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CAPÍTULO 1 SISTEMAS

1.3 SISTEMAS COMPLEXOS E ESTRUTURAS DISSIPATIVAS

1.3.1 Estruturas dissipativas

1.3.1.2 Flutuações e mudanças

No estado estacionário, o sistema absorve perturbações, que representam flutuações. PRIGOGINE e STENGERS (1991) explicitam que uma flutuação não pode invadir de uma só vez o sistema inteiro. Ela deve estabelecer-se primeiro numa área. E, conforme essa área inicial for ou não menor que uma dimensão crítica, a flutuação regressa, é absorvida, ou pode, ao contrário, invadir todo o sistema.

Quando o sistema não pode absorver a perturbação, flutuando em torno de valores médios, ele torna-se instável e ocorre uma ruptura na sua estrutura. Nesse momento, chamado

ponto de bifurcação29, ocorre um “evento catastrófico”, no sentido de que o sistema se

movimenta de um estado inicial de estabilidade para uma fase dramática de reorganização30. O ponto de bifurcação consiste em um momento na evolução do sistema no qual aparece subitamente um forqueamento, e o sistema se ramifica em uma nova direção; é um ponto

29 Em sistemas que não obedecem a um comportamento linear, a não-linearidade implica em diferentes

possibilidades. Matematicamente, quanto mais alta for a não-linearidade, maior será o número de soluções possíveis. Isso significa que o sistema encontrará, num determinado momento, um ponto de bifurcação, no qual ele poderá se ramificar num estado inteiramente novo e assumir novo comportamento. “Um ponto de bifurcação é um limiar de estabilidade no qual a estrutura dissipativa pode se decompor ou então imergir num dentre vários novos estados de ordem.” (CAPRA, 2000, p. 156).

30 MORIN (1977, p. 47), citando Thom (1972), chama a atenção para o fato de que “o termo catástrofe deve ser

considerado não só no seu sentido geofísico e geoclimático tradicional”, mas como sendo “mudança/ruptura de forma em condições duma singularidade irredutível”, e afirma que a catástrofe comporta a idéia de acontecimento e de cascatas de acontecimentos. O autor chama a atenção para o fato de que “catástrofe” inclui a idéia de desordem, e a ruptura e desintegração de uma forma antiga constitui o próprio processo constitutivo da nova forma, conforme já pudemos constatar no item anterior. Esta noção “contribui para fazer compreender que a organização e a ordem do mundo se identificam no e pelo desequilíbrio e a instabilidade.”

crítico, de grande instabilidade no sistema. Em outras palavras, no ponto de bifurcação, o sistema torna-se caótico, apresentando extrema sensibilidade às condições iniciais. Mudanças diminutas no estado do sistema, nesse ponto, podem levar, ao longo do tempo, a conseqüências em grande escala – o que é chamado “efeito borboleta”. Portanto, quando em estado caótico, pequenas influências podem determinar o novo estado estacionário a ser assumido pelo sistema.

E é a partir desse momento que atratores31 podem desaparecer ou se converter uns nos outros, ou novos atratores podem aparecer subitamente, fazendo surgir uma nova ordem, uma nova organização, atingindo um novo estado estacionário.

Nas “estruturas dissipativas”, portanto, Prigogine incluiu a idéia de pontos de instabilidade nos quais novas estruturas e novas formas de ordem surgem. Ou seja, na evolução dessas estruturas, que possuem comportamento não linear, novas situações, imprevisíveis, podem emergir a qualquer momento, e a idéia de catástrofe identifica-se com o conjunto do processo metamórfico de transformações desintegradoras e criadoras. Assim, ordem e desordem, e acaso e necessidade nutrem-se um do outro produzindo sistemas organizados, onde ordem-desordem-organização estão permanentemente interagindo, e, de um comportamento aparentemente aleatório e errático, surge o atrator – configuração preferencial de comportamento do sistema.

O momento de ruptura, portanto, ocorre quando um evento de entrada ultrapassa o limiar compatível com a organização do sistema, provocando profunda alteração, e o sistema tende a se reajustar, se reorganizar, estabelecendo nova estrutura e assumindo novos aspectos. As emergências que aparecem tornam-se os elementos de base de um novo patamar organizacional, que produz novas organizações e emergências. Nesse reajuste, o sistema pode voltar ao estado semelhante ao precedente ou atingir estado estacionário em novo posicionamento (GARCIA, 2000; MORIN, 1989).

31 Segundo PRIGOGINE e STENGERS (1991, p. 108), os atratores correspondem “às ‘preferências’ da natureza,

de suas tendências...”. CAPRA (2000, p. 114) mostra que há três tipos de atratores: punticformes, correspondentes a sistemas que atingem um equilíbrio estável; periódicos, correspondentes a oscilações periódicas; e atratores estranhos, que correspondem a sistemas caóticos. O autor conta que Ueda, no final da década de 60, observou que, em um oscilador caótico, cada movimento é único, no entanto, os pontos desenhados no espaço não estão distribuídos aleatoriamente, e juntos formam um padrão complexo, altamente organizado. A partir daí, constatou-se que um sistema pode ter inúmeras variáveis, mas seu movimento pode estar restrito a um atrator estranho de poucas dimensões, o que representa um alto grau de ordem. Nesse sentido, verificou-se que comportamento caótico não significa movimento errático. Com a ajuda de atratores estranhos, pode-se fazer uma distinção entre a mera aleatoriedade, ou “ruído”, e o caos. O comportamento caótico é determinista e padronizado, e os atratores estranhos nos permitem transformar os dados aparentemente aleatórios em formas visíveis distintas.

A reorganização exige do sistema uma readaptação, cujo tempo é variável. Segundo CHRISTOFOLETTI (1979), CHORLEY e KENNEDY (1971)23 consideram que o tempo de readaptação é controlado por quatro fatores principais:

- a resistência oferecida às mudanças pelos componentes individuais do sistema, com seus diferentes tempos de reação e de readaptação;

- a complexidade do sistema, envolvendo o número de componentes e a freqüência e natureza dos seus relacionamentos;

- a magnitude e a direção do evento entrada, que pode reforçar a tendência de mudança existente no próprio sistema ou contrário a ela;

- o ambiente de energia do evento entrada oferecido ao sistema. As rápidas flutuações ocorridas no evento podem ser filtradas por subsistemas do ambiente a fim de manter tendências mais simples no decorrer do fluxo.

Segundo PRIGOGINE e STENGERS (1991, p. 132),

quanto mais complexo é um sistema, maiores são as possibilidades de, em qualquer caso, certas flutuações serem perigosas. Houve quem perguntasse como é possível que conjuntos da complexidade das organizações ecológicas ou humanas possam manter-se e como escapam eles ao caos permanente. É provável que nos sistemas muito complexos, em que as espécies ou os indivíduos interagem de maneira muito diversificada, a difusão, a comunicação entre todos os pontos do sistema seja igualmente muito rápida. Nesse caso, o limiar de nucleação muito elevado das flutuações perigosas assegura uma certa estabilidade ao sistema. Assim, a rapidez da comunicação é que determinaria a complexidade máxima que a organização de um sistema pode atingir sem se tornar demasiado instável.

SANTOS (1997b, p. 17) salienta que uma ação externa sobre um sistema “é apenas um detonador, um vetor que traz para dentro do sistema um novo impulso, mas que por si só não tem condições para valorizar esse impulso”, e que

um mesmo impulso externo tem uma repercussão diferente segundo o sistema em que se encaixou (...) As diferenças de resultado são dadas pelas condições locais próprias, que agem como modificador do impacto externo.

Portanto, a evolução de um sistema, após ter passado pela instabilidade, pode variar. O caminho tomado pelo sistema, por sua vez, depende da história anterior do sistema, evidenciando a importância do processo histórico em sistemas desse tipo, bem como de condições no momento em que o sistema atinge o ponto de bifurcação, condições essas que não podem ser previstas, muitas vezes pequenas flutuações, conferindo imprevisibilidade às estruturas dissipativas. Por isso, o que num dado momento é desvio insignificante em relação

a um comportamento normal pode, noutras circunstâncias, ser fonte de crise e de renovação (PRIGOGINE e STENGERS, 1991).

A desestabilização que leva à ruptura pode ocorrer devido aos acontecimentos externos ou internos de alta intensidade e curta duração, ou mesmo quando pequenos distúrbios levam o sistema às “fronteiras da estabilidade”, até ultrapassá-las. Pode ocorrer de condições de contorno se modificarem e manterem-se constantes, atuando continuamente sobre o sistema até desestabilizá-lo, ou de as instabilidades e os saltos para novas formas de organização serem resultado de flutuações amplificadas por laços de realimentação positivos dentro do sistema.

Isso mostra que, em sistemas não-lineares, até mesmo pequenas mudanças, dependendo do momento em que ocorrem, podem ter efeitos dramáticos e imprevisíveis, pois podem ser amplificadas repetidamente por meio de realimentação de auto-reforço. Segundo PRIGOGINE e STENGERS (1991, p. 107), “esses processos de realimentação não-lineares constituem a base das instabilidades e da súbita emergência de novas formas de ordem, tão típicas da auto-organização.”

Assim, um comportamento coerente emerge de maneira espontânea em pontos críticos de instabilidade afastados do equilíbrio, em momentos caóticos, resultando em desenvolvimento e em evolução do sistema.

Em se tratando de estruturas dissipativas, sendo as descrições do estado estacionário médias por definição, uma questão posta por PRIGOGINE e STENGERS (1991) é a do limiar a partir do qual um conjunto de interações individuais pode produzir um efeito singular em nível da população.

As características e dinâmica de sistemas complexos vistas até o momento podem ser visualizadas no estudo do espaço, através da análise de sistemas espaciais como sistemas complexos, onde a interação de diferentes elementos produz e expressa estrutura e organização sujeitas a flutuações e mudanças ao longo da história do sistema.