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CAPÍTULO 4 – ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA: ANÁLISE DOS

4.1 PRIMEIRO NÍVEL DE ANÁLISE: O LOCAL

4.1.1 Suinocultura – granja

A principal estrutura operacional e física que sustenta a poluição (sobretudo orgânica) do rio Coruja-Bonito, localizada no meio rural, é a atividade suinícola, cuja organização se dá através da produção em sistema de confinamento, com diversos produtores em toda a bacia, caracterizada pela grande produção de dejetos em pequenas áreas.

O principal componente que expressa a estrutura física é o subsistema granja- esterqueira.

Operacionalmente, há diversas entradas na granja, advindas sobretudo do ambiente exógeno ao geossistema em estudo, e a saída da granja é o produto suíno, também exportado, em sua maior parte, da bacia, como kg de peso vivo (kg p.v.). Além disso, saem da granja os dejetos que, estes sim, ficam na bacia.

Ainda no que se refere à saída da granja, em alguns casos a comercialização dos suínos é feita dentro da própria bacia, dada a existência de abatedouros locais que, após o abate, exportam (comercializam) a carne suína ou derivados para fora da bacia.

4.1.2 Água e mão-de-obra

Dois importantes componentes, necessários à produção de suínos, são encontrados na própria bacia:

1 – disponibilidade de mão-de-obra: a mão-de-obra utilizada na suinocultura é familiar ou, no caso de granjas maiores, é contratada, oferecendo empregos para a população rural próxima. Essa ocupação de mão-de-obra tem sido apontada como fator importante na fixação do homem no meio rural. O mesmo vale para abatedouros-frigoríficos instalados na bacia. Cabe lembrar que o setor agropecuário emprega, na bacia, cerca de 230 pessoas, entre suinocultura, abatedouros-frigoríficos e também bovinocultura de leite, freqüentemente associada à produção de suínos (BRASIL e HADLICH, 2002);

2 – disponibilidade de água de qualidade: até o momento, água de boa qualidade tem sido encontrada na bacia, em nascentes ou poços mais ou menos profundos.

Lembro, no momento, de ROPPA (2003b), que assinalava a disponibilidade de água de qualidade como característica importante para a expansão da atividade nos países da América Latina.

4.1.3 Produção de dejetos

A produção de dejetos depende, basicamente, do número e fase de desenvolvimento dos suínos em criação e do manejo da água na granja, sendo que o valor médio é de 8,6L/dia de dejetos por suíno. Estima-se que em três granjas os dejetos ainda correm diretamente para os rios. Em 92% das granjas os dejetos são armazenados em esterqueiras, e em uma granja é utilizada a parte sólida, após peneiramento, na alimentação de bovinos, e a parte líquida é armazenada em esterqueira. O dejeto, pois, constitui saída da granja e entrada na componente esterqueira.

4.1.4 Esterqueira

A esterqueira corresponde a um armazenador no geossistema. A esterqueira, no entanto, freqüentemente não possui a capacidade necessária para armazenar pelo tempo suficiente todo o dejeto produzido. Assim, pode ocorrer:

1 – extravasamento-transbordamento da parte líquida dos dejetos, que escoa, a céu aberto, diretamente para a rede de drenagem da bacia;

2 – liberação voluntária dos dejetos para que atinjam o rio através de canalização específica ou a céu aberto;

3 – os dejetos podem ser bombeados, mesmo em épocas inadequadas, até as lavouras ou pastagens, sendo dessa forma utilizados como adubo orgânico.

Essas três destinações não se excluem, ou seja, é possível, em diferentes momentos, encontrar as três situações em uma mesma propriedade.

A destinação desses dejetos, observando somente o nível local, está condicionada à decisão do suinocultor: permitindo o extravasamento, não ampliando a esterqueira quando necessário ou subdimensionando-a propositalmente para economizar na sua construção; liberando voluntariamente os dejetos no rio; ou decidindo aplicar os dejetos no solo;

- à disponibilidade de área para aplicação dos dejetos;

- à existência de um sistema eficiente de bombeamento que, em última análise, também depende de investimento decidido pelo suinocultor.

Em caso de a esterqueira não estar devidamente impermeabilizada, pode ocorrer infiltração até os dejetos atingirem o lençol freático, outro componente do sistema, de onde é captada, muitas vezes, a água para a granja.

4.1.5 Dejetos no solo

Uma vez aplicados no solo, os diferentes constituintes dos dejetos de suínos podem ter diferentes destinos: adsorção às partículas do solo; absorção pela vegetação que cobre o solo, podendo, a partir daí, os constituintes ou nutrientes serem exportados do sistema através da produção agrícola ou, no caso da pastagem, serem parcialmente reciclados no próprio sistema; degradação física ou biológica; translocação até os corpos d’água por erosão ou escoamento superficial, atingindo águas superficiais, ou por percolação dos elementos mais solúveis, como os nitratos, podendo esses atingir os lençóis freático ou subterrâneo.

O comportamento dependerá de condicionantes diversos, como: quantidade de dejetos aplicada; cobertura do solo; declividade; características físicas, químicas e biológicas dos dejetos e do solo; distância do rio; profundidade do lençol freático; período de tempo entre a aplicação e precipitações; intensidade e quantidade de chuva. Várias características fisiográficas e hidrológicas da bacia, portanto, atuam como fatores endógenos, como condicionantes no processo de poluição, assim como a precipitação, que, como fator exógeno (entrada no sistema), é fundamental para que a poluição ocorra, estabelecendo a comunicação entre o potencial poluente e as águas da bacia.

O solo, no sistema, pode atuar como armazenador temporário dos constituintes, sendo o tempo variável segundo as condições que levarão a diferentes destinações dos dejetos.

Os mesmos processos podem acontecer com os dejetos de bovinos, também utilizados, na bacia, como adubo orgânico.

4.1.6 Outros poluentes no meio rural

Além da suinocultura, há outras atividades e ações que levam à poluição do rio Coruja- Bonito:

1 – o esgotamento de águas residuais das residências e a insuficiente estrutura sanitária para dejetos humanos, que geram fluxos contínuos ou intermitentes de resíduos em direção aos corpos d’água superficiais;

2 – a bovinocultura em sistema semi-extensivo, através da amontoa de dejetos que, sob ação da chuva, podem ser carreados até o rio;

3 – os abatedouros-frigoríficos instalados na bacia, cujo tratamento de resíduos inexiste ou é insuficiente; neste caso, a exemplo das granjas, é usada água limpa no processo produtivo, retirada do “ambiente”, ao qual são devolvidos resíduos poluentes das águas superficiais.

4.1.7 O rio

Uma vez que diferentes compostos atingem o rio, esses passam a poluí-lo, alterando suas características químicas, físicas e biológicas. No rio, os constituintes, segundo suas próprias características, podem ser degradados por auto-depuração, por processos biológicos ou transformações químicas; podem ficar adsorvidos aos sedimentos em suspensão ou depositados no fundo do canal fluvial; podem ficar suspensos ou solubilizados na água, sendo pois carreados para fora do sistema; podem ser imobilizados, pelo menos temporariamente, pela biota aquática. Grande parte dos dejetos que atingem o rio na área rural, segue o fluxo do rio, passando, próximo à foz, pela área urbana.

4.1.8 Lençol freático

Apesar de desconhecidas as características hidrológicas das águas subterrâneas da bacia, é possível afirmar que lençóis freáticos mantém contato com o rio, o que possibilita a poluição dos primeiros em função da sua elevada carga de poluição.

Aqui é importante ressaltar que em muitas granjas, principalmente nas maiores, é a água dos lençóis freáticos que é utilizada no sistema de produção. Considerando que são essas águas que alimentam, em parte, os rios locais, representando sua sustentação natural, pode-se considerar que a retirada da água limpa dos lençóis é uma “sonegação” aos rios da bacia.

Em termos de qualidade, essa água que é uma entrada na granja, após utilizada, é que, em parte, representa uma saída na esterqueira: água poluída. Em outras palavras, na parte do ciclo hidrológico que atravessa a suinocultura, entra no sistema de produção água limpa dos lençóis, e saem (em menor quantidade) dejetos líquidos, poluindo as águas superficiais e, possivelmente, os próprios lençóis.

4.1.9 Área urbana

Ao atravessar a área urbana, ocorre “contribuição” poluente, principalmente ligadas ao esgotamento sanitário e águas residuais, conforme visto no item Subsistema Rio Coruja- Bonito – Rural X urbano.

Os poluentes oriundos da área urbana, a exemplo do que foi citado no item 7, podem sofrer diferentes destinos.

De qualquer forma, grande carga poluente da bacia é exportada do geossistema através do rio, atingindo e poluindo o rio Braço do Norte.

4.1.10 O homem

Retornando à questão norteadora desse trabalho, afirmei, no início desse item “Estrutura e Organização do Sistema”, que o que sustenta a poluição do rio Coruja-Bonito é, basicamente, a atividade suinícola na bacia. Nos itens que foram se seguindo, é possível observar que o homem é o principal regulador do processo de poluição, tendo instalado a suinocultura na bacia e mantendo as estruturas físicas e operacionais da atividade. Em outras palavras, o que sustenta a poluição é o homem realizando sua atividade produtiva: a suinocultura.97

O homem regula os processos: decide quantos animais irá criar, se dará ou não continuidade à atividade, se ampliará as instalações de criação ou de armazenamento e tratamento de dejetos, e como irá se “desfazer” desses dejetos (quando, onde, e que quantidade aplicará no solo, ou outra destinação). É, efetivamente, o suinocultor que, localmente, toma suas decisões. Afinal, como bem afirma BLUMER (195398 apud BUCKLEY, 1971, p.42):

O ser humano não é arrastado de um lado para outro, como unidade neutra e indiferente, pela operação de um sistema. Como um organismo capaz de auto-interação, forja as suas ações por um processo de definição que envolve escolha, avaliação e decisão... As normas culturais, as posições de status e as relações de papel são apenas quadros de referência, dentro dos quais se verifica aquele processo de transação formativa.

No entanto, escolha, avaliação e decisão não podem ser tratados somente em nível local, o que nos remete, obrigatoriamente, para o 2º nível de análise.

97 Durante todo o texto dessa tese busquei não utilizar os termos “(sub)sistema humano” e “(sub)sistema

natural”, freqüentemente encontrados em artigos que abordam sistemas ambientais, por acreditar que esta divisão realça a separação homem-natureza, como se sua mútua exclusão fosse possível em se tratando de ambiente. No entanto, o “homem” merece um tópico especial por ser regulador em inúmeros processos que sustentam a degradação do rio Coruja-Bonito.

98 BLUMER, H. Psychological import of the human group. In: SHERIF, M., WILSON, M. O. (Org.). Group