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CAPÍTULO 1 SISTEMAS

1.4 SISTEMAS ESPACIAIS COMO SISTEMAS COMPLEXOS

1.4.2 Sociedade no espaço (segundo Milton Santos)

Para o geógrafo, não existe sociedade sem espaço, nem espaço sem sociedade. Para CORRÊA (1986), a objetivação do estudo da sociedade pela geografia faz-se através de sua organização espacial, e a organização espacial é vista como a própria sociedade espacializada.

Destacando a “sociedade no espaço”, SANTOS (1997b) afirma que “a essência do espaço é social”.

Nesse caso, o espaço não pode ser apenas formado pelas coisas, os objetos geográficos, naturais e artificiais, cujo conjunto nos dá a Natureza. O espaço é tudo isso, mais a sociedade: cada fração da natureza abriga uma fração da sociedade atual. (p. 1)

Em “A natureza do espaço”, SANTOS (1997a) define o espaço como “um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de sistemas de ações” (p. 18). A partir dessa noção, o autor afirma que “podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a

37 SAUSHKIN, Y. G. The cultural landscape. Soviet. Geogr., 9 (7): 562-569, 1968.

38 KOBRINSKI, A. V., MIJAIEVA, G., N. Sistemas em Geografia. [en ruso]. Notic. Acad. Cien. URSS, ser.

Geogr., (2):18-23.1971.

39 SOTCHAVA, V. B. La aplicación de la teoria de sistemas a la Geografia. [en ruso]. Notic. Acad. Cien. URSS,

paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo” (p. 19).40

No geossistema, segundo MONTEIRO (2001, p. 89-90), pode ser enfatizada a articulação de fatos sócio-econômicos:

a antropização do geossistema, pela compreensão do geossistema, pela compreensão daquilo que se substancia concretamente na paisagem (geossistema) como os usos (agrícolas) edificações (urbano, industrial, tecnológica) e derivações importantes no sítio (represas, aterros, grandes desmatamentos, etc., etc.). Se estas são coisas que se concretizam no sistema há forças poderosas de dinamização processual que entram na causalidade socioeconômica (fluxos de capitais, de inovações, etc.).

SANTOS (1997b) afirma que os diversos elementos41 do espaço estão em relação uns com os outros: homens e firmas, homens e instituições, firmas e instituições, homens e infra- estruturas, etc. Essas relações são generalizadas, e ...

... não são entre as coisas em si ou por si próprias, mas entre suas qualidade e atributos. Por isso, pode-se dizer que formam um Verdadeiro Sistema. Tal sistema é comandado pelo modo de produção dominante nas suas manifestações à escala do espaço em questão. Isso coloca de imediato o problema histórico. (p. 14)

Discutindo a evolução de sistemas espaciais e fatores que a determinam, na mesma obra Santos afirma que “o processo de evolução da totalidade do espaço dependente ou de uma de suas frações supõe confronto, às vezes um conflito, entre fatores externos e internos” (p. 77).

E salienta:

... o vetor externo só ganha um valor específico como conseqüência das condições do seu impacto, mas também sabemos que o chamado movimento interno das estruturas ou as relações entre elas não são independentes de leis mais gerais. É por essa razão que cada lugar constitui na verdade uma fração do espaço total, pois só esse espaço total é objeto da totalidade das relações exercidas dentro de uma sociedade, em um dado momento. Cada lugar é objeto apenas de algumas dessas relações “atuais” de uma dada sociedade e, através de seus movimentos próprios, apenas participa de uma fração do movimento social total. (p. 18)

40 “O espaço será visto em sua própria existência, como uma forma-conteúdo, isto é, como uma forma que não

tem existência empírica e filosófica se a considerarmos separadamente do conteúdo e um conteúdo que não poderia existir sem a forma que o abrigou” (SANTOS, 1997a, p. 22).

41 Para SANTOS, os elementos do espaço são os homens, as firmas, as instituições, o chamado meio ecológico e

Mais adiante, SANTOS (1997b), referindo-se aos fatores internos, explica que “sua definição pode ser dada como sendo a do conjunto de variáveis tal qual estão presentes na área em questão.” O autor, então, diferencia escala do lugar e escala de estudo, afirmando que “esta última é, em muitos casos, dada externamente, em função da escala em que, de fato, atuam as variáveis estudadas.” (p. 77)

Cada lugar, pois, se caracteriza por um certo arranjo de variáveis, arranjo espacialmente localizado e, de certa maneira, espacialmente determinado. Esta é uma das formas como os lugares se distinguem uns dos outros. Mas, esse arranjo está sempre mudando, com ou sem influxo de fatores externos. As combinações localizadas são dinâmicas e se fosse possível conceber um ponto isolado no espaço global, ele continuaria a evoluir e, dentro de algum tempo, não mais seria o mesmo. O interno não é, pois, um conceito imutável. ... Em qualquer circunstância, mas sobretudo no espaço transformado, o interno aparece como a internalização do externo. ... O externo, porém, nem sempre se internaliza completamente. (SANTOS, 1997b, p. 77-78)

E complementa: “A internalização do externo, a renovação do antigo a serviço das forças de mercado não seria possível sem o apoio, ainda que não deliberado, do Estado” (p. 80).

Essas idéias do autor são também expressas em “A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção”, outra obra de sua autoria (SANTOS, 1997a).

1.4.2.1 Estrutura, processo, função e forma

Tratando dos conceitos de espaço e sociedade, logo no início de seu livro Espaço e Método, Milton SANTOS (1997b) afirma que, no espaço,

...temos, paralelamente, de um lado, um conjunto de objetos geográficos distribuídos sobre um território, sua configuração geográfica ou sua configuração espacial e a maneira como esses objetos se dão aos nossos olhos, na sua continuidade visível, isto é, a paisagem; de outro lado, o que dá vida a esses objetos, seu princípio ativo, isto é, todos os processos sociais representativos de uma sociedade em um dado momento. Esses processos, resolvidos em funções, se realizam através de formas. Estas podem não ser originalmente geográficas, mas terminam por adquirir uma expressão territorial. Na verdade, sem as formas, a sociedade, através das funções e processos, não se realizaria. (p. 2)

E, mais adiante explicita:

Um conceito básico é que o espaço constitui uma realidade objetiva, um produto social em permanente processo de transformação. O espaço impõe sua própria realidade; por isso a

sociedade não pode operar fora dele. ... a sociedade... dita a compreensão dos efeitos dos processos (tempo e mudança) e especifica as noções de forma, função e estrutura,... (p. 49)

Para compreender a organização espacial e sua evolução – a evolução da “totalidade social espacializada”, é necessário pois interpretar a relação dialética entre estrutura, processo, função e forma. Estas são as categorias analíticas que permitem a compreensão da totalidade social em sua espacialização, e podem ser definidas conforme segue abaixo (segundo SANTOS, 1997b e CORRÊA, 1986).

A forma é o aspecto visível de uma coisa, o aspecto exterior, referindo-se ao arranjo ordenado de objetos que passam a constituir um padrão espacial. É um aspecto da realidade, a sua aparência, e “pode ser imperfeitamente definida como uma estrutura técnica ou objeto responsável pela execução de determinada função”. Sua essência aparece nos processos e funções que emanam da estrutura, pois as formas surgem dotadas de certos contornos e finalidades-funções. Assim, “cada padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também, funcional” (SANTOS, 1997a, p. 77).

A função sugere uma tarefa ou atividade de uma forma, pessoa, instituição ou coisa, ou seja, é a tarefa, atividade ou papel a ser desempenhado pelo objeto criado. O aspecto exterior – forma – desempenha uma atividade – função. Não se pode dissociar forma e função no estudo da organização espacial. “Na medida em que função é ação, a interação supõe interdependência funcional entre os elementos. Através do estudo das interações, recuperamos a totalidade social, isto é, o espaço é como um todo e, igualmente, a sociedade como um todo.” (SANTOS, 1997b, p. 7)

A estrutura implica a inter-relação de todas as partes de um todo; o modo de organização ou construção. É o modo como os objetos estão organizados; refere-se não a um padrão espacial, mas à maneira como estão inter-relacionados entre si, sem exterioridade imediata (diferente da forma). É, por exemplo, a natureza social e econômica de uma sociedade em um dado momento do tempo. A estrutura revela-se como uma forma, sendo esta última mais facilmente analisada, pela sua visibilidade, do que a própria estrutura.

O processo é uma ação que se realiza continuamente, desenvolvendo-se em direção a um resultado qualquer, implicando tempo (continuidade) e mudança. Os processos ocorrem dentro de uma dada estrutura social e econômica. Processo é uma estrutura em seu movimento de transformação. O tempo–processo é uma propriedade fundamental na relação entre forma, função e estrutura, pois é ele que indica o movimento do passado ao presente.

SANTOS (1997b, p. 2) afirma que “a ação é inerente à função, e condizente com a forma que a contém: assim, os processos apenas ganham inteira significação quando corporificados.”

A partir da estrutura social e econômica, podemos considerar as inter-relações entre estrutura, processo, função e forma. Uma dada estrutura social e econômica possui seus processos intrínsecos que demandam funções a serem cristalizadas em formas espaciais.

Considerados em conjunto e relacionados entre si, forma, função, estrutura e processo

constroem uma base teórica e metodológica a partir da qual pode-se discutir os fenômenos espaciais em totalidade. (...) devem ser estudados concomitantemente e vistos na maneira como interagem para criar e moldar o espaço através do tempo. (SANTOS, 1997b, p. 52).

Considerando que a totalidade é um conceito abrangente, cabe fragmentá-la em suas partes constituintes para um exame mais restrito e concreto.

Num dado tempo, num momento discreto, esses ingredientes analíticos podem ser vistos em termos de forma, função e estrutura. Mas ao longo do tempo, deve-se acrescentar a idéia de processo, agindo e reagindo sobre os conteúdos desse espaço. A dimensão do tempo histórico, quando variados fatores têm uma maior ou menor duração ou efeito sobre a área considerada, proporciona uma compreensão evolutiva da organização espacial. (SANTOS, 1997, p. 51)

Assim, estrutura, processo, função e forma constituem categorias analíticas que representam o verdadeiro movimento da totalidade, o que permitirá fragmentá-la para em seguida reconstruí-la.

Segundo CORRÊA (1986), a partir da compreensão das relações entre estrutura, processo, função e forma, pode-se, sem receio de cair no empirismo, iniciar o estudo da organização espacial de uma sociedade em um determinado momento de sua história pelas suas formas.

Nesse sentido, SENGE (1999), citando a obra Belonging to the Universe, afirma que os autores explicam as transformações envolvidas na mudança do pensamento linear para o pensamento sistêmico, o que implica na mudança de ver coisas como estruturas para vê-las como processos: “uma árvore não é um objeto, mas uma expressão de processos, tal como a fotossíntese, que ligam o sol e a terra” (p. 90).

Sem a intenção de resgatar, a partir da obra de BUCKLEY (1971), a discussão entre diferentes modelos de “sistemas sociais”42 que tentavam, sobretudo na década de 60, incorporar noções de sistemas, ressalto alguns aspectos:

1. as estruturas representam resultados finais temporários de processos de acomodações, ajustamentos e conflitos interpessoais;

2. a sociedade possui conjuntos assaz estáveis de normas, valores, etc., alternativos, diversos, contrários, bem como vasta área de ambigüidades e comportamento coletivo não institucionalizado, de todos os graus e matizes;

3. “sistemas” socioculturais podem abarcar largas diversidades e incompatibilidades, embora se mantenham surpreendentemente persistentes por longos períodos;

4. “sistemas” socioculturais são adaptáveis: são inerentemente elaboradores e modificadores de estruturas, mudando-as continuamente como adaptações a condições internas e externas.

BUCKLEY (1971) chama a atenção para o fato de que um estado estacionário não deve ser identificado com a estrutura particular do sistema, pois, no intuito de manter esse estado, o sistema pode precisar alterar sua estrutura particular.