre suas distintas fases, apresenta o Barroco, compreendendo o período que vai, ainda segundo Lamas (2004, p. 167), “de 1600 até cerca de 1765”.

Na perspectiva de análise da evolução das vias urbanas no que concerne aos princípios da higiene, da estética e da circulação, o Barroco caracteriza o momento em que as principais cidades da Europa ocidental intervêm sobre os espaços monumentais, criando ambientes urbanos onde os citados princípios se manifestam, a avenida4. Entre as monumentais construções deste período, destaca-se, além da Avenida

Champs Elisées (1667), também o cenário implantado com a construção

do Palácio de Versalhes (1682) e suas imponentes avenidas, conduzindo do campo à Paris. No entanto, até então, uma construção voltada exclusivamente aos interesses do poder real, usufruto de poucos e não da sociedade, um viés mais estético do que funcional.

4A avenida é o símbolo mais importante e o fato capital no que diz respeito à cidade barroca

Na evolução das vias de tráfego há uma complexidade de análises que se pode fazer sobre o desenvolvimento das cidades, desde razões políticas, econômicas, militares e sociais. A cidade, palco dos principais acontecimentos históricos, tem na rua o cenário onde ocorreram as grandes transformações da sociedade. De acordo com Mumford (2008, p. 412), “entre os séculos XV e XVIII, tomou forma na Europa um novo complexo de traços culturais. Tanto a forma quanto o conteúdo da vida urbana, em consequência, foram radicalmente alterados”. Portanto, é inegável que a era moderna “engloba o novo tempo da descoberta da América em 1492 e se estende até os nossos dias.” (KOSELLECK, 2006, p. 280).

Marshall Berman, descrevendo a aventura da modernidade, divide-a em três fases, sendo que, “na primeira fase, do início do século XVI até o fim do século XVIII, as pessoas estão apenas começando a experimentar a vida moderna; mal fazem ideia do que as atingiu.” (BERMAN, 2007, p. 25). De fato, a compreensão de um fenômeno, assim como a construção de um conceito, a partir da sucessão de fatos históricos, demanda tempo. Desta forma, “somente no curso do século XVIII o limiar histórico em torno de 1500 foi compreendido retrospectivamente como tal começo.” (HABERMAS, 2002, p. 10). Portanto, a partir do século XVIII “vigorou a consciência de que há três séculos já se vivia um novo tempo, que, não sem ênfase, se distingue dos anteriores como um novo período.” (KOSELLECK, 2006, p. 280). Este novo tempo exigiria transformações no espaço da cidade, atendendo novas exigências.

Na aplicação das ideias iluministas sobre o espaço da cidade, ainda no século XVIII, consolidar-se-iam os princípios da circulação e aeração, inspiradas na corrente sanguínea5, as quais, gradativamente, seriam aplicadas aos centros urbanos. Sob a influência destes emergentes princípios, criara-se uma nova concepção de cidade aberta, apoiada no movimento e na diversidade, “expressão tanto de um processo de transformação capitalista do mundo quanto da renovação cultural trazida pelo iluminismo, que explicava a realidade sob novas luzes.” (PESAVENTO, 1999, p. 38).

Como consequência das mudanças socioculturais e das novas ideias, além das transformações no mundo do trabalho, no final do século XVIII, a revolução francesa traria inovações que incidiriam

5Palavras como “artéria” e “veia” entraram para o vocabulário urbano no século XVIII,

aplicadas por projetistas que tomavam o sistema sanguíneo como modelo para o tráfego (SENNETT, 2008, p. 220).

diretamente sobre a configuração do espaço citadino. Desta forma, a segunda fase da modernidade, na continuidade do pensamento de Berman (2007, p. 25), “começa com a grande onda revolucionária de 1790”. Este período efervescente repercute sobre a concepção de cidade, transformando-a, reflexo das ideias iluministas precedentes. Portanto, há um entendimento de que uma sequência de fatos, nos leva a ver os séculos XVIII e XIX como parte de um mesmo processo, consecutivo, sem rupturas.

A partir da observação de uma mudança na concepção e valorização do espaço público é que se pode perceber o surgimento da cidade moderna. Todavia, há de se considerar outras intenções implícitas nas iniciativas de construção de amplas vias. Por um lado, há a criação de espaços apropriados às manobras das tropas militares, facilitando o combate aos levantes populares. Por outro lado, no desenvolvimento da larga avenida, a dissociação entre as classes superiores e inferiores “toma forma na própria cidade. Os ricos conduzem; os pobres caminham. Os ricos rolam pelo eixo da grande avenida; os pobres estão afastados do eixo, na sarjeta.” (MUMFORD, 2008, p. 441).

O século XIX aceleraria o desenvolvimento técnico-científico e a afirmação da Revolução Industrial, o capitalismo e a especialização dos espaços imporiam uma nova ordem à cidade. Emergiria o urbanismo a partir das ideias de como deveria ser a cidade destes novos tempos, aliada as exigências da higiene, da estética e da circulação. Por consequência, a partir da concepção de cidade aberta, Paris se transformaria com as ações Haussmannianas. Tais intervenções são, segundo Ortiz (1991, p. 200), “um ponto de referência obrigatório. Os trabalhos realizados pelo barão Haussmann possuem evidentemente implicações ideológicas, políticas e econômicas”. Desta maneira, pode- se afirmar categoricamente que “não é possível abordar o século XIX sem referir a construção da Paris de Haussmann.” (LAMAS, 2004, p. 216).

O século XIX, em continuidade a todo um desenvolvimento técnico sobre o urbano, justifica as inúmeras transformações que a cidade absorve, cujas raízes provêm das experiências vivenciadas nos períodos anteriores e, se “por um lado finaliza conceitos já expressos pelo iluminismo do século XVIII, por outro lado representa a fase inicial de acontecimentos que serão levados adiante no século sucessivo.” (ZUCCONI, 2009, p. 28).

Diante da necessária consolidação dos princípios voltados à salubridade urbana, uma série de medidas seriam tomadas pelos

governantes no sentido de ordenar os usos do espaço citadino, sendo assim, “não será à toa a coincidência no surgimento e difusão de três tipos de códigos na cidade moderna de fins do século XIX: o de posturas, o sanitário e o de edificações e urbanismo.” (ANDRADE, 1997, p. 100).

Nesta evolução das vias urbanas, se entendermos o tecido urbano como um palimpsesto6, está implícito todo um conteúdo histórico dos séculos que se sucederam na construção da modernidade urbana onde, numa fascinante simultaneidade, presente, passado, futuro justapõem-se. Neste sentido, só “épossível apreendermos melhor a ideia de circulação se tomarmos como exemplo as reformas e o pensamento urbanístico que florescem no século XIX.” (ORTIZ, 1991, p. 200). A grande cidade da segunda metade do século XIX, a metrópole da era industrial, “assumiu subitamente sua forma típica em Paris, entre 1850 e 1870. Em nenhuma outra cidade deste período, mudanças resultantes do desenvolvimento da indústria ocorreram com tamanho ímpeto.” (GIEDION, 2004, p. 762).

Em meados do século XIX, as cidades apresentavam uma malha urbana representativa, enquanto construção humana, da cidade de um outro tempo, estampada nas vielas estreitas e sinuosas da velha urbe. Nestas condições, “uma caminhada a pé que dura hoje quinze minutos naquele tempo exigia uma hora e meia.” (SENNETT, 1988, p. 181). Herança de um passado medieval, inadequadas à evolução dos meios de transportes e à especialização dos espaços, exigências da sociedade industrial por vias amplas para a circulação de mercadorias, consumidores, trabalhadores e serviços, ao mesmo tempo, mais adequadas à manutenção da ordem.

O desenvolvimento técnico-científico e as novas imposições à sociedade trariam, no limiar do século XX, um período pleno de inovações e a sensação de se entrar profundamente em um novo tempo. As concepções de ideologia e poder sobre o espaço imprimem um sentido estético, signo de uma época ascendente, confirmando ser “no domínio da crítica estética que, pela primeira vez, se toma consciência do problema de uma fundamentação da modernidade a partir de si mesma.” (HABERMAS, 2002, p. 13). O adjetivo moderno seria

substantivado, ainda segundo Habermas (2002, p. 14),

“aproximadamente nos meados do século XIX e, pela primeira vez, ainda no domínio das belas-artes”.

6

Harvey (1992, p. 69), por exemplo, refere-se ao “tecido urbano como algo necessariamente fragmentado, um “palimpsesto” de formas passadas sobrepostas umas às outras”. (grifo do autor)

Diante das demandas emergentes, as vias cortando a malha urbana se adequariam a dinâmica da circulação viária e ao aspecto estético. Neste sentido, com o surgimento da força eletromotriz, nas grandes cidades, após 1870, “nos transportes públicos o futuro pertence à eletricidade.” (ORTIZ, 1991, p. 199). Um avanço gigantesco em termos de mobilidade urbana, sendo que em um passado bastante recente, “em Paris, os ônibus puxados a cavalos tinham sido introduzidos em 1838, mas seu grande período de incremento foi a década de 1850.” (SENNETT, 1988, p. 181). Desta forma, diante da valorização do espaço, na construção deste novo cenário, “se o centro era o cartão de visitas, as camadas populares, desalojadas, deveriam ir para os subúrbios – para onde se estendia a rede dos transportes públicos.” (PESAVENTO, 1999, p. 176).

As amplas vias, desta forma, seriam implantadas já sob a influência da necessidade de espaços para veículos maiores que transportavam dezenas de pessoas. Demandas da sociedade moderna que, cada vez mais, especializava os espaços e distanciava o local de trabalho da residência, fundadas na proposta da fluidez urbana.

Figura 01: Paris, metade do século XIX, amplas vias, ainda sob tração animal

O avanço da industrialização, as novas relações econômicas, a especialização, a valorização do espaço, renovando-se através de avanços nas técnicas construtivas, proporcionariam maior lucratividade e ampliariam os conceitos relacionados ao uso da cidade. Por sua vez, Paris seria o palco desta nova concepção do espaço urbano, em maior profundidade, devido as grandes intervenções da segunda metade do século XIX, proporcionando o fluxo do ar, das águas e da circulação de pessoas e serviços. Não por acaso, “Napoleão III e Haussmann conceberam as novas vias e artérias como um sistema circulatório urbano.”(BERMAN, 2007, p. 180).

A transformação da rua e dos espaços da cidade imprimiriam a negação da forma anterior e a criação de outro padrão na construção do urbano, novas formas e funções. Diante das emergentes demandas econômicas e sociais, as ações político-administrativas impõem a renovação, adequada aos novos preceitos, pois “a modificação do espaço de uma cidade, dando a ela forma e feição, contêm em si um projeto político de gerenciamento do urbano em sua totalidade.” (PESAVENTO, 1999, p. 16).Resultado da aliança entre os interesses do Estado e do Capital, “o crescimento das cidades e a urbanização do mundo é um dos fatos mais notáveis do mundo moderno.” (WIRTH, 1967, p. 98).

Consequentemente, a condição necessária de moradia das classes proletárias no centro urbano, devido a abertura de vias de fluxo rápido e a difusão dos meios de transportes de massa, era algo agora dispensável. Sendo assim, o conjunto de edificações das áreas centrais valorizadas, inadequados a novos usos, seriam substituídos na perspectiva de que a condição de sucesso pecuniário era desprezar o passado, “porque se tratava de um fato consumado, e acolher o novo, simplesmente porque era um afastamento e, por conseguinte, uma nova oportunidade de empreendimento lucrativo.” (MUMFORD, 2008, p. 493).

Finalmente, ilustrando a terceira e última fase da modernidade, dentro da concepção de Berman (2007, p. 26), “no século XX, o processo de modernização se expande a ponto de abarcar virtualmente o mundo todo”. O reflexo se daria nos centros urbanos, locais de exposição, concentração da produção, da oferta e dos consumidores. Como resultado da adequação dos espaços às novas condições, “a própria aparência das cidades, das ruas, das casas, modifica-se. A vida parece ampliar-se e abrem-se os horizontes sem limites.” (LEFEBVRE, 1969, p. 126). Tudo isto, em “seu impulso mais íntimo se deve ao aparecimento das máquinas.” (BENJAMIN, 2007, p. 41).

Em “Introdução a Modernidade- Prelúdios”, Henri Lefebvre ilustra o período criativo de fins do século XIX, que resultou no limiar de um século XX pleno de novidades com o surgimento das grandes invenções oriundas do desenvolvimento técnico cientifico,

a eletricidade, o auto, o avião – entram na prática industrial e social. E também os inícios do cinema, da publicidade transformada pelos novos meios, da gravação mecânica da voz e da música. A vida muda, então, de maneira sensível e visível. (LEFEBVRE, 1969, p. 126).

De fato, são múltiplas as inovações, as quais teriam espaço na cidade. Pelas ruas chegarão as canalizações de água e esgotamento sanitário, sobre seu pavimento circularão os automóveis, em suas suntuosas quadras se instalarão os cafés e as salas de cinema, por ela a informação circula, todo um conjunto de consumidores, desta nova ordem, acessam os seus benefícios. As ruas transportam e comportam as novidades, reflexos de um fabuloso processo que teve impulso num contexto em que no seio da aceleração histórica, “na área cultural ocidental, simultaneamente por arrastamento e reação, aparece um novo conceito, que se impõe no campo da criação estética, da mentalidade e dos costumes: a modernidade.” (LE GOFF, 1994, p. 179).

A luz que penetra, amplia os Horizontes, as aberturas no espaço permitem um campo visual maior, um alcance mais longo da paisagem, até mesmo pelo reflexo nas vitrinas. A rua, artéria vital da cidade, se alargaria para abrir estes horizontes sem limites, rompendo definitivamente “as muralhas”. As cidades sofreram transformações em uma velocidade deslumbrante, os trens possibilitaram a expansão em direção as áreas periféricas, a eletricidade possibilitaria implantar meios de transportes de massa, os bondes elétricos integrariam os bairros contíguos as áreas centrais.

Neste ínterim, as ruas ganharam iluminação mais eficiente, despertando o caráter fascinante da vida noturna das cidades e, no campo da estética, “os materiais que traduzem este fascínio, a luz elétrica e sua aplicação nos anúncios luminosos vão impactar fortemente artistas modernos.” (TEIXEIRA, 2009, p. 70). As ruas, lugares onde a vida moderna acontece, passariam por transformações para receberem este público apto ao consumo da modernidade, onde “o espaço ocupado pela liberdade consumava a crença iluminista no direito de ir e vir.” (SENNETT, 2008, p. 241). Sobretudo, enquanto artérias, elementos primordiais de uma cidade, sofreriam os impactos desta nova ordem

representada na estética da rua como o palco dos novos tempos e de um espaço que criaria a condição para a modernidade, pois “o caminho aberto leva à praça pública.” (BERMAN, 2007, p. 20).

Nesse contexto de um mundo urbano em transformação, as cidades eram providas de uma série de novos serviços que requalificavam os espaços, adquirindo salubridade e amplas possibilidades de deslocamentos diários, abriam-se amplas vias para indivíduos em locomoção, multidões em movimento.

O avanço da modernidade traria a separação dos locais de moradia entre ricos e pobres, a especialização dos espaços, estes últimos na periferia e aqueles com maior poder econômico em áreas selecionadas nas proximidades das áreas centrais. Uma tendência que se alastraria pelo mundo, a partir da virada do século, inspirada nas transformações de Paris onde na segunda metade do século XIX, Haussmann “levou a cabo o maior esquema de redesenvolvimento urbano dos tempos modernos, destruindo boa parte da malha medieval e da Renascença; retas, as novas vias ligavam o centro da cidade aos distritos.” (SENNETT, 2008, p. 269).

Com o advento dos tempos modernos7, as formas antigas e novas entram em choque, contradições em que os desejos do progresso se encontram com os valores da tradição, compondo o cenário onde “a modernidade ficou menos igual a ela mesma; e a antiguidade, supostamente, nela contida, apresenta na verdade o aspecto do caduco.” (BENJAMIN, 1985, p.23). No entanto, “por trás dos interesses imediatos do novo capitalismo, com seu amor abstrato ao dinheiro e ao poder, teve lugar uma mudança em toda a estrutura conceptual.” (MUMFORD, 2008, p. 434). Todavia, a sensação é de que, “apesar disso, o trágico movimento da história moderna em princípio conduz a um final feliz.” (BERMAN, 2007, p. 131).

A sensação de se viver sob os auspícios de um novo tempo traz, concomitantemente, a perspectiva de um futuro declinando em relação ao passado. Referindo-se à França na virada do século, Ortiz (1991, p. 52) relata que, “o período entre 1880 e 1914 tem muitas vezes sido imaginado como uma Belle Époque”. Esta expressão8 foi cunhada no século XX quando a França, após ser anfitriã de inúmeras exposições universais da modernidade, “conhece uma crise econômica e enfrenta as

7Corresponde ao uso contemporâneo do termo em inglês e francês: por volta de 1800, modern

times e temps modernes designam os três séculos precedentes (HABERMAS, 2002, p. 09).

8A Belle Époque seria o refluxo de uma época, seus excessos expressariam o fim de uma

lembranças recentes da Primeira Grande Guerra, ela encerra uma conotação nostálgica, algo como um passado áureo perdido para sempre.” (ORTIZ, 1991, p. 52).

Ao adentrar o século XX, Paris representava o símbolo mais puro da modernidade. No entanto, veículos à tração animal ainda disputavam

espaços com os motorizados.

Figura 02: A Avenida Champs-Elysées. C. 1910

Fonte: www.parisenimages.fr Figura 03: Rua de Fauburg. C. 1910

O auge e a idéia do declínio se encontram no momento em que se tem a percepção de atingir o ponto máximo de ascensão. No entanto, ao entrar o novo século, já era possível desfrutar de toda a modernidade urbana produzida no período. Desta forma, segundo Ortiz (1991, p. 53), “se pode divisar a Belle Époque com outros olhos. Afinal, este é o momento em que a França torna-se uma sociedade moderna”. Nas