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Fish reconhece ter compreendido mal Dworkin?

2. DEBATE ENTRE ARTIGOS

2.2. As críticas de Fish: pensando sobre a cadeia

2.2.5. Fish reconhece ter compreendido mal Dworkin?

Ao final deste seu artigo, Fish reconhece que Dworkin pode ter se antecipado a várias críticas fisheanas ao dizer que: (i) o artista não pode criar nada sem interpretar enquanto cria, (ii) o artista tem a sua própria teoria, mesmo que tácita, sobre o porquê o que ele produz é arte, (iii) os fatos da história não se anunciam por si mesmos, variando conforme a crença de diferentes juízes sobre qual é a função do Direito, (iv) a constrição imposta pelo texto não é inevitável, pois o modo de se interpretar o texto será controversa, (v) a própria noção de constrição é interpretativa. Independente da correção de Fish ao descrever essas exceções ou cuidados que Dworkin tomou, para o propósito desta dissertação, basta vermos que Fish reconhece que Dworkin não é exatamente do modo como ele descreveu. Todavia, Fish, em vez de repensar o modo como caracterizou Dworkin, preferiu usar esses possíveis “cuidados e ressalvas” de Dworkin contra o próprio Dworkin, enxergando neles uma demonstração do enfraquecimento do argumento.

No início do artigo de Dworkin, relembra Fish, há uma distinção entre casos simples e casos difíceis. Dworkin traz o exemplo do testamento, que não seria válido sem três testemunhas, para ilustrar um caso fácil e diz que os casos mais difíceis seriam aqueles nos quais nos debruçaríamos e discutiríamos as diversas possibilidades dentro do Direito. Porém, diz Fish, o mais intrigante vêm em parênteses, quando Dworkin diz “Eu estou incerto sobre se a análise positivista se sustenta até mesmo no caso simples do testamento; porém, isso é uma questão diferente que eu não discutirei aqui.”82 Para Fish, não se trata de

outra questão, vez que todo o artigo de Dworkin dependeria desta distinção.

Para Fish, o que Dworkin pode querer dizer com essa ressalva é que tanto nos casos fáceis quanto nos difíceis podemos encontrar o mesmo tipo de trabalho interpretativo, sendo esse trabalho tão somente mais explicitamente necessário nos casos difíceis.

Segundo o raciocínio de Fish, para que um caso pareça inteligível, independentemente de alguma estratégia interpretativa conscientemente empregada, é necessário que nós já estejamos lendo dentro de uma estratégia e empregando, mesmo sem

81 “Intention like anything else is an interpretive fact; that is, it must be construed” FISH in MITCHELL

(1983: 283)

82 “I am doubtful that the positivists' analysis holds even in the simple case of the will; but that is a different

estarmos cientes, definições, termos, modos de inferências, argumentações etc. Se Dworkin, em seu rápido argumento em parênteses, está concordando com esse raciocínio, para Fish, isso significa que Dworkin se contradiz, pois ele estaria negando a existência entre casos difíceis e fáceis, não como um fato empírico que qualquer um pode experienciar, mas como um fato que reflete a diferença básica entre casos que são auto-

resolvíveis (self-settling) e casos que podem ser resolvidos somente por referência à

história dos procedimentos, práticas e convenções.83E, para Fish, todos os casos somente são resolvíveis e compreendidos em vista da nossa história institucional e de suas constrições.

Para não fugirmos à regra, caminhemos para o final deste tópico com a nossa já conhecida pergunta: Fish e Dworkin estão discordando aqui ou se trata de uma má- compreensão? Novamente, aqui, as críticas de Fish estão dentro de uma má-compreensão. E é exatamente no final deste artigo-resposta de Fish que podemos ver de forma mais clara e explícita todo o motivo da má-compreensão entre Dworkin e Fish. Este demonstra que entende muito bem o raciocínio de Dworkin ao perceber que tanto nos casos fáceis quanto nos difíceis é necessário o trabalho interpretativo, sendo que eles não são diferentes do modo como alguns positivistas gostariam que fossem. A questão, portanto, é que Fish parece não enxergar outra possibilidade para Dworkin sair dessa aparente encruzilhada, senão enquadrá-lo como um positivista. Mas, como eu venho desenvolvendo, o problema é mais simples do que se parece e, aliás, não se trata propriamente de um problema filosófico, mas tão somente de um descompasso linguístico.

Fish relata o caso muito bem, mas não entende que Dworkin está justamente nesse campo empírico para longe do qual ele enviou Dworkin. Este também está no campo do “fato empírico, que qualquer um de nós pode experienciar”. Ou seja, Dworkin não está, para além desse campo, dizendo que há uma diferença básica entre casos fáceis e difíceis em algum sentido mais rigoroso e forte contra o qual Fish teria, inclusive, toda a razão de negar. O que Dworkin está dizendo é que há casos que tratamos de forma mais simples e, portanto, são mais fáceis e outros que acabam por se tornar mais difíceis. Isso ocorre, então, internamente, com qualquer um que possa ter experimentado essa situação estando dentro da prática jurídica, como diz o próprio Fish. Não se está a defender uma diferença básica entre os casos fáceis e difíceis de um ponto de vista externo, como Fish gostaria de

caracterizar Dworkin. É claro, pois, que ambos precisam de interpretação e mais claro ainda que Dworkin e Fish estão se preocupando a partir de perspectivas diversas.

O que dizer, então, para esta crítica final de Fish? O seguinte: “Sim, Fish, é exatamente isso: não há uma diferença básica entre casos fáceis e difíceis e trata-se de um assunto diferente, o qual eu não vou debater aqui”. E, de fato, trata-se de outro assunto. Ou, melhor dizendo, trata-se de outra perspectiva, qual seja, a externa. De outro lado, internamente, tanto Fish quanto Dworkin concordam que existem casos fáceis e difíceis no mundo empírico, na prática judicial, no nosso sentimento experimentado quando pegamos um processo.

Uma objeção, todavia, pode estar perturbando algum possível leitor: “Ora, mas Dworkin está todo o tempo argumentando sob o ponto de vista interno?” Não. Quando Dworkin traz a sua hipótese estética, isso é uma análise externa sobre a natureza, sobre o modo-de-ser da interpretação, ou seja, trata-se de Dworkin, externamente, olhando para práticas sociais envolvidas com interpretação e falando algo sobre essas práticas. Aqui Dworkin está se posicionando externamente. Porém, ainda não há nenhuma crítica de Fish voltada diretamente para esse aspecto. Vejamos como isso se desenvolverá no debate entre os artigos vindouros.